sábado, 25 de fevereiro de 2012

Internet 4G pode chegar ao Brasil antes da Copa, mas para poucos


  • Redução dos preços só virá com o tempo
  • MÔNICA TAVARES
Publicado: 
 
Atualizado: 
BRASÍLIA — A banda larga móvel de altíssima velocidade (4G), que será licitada em maio, é apontada como um grande avanço da tecnologia, permitindo o acesso a voz e conteúdo multimídia com velocidade dez vezes superior à internet móvel (3G), utilizada hoje nos smartphones e nos tablets. O governo considera fundamental que o serviço 4G esteja funcionando durante os grandes eventos esportivos, principalmente na Copa do Mundo, mas esse novo sistema está muito longe de transformar o dia a dia da maioria dos brasileiros, que usam celulares pré-pagos como instrumento de trabalho e em substituição ao telefone fixo.
Para a consultora jurídica da ProTeste, Flavia Lefèvre, os grandes beneficiários do 4G serão as empresas e as classes A e B. As demais camadas da população não terão acesso ao serviço 4G — que permite acessar, além de voz, chamadas de vídeo, conteúdo multimídia, jogos e navegação com grande rapidez — porque os preços serão muito altos.
— O pequeno consumidor mal fala no celular. A média da recarga do cartão do celular é de R$ 5 — destaca.
O ex-ministro das Comunicações Juarez Quadros, sócio-diretor da Orion Consultores, tem a mesma opinião. O típico usuário do serviço será quem tem conta pós-paga, de maior poder aquisitivo, e o mercado corporativo. Para a grande maioria da sociedade, a internet 4G não terá qualquer influência, admite. Entretanto, Quadros não descarta totalmente a possibilidade de o serviço 3G ficar mais barato, por uma questão de concorrência. Os consumidores que usam esse serviço hoje devem migrar para o 4G, mas ele não se arrisca a fazer qualquer projeção de queda de preço.
— O preço do serviço 4G chegará alto ao país, e os aparelhos também serão mais caros (entre R$ 1.500 a R$ 1.800) — destaca o vice-presidente da Anatel, Jarbas Valente.
Ele acredita que haverá uma contrapartida para as classes menos favorecidas, porque o preço da assinatura mensal do pacote 3G (voz e dados), hoje em torno de R$ 60, terá uma queda de 50% até 2014 com a implantação da tecnologia 4G.
Redução dos preços só virá com o tempo
Eduardo Tude, presidente da consultoria Teleco, aposta que, com o tempo e maior volume de vendas, os preços da nova tecnologia cairão, inclusive para pacote de serviços que será oferecido pelas operadoras. Tude destaca que hoje já existem planos pré-pagos 3G bem baratos, na base de R$ 0,50 por dia.
Para ele, o serviço 4G terá um papel importante para o sistema de banda larga móvel no país, porque, além de aumentar a velocidade, ajudará a descongestionar as redes 3G utilizadas pela maioria dos internautas. A banda larga móvel cresceu 99,3% no ano passado frente a 2010, com mais 20,5 milhões de novos acessos.
A licitação da faixa de frequência 2,5 gigahertz (GHz), que será usada para o serviço 4G, está prevista para maio, com edital lançado em abril. Uma das principais exigências é que as sedes da Copa das Confederações e da Copa do Mundo tenham o serviço até o fim de 2013.
No mesmo edital serão divulgadas as regras para a licitação da faixa de 450 MHz, que levará a banda larga para a área rural. Neste caso, a empresa que ofertar o menor preço ao consumidor vencerá o leilão. A Anatel espera que o valor fique em torno de R$ 60 mensais para os serviços de voz e dados, mesmo preço praticado em áreas urbanas. Cerca de 8,3 milhões de pessoas vivem em área rural.
Os moradores das grandes cidades serão os primeiros a desfrutar da tecnologia 4G. O novo sistema vai reforçar as comunicações de voz e dados, principalmente nas regiões metropolitanas, onde a rede 3G está congestionada. Mas o funcionamento do serviço depende da instalação de muitas torres e estações, o que exigirá grandes investimentos por parte das operadoras.
Ex-diretor da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o professor José Leite Pereira Filho explica que a frequência de 2,5 GHz é considerada muito alta, por isso a necessidade de reforçar a rede no Rio e em São Paulo:
— A velocidade cai onde há muita gente conectada.
Para criar competição no leilão da tecnologia 4G, o governo quer atrair cinco empresas que já operam no país com o sistema 3G: Sky, Vivo, Oi, Claro e Nextel. Mas grupos estrangeiros também poderão explorar o serviço. Os principais fornecedores de equipamentos são Ericsson, Nokia-Siemens, Huawei e ZTE.
O governo estuda oferecer à população de baixa renda uma internet móvel com preço acessível, mas o programa apelidado de “Banda Larga no Bolso” ainda não tem nenhuma perspectiva de ser implantado. Pelas previsões, o projeto não será concluído antes de um ano.
Para obter uma redução significativa no valor do serviço, o governo teria de abrir mão de parte dos tributos recolhidos pelas empresas. A proposta é que estas fiquem isentas dos tributos, mas reduzam as tarifas para os usuários.
Colaboração: Guilherme Matos (2IA)

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Novas percepções do mundo digital



Prosa e Verso, 11/02/21012

 Livros discutem mudanças cognitivas, econômicas e políticas provocadas pela comunicação fragmentária da web


"Eu costumava mergulhar em um livro ou artigo extenso”, escreve Nicholas Carr nas primeiras páginas de “A geração superficial: o que a internet está fazendo com os nossos cérebros” (Agir, tradução de Mônica Gagliotti Fortunato Friaça), recém-lançado no Brasil. “Passava horas percorrendo longos trechos de prosa. Agora, raramente isso acontece. Minha concentração começa a se extraviar depois de uma ou duas páginas”. O livro chega ao país dois anos após seu lançamento nos EUA e quase quatro depois de Carr ter aberto este debate, em agosto de 2008, nas páginas da tradicional revista de ensaios “The Atlantic Monthly”, num artigo de título provocante: “O Google está nos deixando burros?”.
Leia mais: Entrevista com Nicholas Carr, autor de "A geração superficial"

A sensação de que estamos perdendo a capacidade de nos concentrar na leitura de textos de fôlego é desconcertante, quase um embaraço. E a tese de que o crescente hábito de nos informarmos pela internet tem alguma responsabilidade nisso é tão tentadora quanto antiga. Em 1996, Steve Wozniak, o excêntrico cofundador da Apple, falava disso em entrevista a um jovem repórter brasileiro: “meus alunos leem diferentemente de nós”, dizia. Milionário, Woz dedicava longas horas a ensinar pré-adolescentes a usar o computador numa escola pública do Vale do Silício. “Nós lemos de forma linear, uma frase após a outra, uma página após a outra, absorvendo lentamente a informação. A garotada, habituada com o mundo online, é mais eficiente. Lê um trecho, pula para outro, absorve a informação em fragmentos”. 


Entre a democratização e a superficialidade 

O título brasileiro do livro de Carr, “A geração superficial”, pode dar a impressão de que o autor se queixa dessa turma educada num mundo pós-internet. É a tradução que distorce a ideia original. Ele próprio se inclui no pacote de quem vê o próprio cérebro se transformando, embora, nascido em 1959, já estivesse na universidade quando os primeiros computadores criados por Woz saíram da fábrica. Carr, porém, não crê que a leitura fragmentada incentivada pela web seja “mais eficiente”. 

De tanto repetir o bordão “A mídia é a mensagem”, perdemos a ideia que o intelectual pop Marshall McLuhan queria transmitir com a frase. Especialista em literatura medieval, McLuhan chegou ao estudo dos efeitos da mídia intrigado com mudanças que ele próprio via num mundo cada vez mais pós-literário de rádio e TV. Prestamos tanta atenção no conteúdo que chega pelos vários dispositivos e não percebemos que as ferramentas que nos informam afetam mais nossa percepção do mundo do que a própria informação que carregam. O livro impresso pós-Gutenberg organizou o raciocínio, permitiu argumentos complexos nascidos de um longo encadeamento de ideias. Inventou um jeito de pensar que não existia antes. Rádio e TV começavam a inventar outros novos jeitos de pensar. 

Segundo Carr, a web radicaliza o processo. Quando quebramos a linearidade e começamos a juntar cacos nem sempre conexos de informação, ficamos mais superficiais. Inúmeros estudos indicam que o link perturba a concentração. 

Quando um grupo lê um texto de forma linear e outro lê o mesmo texto interligado por hiperlinks, a segunda turma reclama de confusão, umas tantas vezes não consegue lembrar do que leu. E o uso continuado da internet literalmente treina o cérebro a se informar de forma diferente. A exposição contínua à web cria a expectativa de que uma novidade tem que aparecer a cada minuto: clique, clique. O mesmo assunto interminável cria tédio. 

“Ninguém lê ‘Guerra e Paz’”, diz outro intelectual, o professor Clay Shirky, da Universidade de Nova York. “É longo demais e não é tão 
interessante”. Seu libelo contra dois baluartes da cultura literária, Liev Tolstói e Marcel Proust, sugere que supervalorizamos um tipo de cultura em detrimento de outra. Há muito mais na internet que possa nos enriquecer de uma forma distinta. A declaração de Shirky está no livro de Carr, que a considera “teatral demais para ser levada a sério”. Talvez, mas os leitores brasileiros poderão julgar por si mesmos sem o filtro de Carr. “Lá vem todo mundo: o poder de organizar sem organizações”, o mais debatido livro de Shirky, também está chegando ao país, editado pela Zahar (em tradução de Maria Luiza X. de A. Borges). 

Ambos são nomes proeminentes em um intenso debate que vem ocorrendo nos EUA faz pouco menos de uma década a respeito dos efeitos gerados pela internet. Nicholas Carr e Clay Shirky pertencem à classe que os americanos chamam de intelectuais públicos. O próprio McLuhan foi um dos pais fundadores desse grupo. Ao contrário de professores dedicados ao debate protegidos pelas paredes da academia, intelectuais públicos travam suas discussões perante todo mundo. Na tradição acadêmica brasileira, um tanto inspirada pela francesa, textos de intelectuais são muitas vezes intransponíveis. Já britânicos e americanos escrevem bem. Em seu livro, Clay Shirky se debruça sobre o aspecto colaborativo da internet.
Sua tese é de que a informação picada observada por Carr pode ser vista por outro ângulo: é um diálogo ocorrendo simultaneamente em todo o mundo. Esse diálogo não só conecta pessoas como modifica a sociedade de uma forma profunda. Lançado nos EUA em fevereiro de 2008, o livro não incluiu alguns dos melhores exemplos desse fenômeno. Incluam-se na lista a surpreendente eleição de Barack Obama para a presidência e o chacoalhar ainda sem término à vista de ditaduras árabes. 

O Partido Democrata é uma máquina azeitada há décadas. É preciso conhecer os chefetes locais do partido em cada canto, porque são eles que mobilizam eleitores para votar num ou noutro candidato nas primárias. Da mesma forma, é preciso ser íntimo dos simpatizantes mais ricos para conseguir doações que banquem a campanha. Em 2008, estava tudo nas mãos de Hillary Clinton. Usando a internet, Obama mobilizou
'Lá vem todo mundo', livro de Clay Shirky
um público que não pertencia à máquina do partido para votar nas primárias e conseguiu, de centavo em centavo doados pela população em geral, angariar dinheiro suficiente. George W. Bush era tão impopular que qualquer candidato democrata seria eleito presidente. Estava tudo combinado para ter sido Hillary. Foi Obama. 

A internet descentraliza o acesso à informação, facilita diálogos entre pessoas com interesses comuns e, assim, desconstrói centros de poder. Organiza, como sugere o subtítulo do livro, sem a necessidade de organizações. 

Outro dos intelectuais públicos nesse debate, Cass Sunstein, professor de Direito da Universidade de Chicago, vê o fenômeno de Shirky por outro ângulo. Ao facilitar o diálogo entre pessoas com interesses comuns, a internet cria comunidades fechadas. Gente de esquerda só conversa e lê seus pares; gente de direita, idem. O resultado pode ser um embrião de democracia no Egito, mas também um debate cada vez mais radicalizado entre PT e PSDB, Republicanos e Democratas, PSOE e PP na Espanha, Trabalhistas e Conservadores no Reino Unido. Construir pontes entre grupos com opiniões distintas é cada vez mais difícil. Há intolerância no ar. As democracias estão se polarizando. 



Um debate travado em livros e blogs 

Mas não deixa de ser irônico que boa parte deste debate público esteja sendo travado em livros. A Carr e Sunstein, céticos da internet, juntam-se pensadores como um dos pais da realidade virtual, Jaron Lanier, e Andrew Keen. Em seu “O culto do amador” (Zahar), Keen afirma que a mesma criação coletiva defendida por Shirky tem pouca qualidade e, ao ser igualada à produção profissional, ameaça eliminar o modelo econômico que financia qualidade. 

Tampouco Shirky está sozinho. A seu lado estão dois professores da Universidade da Cidade de Nova York (CUNY), Jeff Jarvis e Jay Rosen, e o diretor de redação da revista “Wired”, Chris Anderson. É Anderson que propõe, em “A cauda longa” e “Free: o futuro dos preços” (ambos da Editora Campus), que um novo modelo econômico pode sustentar tanto a produção profissional quanto a amadora. 

Debates intelectuais à moda antiga, com ambos os lados costurando argumentos muitas vezes intrigantes, muitas vezes novos, em várias páginas de livros, continuam a ocorrer. Assim como ocorrem, também, na internet. O próprio Nicholas Carr é autor de um blog provocador atualizado com frequência, “Rough Type”.

Como diz o rabino da piada após ouvir cauteloso os dois lados, ambos têm razão.

***
Entrevista

Nicholas Carr: ‘Precisamos olhar criticamente a tecnologia’


Autor de ‘A geração superficial’, escritor americano diz que internet estimula ‘uma forma primitiva’ de leitura.
A ansiedade que vivemos hoje sobre os efeitos da internet sobre nossa cognição não é nova. Essa parece ser uma marca de toda grande transformação das tecnologias de informação, ao menos desde o livro impresso (que muitos na época temiam ser uma forma de “diluição” do conhecimento). Como a situação atual se distingue das mudanças tecnológicas do passado? 

NICHOLAS CARR: Toda nova tecnologia importante, se passa a ser amplamente usada, gera tanto euforia quanto ansiedade. Mas o caso da internet é diferente de todos os anteriores, no escopo e na intensidade de seu uso. É a primeira tecnologia de mídia que as pessoas podem carregar o dia todo, usando-a no trabalho, na vida social, para entretenimento e comunicação. Também é a primeira tecnologia de mídia interativa que transmite textos, imagens, sons e filmes, além de rodar softwares e aplicativos. Isso é algo novo no mundo — uma tecnologia que está constantemente influenciando a maneira como pensamos e nos comunicamos. Por isso, precisamos olhar criticamente para essa tecnologia e perguntar: como ela influencia nossos hábitos mentais? Muitas pesquisas sobre mídias digitais mostram que nosso uso da internet tende a nos colocar em um estado de distração perpétua, bombardeado por interrupções constantes. Isso faz com que tenhamos mais dificuldade para nos engajar em pensamentos contemplativos e reflexivos e também para armazenar memórias ricas e ter insights conceituais profundos. Há muitas qualidades na internet — por isso a usamos tanto — mas acredito que ela nos transforma em pensadores mais superficiais. 


Você argumenta que, enquanto o livro impresso originou uma evolução nos hábitos de leitura (da leitura em voz alta para a silenciosa, mais reflexiva), a internet favorece “uma forma mais primitiva de leitura”. Por quê? 

A leitura não é uma habilidade nata nos humanos, como a fala, por exemplo. Temos que aprender a ler, e por isso as ferramentas que usamos para ler vão influenciar a qualidade de nossa leitura. O livro impresso, como tecnologia, nos protege de distrações e foca nossa atenção nas palavras do autor, no argumento ou na história. Estimulando a atenção e a calma, a página impressa encoraja uma forma mais profunda de leitura, na qual somos capazes de usar o máximo de nossa imaginação e nossa habilidade interpretativa para compreender o texto. A tela do computador não tem a calma da página impressa. As palavras do autor são forçadas a competir com outros estímulos que chegam através do computador. O leitor distraído não lê com profundidade; ele passa os olhos no texto, lê na diagonal. A leitura se torna um simples ato de decodificação, em vez de um sofisticado ato de interpretação e imaginação. 


Como essa mudança nos hábitos de leitura pode influenciar a fruição da literatura? 


Com o tempo, a forma como as pessoas leem vai influenciar a forma como escrevem. Acredito que a chegada do livro impresso, criando um grupo muito mais amplo de leitores atentos, encorajou os autores a expandir as fronteiras da literatura, a experimentar novas formas e gêneros, por exemplo. Se a internet e os livros eletrônicos encorajam a leitura distraída, os autores não serão mais capazes de assumir que escrevem para leitores atentos, profundos. Por consequência, acredito que teremos menos experimentação, menos complexidade, menos aventura na escrita. A grande literatura exige não apenas escritores talentosos, mas leitores atentos. 


Em um artigo recente, você diz que as editoras deviam distribuir e-books de graça. Por quê? 

Sugeri isso como uma estratégia de mercado para as editoras. Muitas pessoas com Kindles, Nooks e iPads podem querer comprar o livro impresso, mas vão preferir o e-book para suas máquinas. Se as editoras dessem um exemplar eletrônico junto com o exemplar impresso, isso encorajaria as pessoas a comprar mais livros impressos. Essa estratégia também combateria a Amazon, que, na minha opinião, está ganhando muito poder no mercado editorial.



sábado, 4 de fevereiro de 2012

Luiza para presidente


Guilherme Fiúza, O Globo

Luíza foi ao Canadá para provar que a opinião pública brasileira virou geleia. A frase de um comercial imobiliário na Paraíba que se espalhou pelo Brasil inteiro é um divisor de águas na cultura de massa. Até então, uma mensagem insignificante podia ganhar dimensão pública por contágio. A grande novidade é que, depois de Luíza, o contágio não precisa mais de mensagem. Nem insignificante. Em questão de horas, um país inteiro passou a repetir essas seis palavras: "Menos Luíza, que está no Canadá".

Qual era a charada? Nenhuma. Que código, que sentido subliminar, ou pelo menos que estranheza justificava tão irresistível propagação? Ninguém saberia responder. Mas nem seria preciso resposta, porque ninguém perguntava. O que explicava a repetição era a repetição. O espetáculo da inércia mental nunca tinha sido tão exuberante. Quase meio século atrás, outras seis palavras aparentemente sem sentido se espalharam pelo mundo: "Lucy in the sky with diamonds." A diferença é que John Lennon não estava tentando vender apartamento para emergentes que podem mandar a filha estudar no Canadá. Estava escrevendo um capítulo da contracultura — e Lucy teria despencado do céu em dois minutos se o seu único atrativo fosse uma virose no Twitter.

Na época de Lucy, Luíza não seria nada. No Brasil de hoje, ela poderia ser presidente da República. O furacão Luíza veio expor, de forma quase cruel, a precariedade dos símbolos que o senso comum consagra. A menina real, Luíza Rabello, não tem nada com isso — ou melhor, não tinha. Agora terá, pela importância que o público passou a lhe atribuir a partir de... Nada. Circularam rumores de que Luíza estará na próxima edição do Big Brother. Se ela pensar grande, poderá ir direto para Brasília. E nem precisará de um padrinho popular, que repita seu nome exaustivamente aos quatro ventos. A internet já fez isso por ela, sem precisar de palanque, voz rouca, suor e lágrimas providenciais.

Fora isso, no Brasil de 2012, os requisitos para se estar no BBB ou na Presidência da República são até parecidos. Na Presidência convém falar menos. E, se não tiver nada de relevante a dizer, não tem problema. Basta espalhar no Twitter que Luíza do Canadá é uma grande gestora, que o povo acredita. Mesmo se ela tiver sido apenas uma militante política com passagem opaca por cargos públicos, todos graças a indicações partidárias? Perfeitamente. Os fatos, hoje, são um detalhe. O que o senso comum respeita mesmo é a repetição.

E não se preocupe, Luíza, se você gastar todo o seu primeiro ano de governo enxugando gelo do seu próprio caos administrativo. Mesmo se você bater o recorde de ministros demitidos por acusação de fraude. Aquela imagem da supergerente que sabia o que se passava em todos os ministérios serviu só para te eleger. Agora você é uma paraquedista, recém- chegada do Canadá, pronta para passar o país a limpo com o detergente da ética.

Se a faxina bombar no Twitter, você pode até terminar o seu primeiro ano de mandato com aprovação recorde. Aí você poderá continuar amiga de todos esses ministros que você nomeou e tentou proteger, mesmo depois de acusados de garfar o país. Quando eles caírem de podres, elogie- os publicamente e mantenha as boquinhas com os grupos deles. Ninguém vai notar. "Fisiologismo" não tem a menor chance no Twitter. Enquanto Luíza prepara sua candidatura, poderá aprender um pouco observando o governo atual. Tratase de um governo detalhista. Se a opinião pública acredita nas mensagens que se repetem — e isso já é uma mão na roda — por que não ir além, escolhendo as mensagens que ela deve repetir?
Isso é muito importante, porque a imprensa livre, além de bisbigra lhoteira, se mete em assuntos demais, o que pode confundir a mensagem que o povo precisa ouvir. As manchetes dos últimos seis meses, totalmente descontroladas, quase puseram o governo popular no banco dos réus — com histórias soturnas de uso sistemático da máquina pública para engordar esquemas políticos. Mas os ideólogos do governo não descansarão enquanto não protegerem o país dessas linhas cruzadas da mídia livre. E Luíza está com sorte, porque acaba de ser lançada uma grande ideia, para ela anotar em seu caderno de campanha.

Em discurso no Fórum Social Mundial, o ministro da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, defendeu a criação de uma mídia para a classe C. "Toda essa gente que emerge ficará à mercê da ideologia disseminada pelos veículos de comunicação existentes?", questionou o ministro, conclamando o governo a "radicalizar a democracia" parindo uma mídia nova. A plateia exultou com a proposta governamental de organizar melhor o que a opinião pública deve assimilar, ou melhor, repetir. Os dias que se seguiram foram de grande excitação entre os companheiros. Todo mundo festejou a ideia. Menos Dilma, que estava em Cuba.