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segunda-feira, 30 de abril de 2012
O erro de ver novas mídias em todas as Tecnologias da Informação e Comunicação
Quanto às técnicas de comunicação saídas elas também das TIC (por exemplo, o telefone ou o correio eletrônico), estas não retomam os critérios que definem as mídias, afirma Bernard Miège
Por: Thamiris Magalhães | Tradução Benno Dischinger
“A transnacionalização está precisamente sob o empreendimento de poderosos grupos de comunicação, primeiramente daqueles formados a partir das indústrias de materiais e de vetores lógicos da informática, bem como de redes de comunicação, em seguida das indústrias de conteúdos, culturais e informacionais. São esses grupos que são o motor da transnacionalização”, define o professor da Universidade de Grenoble, Bernard Miège, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Para ele, as tecnologias da informação e comunicação fazem parte da construção do social, “mas isso não me parece ser sua função primária, longe disso; elas contribuem primeiramente à gestão das mediações em todos os campos sociais, sob o mesmo título que a mídia existente e as estratégias de comunicação das organizações”.
Bernard Miège é professor da Universidade de Grenoble, na França. É um pensador dedicado a questões que envolvem o espaço da comunicação nas complexas sociedades contemporâneas. É autor de várias obras, dentre as quais estão publicadas em português O pensamento comunicacional (Petrópolis: Vozes, 2000) e A sociedade tecida pela comunicação: técnicas da informação e da comunicação entre inovação e enraizamento social (São Paulo: Paulus, 2009).
Bernard Miège esteve na Unisinos onde participou do seminário “Fundamentos sociais das tecnologias de informação e comunicação”, promovido pelo Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O senhor crê que esses dispositivos tecnológicos tomarão o lugar dos meios de comunicação de massa que ainda são disponíveis ou as mídias digitais são uma continuidade das Tecnologias da Informação e Comunicação?
Bernard Miège – As Tecnologias da Informação e Comunicação – TIC em seu conjunto e, entre elas, aquelas que formam verdadeiramente novos meios, e não somente técnicas de comunicação (isto é, de relacionamentos e de trocas entre os indivíduos), não são chamadas a tomar o lugar dos meios que se implantaram ao longo dos últimos 150 anos. Mas, seja qual for sua importância, no futuro ainda pouco previsível (novos dispositivos podem emergir), as TIC e os meios numéricos juntar-se-ão e coordenar-se-ão com os meios existentes, segundo modalidades que dependerão, sobretudo, de estratégias dos (poderosos) grupos de comunicação transnacionais.
IHU On-Line – Como define o conceito de transnacionalização da comunicação?
Bernard Miège – A transnacionalização está precisamente sob o empreendimento de poderosos grupos de comunicação, primeiramente daqueles formados a partir das indústrias de materiais e de vetores lógicos da informática, bem como de redes de comunicação, em seguida das indústrias de conteúdos, culturais e informacionais. São esses grupos que são o motor da transnacionalização.
IHU On-Line – Por que diz que não se pode separar a comunicação midiatizada da não midiatizada? Quais são as características de cada uma delas? De que forma se pode inseri-las em sua teoria da continuidade?
Bernard Miège – A comunicação se midiatiza, isto é, essencialmente a comunicação intercorporal e linguística está presente nas trocas à distância, numeradas e ubiquitárias que nós consideramos como elementos da comunicação midiatizada. Quer queiramos ou não, não se pode fazer abstração destas modalidades de comunicação que se formaram e forjaram após aproximadamente cinco milênios, isso até seria dramático e “patológico” caso se conseguisse fazê-lo. Mas estes são discursos “tecnodeterminados” de promoção das novas TIC que nos incitam a crer que entramos numa comunicação inteiramente diferente, e jamais experimentada. Porém, bem entendido, isso não impede que se experimentem novas formas e que novas modalidades apareçam.
IHU On-Line – De que maneira as Tecnologias da Informação e Comunicação têm um papel central na construção social?
Bernard Miège – Na verdade, isso não é minha preocupação primária, nem mesmo um interesse afirmado, pois eu não sou sociólogo das interações sociais, mais especializadas da informação/comunicação. Além disso, eu atribuo tanta importância às dimensões macro- e meso- como micro-. Concebo que se possa considerar que as TIC fazem parte da construção do social, mas isso não me parece ser sua função primária, longe disso; elas contribuem primeiramente à gestão das mediações em todos os campos sociais, sob o mesmo título que a mídia existente e as estratégias de comunicação das organizações.
IHU On-Line – Qual é a diferença entre os usos e as práticas sociais comunicacionais?
Bernard Miège – Os usos são as utilizações encontradas das TIC; elas são qualificadas de sociais porque são comuns a diversos indivíduos, formando categorias de usos. Elas se constatam no tempo curto e correspondem a cada TIC, ou pelo menos a cada dispositivo. Elas devem ser distinguidas das práticas sociais, de informação e de cultura que, elas mesmas, não estão limitadas às TIC, mas são, sobretudo, relativamente duradouras e devem ser inscritas no tempo longo; elas se modificam, mas dependem dos habitus culturais e variam em função das determinações sociais e culturais próprias a determinadas classes de indivíduos. As práticas (por exemplo: a prática cotidiana de informação, a prática cinematográfica ou a prática de audição musical) são mutlissuportes e multitécnicas, e elas integram progressivamente os usos que produzem as mutações.
IHU On-Line – Qual é a definição da palavra “mídia” e de que maneira ela é associada às Tecnologias da Informação e Comunicação?
Bernard Miège – Como eu o indiquei por ocasião do seminário, as mídias “históricas”, ainda atuais, podem ser definidas a partir de cinco a sete critérios que são outros tantos componentes. As mídias digitais não retomam todos esses critérios, e particularmente aquele da programação. Quanto às técnicas de comunicação saídas elas também das TIC (por exemplo, o telefone ou o correio eletrônico), estas não retomam esses critérios que definem as mídias; isso porque é um erro ver em todas as TIC novas mídias.
IHU On-Line – Qual é a diferença entre informação e comunicação?
Bernard Miège – As significações de Informação e de Comunicação que circulam são múltiplas; há termos plurissemânticos cujo significado é intrincado e confuso. Mas, para ir ao essencial, deve-se reter que a informação represente o conteúdo que é difundido através dos canais e utensílios de comunicação. Isso é assim desde a civilização sumérica, e os primeiros tábletes de argila reproduziam textos administrativos.
sexta-feira, 27 de abril de 2012
Grandes empresas investem em música e preenchem lacuna deixada pela crise das gravadoras
‘Sambabook João Nogueira’ chama atenção para modelos alternativos de financiamento
RIO - O lançamento do "Sambabook João Nogueira" — que reúne CDs, DVD, livro e fichário de partituras — reafirma a força de um caminho para o mercado da música que tem se mostrado consistente e em expansão. Com o encolhimento da área de ação das gravadoras, empresas como Natura, Oi, Vivo, Petrobras e Itaú (as duas últimas são as patrocinadoras oficiais do "Sambabook") estão investindo na área com regularidade — com ou sem mecanismos de isenção fiscal, fora da indústria fonográfica ou em parceria com ela. No modelo, cabem discos de estreantes e consagrados, turnês, festivais e projetos baseados em pesquisa.
A lista de projetos em andamento — com lançamento previsto ao longo dos próximos 12 meses — é tão abrangente quanto respeitável: CDs de artistas como Tom Zé, Otto e Tulipa Ruiz; festivais como No Ar Coquetel Molotov, Se Rasgum, Música Pra Todo Mundo e Levada Oi Futuro; turnê comemorativa dos 50 anos de carreira de Milton Nascimento; "Sambabook" de canções sobre o Rio (incluindo ensaios fotográficos para cada uma); show em Nova York celebrando as cinco décadas da histórica noite da bossa nova no Carnegie Hall; documentário sobre a matriarca do samba paulistano Dona Inah.
Empresa responsável pelo "Sambabook", a Musickeria é fruto exatamente desse modelo de financiamento da música. Misto de produtora, agência de conteúdo e selo musical, a companhia foca na criação de produtos artísticos para atrair patrocinadores. Sua filosofia, portanto, não se prende à ideia do disco como objetivo final — seus trabalhos podem passar por edição de livros e conteúdo audiovisual para a internet, por exemplo.
— É um negócio voltado para o estabelecimento de parcerias com patrocinadores, mais do que para a venda de produtos físicos, que é como se estruturaram as gravadoras — explica Luiz Calainho, sócio da Musickeria, ao lado de Afonso Carvalho e Sérgio Baeta. — A venda é importante, mas nosso negócio não está ancorado aí. O mercado encolheu, as gravadoras se veem limitadas na hora de investir, e a conta não fecha mais no antigo modelo. Somos uma plataforma para empresas que buscam posicionar suas marcas se vinculando à cultura, a produtos artísticos de qualidade.
Os próximos lançamentos da Musickeria são o "Rio Sambabook", em setembro, com 21 artistas interpretando canções como "Samba do avião" e "Cariocas". Além de CD, DVD e Blu-ray, o projeto terá um livro de ensaios fotográficos. Para o ano que vem, a Musickeria planeja o "Bossa nova no Carnegie Hall — 50 anos", com a participação de nomes como Sérgio Mendes, Roberto Menescal e Diana Krall. Em abril de 2013, sai o "Sambabook Martinho da Vila". A empresa negocia ainda com uma cervejaria o apoio para um projeto que adequará o "Sambabook" a medalhões do pop rock nacional, além do lançamento de um novo artista por ano.
O programa Natura Musical, lançado em 2005 (a edição de 2012 está com inscrições abertas), apoia projetos musicais que podem ir do show de um artista estreante, como Marcelo Jeneci, a uma grande vendedora de discos, como Vanessa da Mata. Ou mesmo a trabalhos de interesse bem específico, como a caixa "Mestres navegantes", com manifestações como folia de reis, calango e jongo. Tom Zé, Milton Nascimento e Otto estão entre os atuais contemplados
— Os programas de patrocínio cresceram bastante na lacuna deixada pelas gravadoras — acredita Karen Cavalcanti, gerente de marketing institucional da Natura. — Em 2005, começamos o edital com 500 inscrições. Hoje temos 1.400.
Mudança de foco
Do lado do artista, Betão Aguiar — idealizador da caixa "Mestres navegantes", músico e produtor de nomes como Arnaldo Antunes — comemora o fortalecimento do modelo:
— Meu pai (Paulinho Boca de Cantor, dos Novos Baianos) ganhava luvas para ficar na gravadora. Hoje elas não pagam nem o disco. Se você conseguir uma divulgação legal já é muito. Se o negócio do disco não é mais rentável, é ótimo que exista essa possibilidade de as marcas se atrelarem a coisas legais.
Para Claudio Jorge Oliveira, coordenador de Patrocínio a Música e Patrimônio da Petrobras, uma mudança de foco se anuncia no mercado da música. Ele diz ser perceptível, pelas inscrições no programa Petrobras Cultural (lançado em 2003 e que patrocina de festivais a discos como o recém-lançado "Avante", de Siba), que existe um aumento de projetos de turnês além dos tradicionais pedidos de verba para gravação de discos.
— No início do Petrobras Cultural, identificamos uma demanda grande por projetos fonográficos. Agora, há uma migração da demanda para a circulação, as turnês. Nos dois últimos editais criamos uma linha específica para turnês. A quantidade de projetos inscritos aumentou na edição 2008/2009 as inscrições para patrocínio em turnês foram 16% maiores do que as para produção de CDs. Em 2010, o número cresceu para 26%) — diz Oliveira, que vê no "Sambabook" um exemplo perfeito desse novo momento. — Ele congrega o investimento em memória e o conceito atual de transmídia, com produtos em várias plataformas.
Atuando em frentes como o portal Oi Novo Som, o selo Oi Música (que lançou novos talentos como Qinho e Tono), Oi Rdio (serviço de streaming de música) e Oi Futuro (palco para shows), a operadora vê no segmento, mais do que uma ação de marketing, um negócio rentável.
— O selo foi criado não só por uma questão de marca, mas também para dar retorno financeiro, movimentar o mercado e gerar rentabilidade para a Oi, com a venda de downloads — diz Roberto Guenzburger, diretor de Produtos e Mobilidade da operadora, anunciando um novo projeto: — O Oi Novo Som, através do Oi Futuro, está apoiando o Música Pra Todo Mundo. É um concurso no qual os quatro vencedores participarão de um festival no Circo Voador, no segundo semestre, e terão seus CDs lançados pelo Oi Música, com shows individuais, distribuição e produção de videoclipes, entre outras iniciativas.
Globo, Folha e Abril ameaçam governo Dilma em caso de CPI da Mídia
Contribuição: Gustavo Pereira
Postado em: 27 abr 2012 às 12:43 | Mídia desonesta
Principais grupos de comunicação fecham pacto de não agressão e transmitem ao planalto a mensagem de que pretendem retaliar o governo se houver qualquer convocação de jornalistas ou de empresários do setor. Porta-voz do grupo na comissão é o deputado Miro Teixeira. Na Inglaterra, um país livre, o magnata Rupert Murdoch depôs ontem
Há exatamente uma semana, o executivo Fábio Barbosa, presidente do grupo Abril e ex-presidente da Febraban, foi a Brasília com uma missão: impedir a convocação do chefe Roberto Civita pela CPI sobre as atividades de Carlos Cachoeira (leia mais aqui). Jeitoso e muito querido em Brasília, Barbosa foi bem-sucedido, até agora. Dos mais de 170 requerimentos já apresentados, não constam o nome de Civita nem do jornalista Policarpo Júnior, ponto de ligação entre a revista Veja e o contraventor Carlos Cachoeira. O silêncio do PT em relação ao tema também impressiona.
Surgem, aos poucos, novas informações sobre o engavetamento da chamada “CPI da Veja” ou “CPI da mídia”. João Roberto Marinho, da Globo, fez chegar ao Palácio do Planalto a mensagem de que o governo seria retaliado se fossem convocados jornalistas ou empresários de comunicação. Otávio Frias Filho, da Folha de S. Paulo, também aderiu ao pacto de não agressão. E este grupo já tem até um representante na CPI. Trata-se do deputado Miro Teixeira (PDT-RJ).
Na edição de hoje da Folha, há até uma nota emblemática na coluna Painel, da jornalista Vera Magalhães. Chama-se “Vacina” e diz o que segue abaixo:
“O deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) vai argumentar na CPI, com base no artigo 207 do Código de Processo Penal, que é vedado o depoimento de testemunha que por ofício tenha de manter sigilo, como jornalistas. O PT tenta levar parte da mídia para o foco da investigação”.
O argumento de Miro Teixeira é o de que jornalistas não poderão ser forçados a quebrar o sigilo da fonte, uma garantia constitucional. Ocorre que este sigilo já foi quebrado pelas investigações da Polícia Federal, que revelaram mais de 200 ligações entre Policarpo Júnior e Carlos Cachoeira. Além disso, vários países discutem se o sigilo da fonte pode ser usado como biombo para a proteção de crimes, como a realização de grampos ilegais.
Inglaterra, um país livre
Pessoas que acompanham o caso de perto estão convencidas de que Civita e Policarpo só serão convocados se algum veículo da mídia tradicional decidir publicar detalhes do relacionamento entre Veja e Cachoeira. Avalia-se, nos grandes veículos, que a chamada blogosfera ainda não tem força suficiente para mover a opinião pública e pressionar os parlamentares. Talvez seja verdade, mas, dias atrás, a hashtag #vejabandida se tornou o assunto mais comentado do Twitter no mundo.
Um indício do pacto de não agressão diz respeito à forma como veículos tradicionais de comunicação noticiaram nesta manhã o depoimento de Rupert Murdoch, no parlamento inglês. Sim, Murdoch foi forçado a depor numa CPI na Inglaterra para se explicar sobre a prática de grampos ilegais publicados pelo jornal News of the World. Nenhum jornalista, nem mesmo funcionário de Murdoch, levantou argumentos de um possível cerceamento à liberdade de expressão. Afinal, como todos sabem, a Inglaterra é um país livre.
O Brasil se vê hoje diante de uma encruzilhada: ou opta pela liberdade ou se submete ao coronelismo midiático.
terça-feira, 24 de abril de 2012
domingo, 22 de abril de 2012
É tudo mentira
Sites de humor com notícias falsas, como O Sensacionalista, O Bairrista, G17 e 2030, vivem ‘boom’ e, com a ajuda das redes sociais, repercutem como verdade
Mariana Filgueiras (O Globo)
RIO — No dia 29 de setembro de 2011, os portais de notícias destacavam os fatos da semana: “Polícia diz que homem contratado para matar forjou crime com ketchup”; “Vocalista do Greenday é expulso de voo por estar de calças arriadas”; e “Jaguabiraba, no Ceará, está às escuras porque prefeitura não pagou a conta de luz.”
Seria difícil competir com a realidade. Naquela manhã de quinta-feira, o jornalista Nelito Fernandes — um dos fundadores do site humorístico O Sensacionalista — precisava pensar em algo ainda mais surreal para atualizar o portal, abastecido semanalmente com notícias falsas. Respirou fundo, deu duas voltas em círculo na sala do apartamento, no Rio. A ideia não vinha. Até que a mulher, Martha Mendonça, também jornalista e redatora d’O Sensacionalista, lembrou-se de uma das piadas mais acessadas no site: o suposto nascimento de um bebê chamado Harrypotterson no interior do Brasil. Nelito deu um pulo: e se nascesse um Facebookson?
Rapidamente, ele burilou uma imagem de um casal com um bebê encontrada na internet, rascunhou uma reportagem fictícia e lançou a graça na rede: “Casal de São Paulo batiza o filho como Facebookson e causa polêmica no mundo.” Sucesso retumbante.
Em minutos, a besteira praticamente virou verdade, de tão replicada na internet. E apesar d’O Sensacionalista deixar claro que faz humor (o cabeçalho estampa o slogan “Um jornal isento de verdade”) muitas pessoas caíram na piada. Inclusive portais de notícias reais: o “Alagoas 24 horas” e o paraibano “O Impacto” divulgaram o histriônico como verdade.
— Nós fazemos piada, está bem claro no layout que O Sensacionalista é um site de humor. Nossa intenção nunca foi enganar ninguém — diz Nelito, que faz o site com Martha, o redator de humor Leonardo Lanna e o jornalista Marcelo Zorzanelli.
É um fenômeno curioso: os sites de notícias falsas se multiplicam na mesma proporção em que aumenta a credulidade do público — “dobradinha” impulsionada pela popularização das redes sociais e pelo afã de compartilhar de seus usuários. Só no ano passado surgiram o Kibeloco 2030 (só com notícias “do futuro”); o G17 (inspirado no portal de jornalismo G1); O Bairrista (ironizando o egocentrismo gaúcho); o Meiu Norte (paródia do jornal piauiense “Meio Norte”); o twitter @estadaos (alusão ao jornal “O Estado de S. Paulo”) — para citar os mais acessados. Isso porque já existiam o “Piauí Herald”, página de manchetes irônicas da revista “Piauí” criada em 2007; e o Diário de Barrelas, portal de notícias da cidade fictícia, desde 2009, além do próprio O Sensacionalista, também de 2009.
Apesar de a repercussão do caso Facebookson ter sido grande (faça uma enquete entre os seus amigos para saber quem não cairia na história...), os autores da piada não se assustaram com a confusão. O mesmo rebuliço já tinha acontecido com outras notícias do site.
Em julho do ano passado, o vídeo “Camelô vende kit para fabricar falsos mendigos no Centro do Rio” foi debatido, como se fosse real, em programas de rádio. Antes disso, em abril, a tirada “Angela Bismarchi anuncia que vai implantar o terceiro seio” virou ma reportagem na Rede TV!. Em 2010, suposta notícia “Mulher engravida assistindo a filme pornô 3D” foi publicada no português “Diário de Notícias” e até no conceituado site de tecnologia Gizmodo, que logo depois retirou o link do ar.
— As pessoas acham engraçado, compartilham, os amigos comentam o link, sem clicar na notícia original, achando que é verdade, e aí a coisa não para mais — observa Martha, que no dia anterior tinha postado o nascimento do irmão mais novo de Facebookson, o Istagramilson.
Há pouco mais de um mês, no dia 8 de março, outra notícia se espalhou pela internet como pulga no tapete: “CNN diz que Mark está triste com o comportamento dos brasileiros no Facebook.” O texto dizia que o bilionário Mark Zuckerberg não queria que nós, pobres tupiniquins, “orkutizássemos” seu reino azul-lavanda. Todo mundo caiu.
Bem longe de Palo Alto, lá no agreste do Rio Grande do Norte, numa cidadezinha de 35 mil habitantes chamada Nova Cruz, quem se divertia com a pegadinha era o administrador de empresas Rafael Gustavo Neves, 29 anos.
Criador do G17, ele tomou um susto ao ver a brincadeira chegando a um milhão de acessos (segundo o Google Analytics, foram exatamente 1.058.312 visualizações).
— O que me admira é tanta gente acreditar. O “Diário de Natal” publicou, os jornais da Paraíba também. Como é que alguém pode achar, por exemplo, que existe um elevador que conecte o Brasil ao Japão? — espanta-se Rafael, emendando outra de suas piadas que viraram verdade por aí.
Rafael criou o G17 em maio de 2011, para chamar a atenção para o jornal (real) que ele mesmo edita, sozinho, há oito anos — a “Gazeta do Agreste”.
Depois de trabalhar como administrador num jornal da Paraíba, o rapaz tomou gosto pelo jornalismo e decidiu fundar o primeiro diário da sua cidade natal. Desde 2004, o jornal eletrônico é atualizado semanalmente com notícias da região.
— Aí eu percebi que só as notícias curiosas tinham muitos acessos. Então pensei: se criasse um site de humor, só com notícias bizarras, poderia redirecionar os leitores para a “Gazeta” — ensina Rafael, que viu sua audiência se multiplicar com a ideia e já fechou parcerias com o UOL e a empresa GVT (embora os lucros não passem de R$1,2 mil, o que gasta pagando o próprio servidor).
Inspirado no sucesso do G17, o artista plástico piauiense Tiago Rubens Peres, 27 anos, criou, em maio do ano passado, o site Meiu Norte, uma sátira ao jornal impresso “Meio Norte”. Começou de brincadeira, para ironizar os políticos locais. Em dezembro, uma de suas manchetes foi replicada Brasil afora: “Justiça proíbe lojas de Teresina de tocar Simone no Natal.” A decisão estapafúrdia foi dada como certa em dois jornais de Mato Grosso e na versão eletrônica do “Jornal do Brasil”. Ao fim daquele mês, Tiago calculou a audiência pelo Google Analytics e quase caiu para trás: o Meiu Norte já recebia 60 mil acessos por mês, muito mais do que o original poderia sonhar.
— Na internet todo mundo é piadista. Do celular, de casa, o tempo todo o pessoal quer compartilhar piada — avalia Tiago, que foi autorizado pela direção do “Meio Norte” e conta com a ajuda da namorada nas atualizações diárias, que lhe rendem cerca de US$ 200 ao mês em publicidade.
Outro rapazola que teve ideia semelhante foi o designer carioca Vyktor Berriel, de 22 anos. Cansado de ler notícias sobre pesquisas científicas de relevância discutível (como “quem acorda cedo rende menos no trabalho”, cita ele), em novembro do ano passado criou uma conta no twitter para fazer uma paródia aos estudos, o @estadaos.
— Fiz para inventar estudos tão absurdos quanto aqueles, e a galera curtiu. Criei a conta, retuitei os primeiros posts com minha conta original e fui dormir. No outro dia, já tinha dois mil seguidores — conta Vyktor, hoje com 25 mil e autor de pérolas como “Fãs de Pink Floyd demoram mais tempo para tomar banho, aponta estudo”, “Pau que nasce torto nunca se endireita, aponta estudo”, ou “Se Neymar entregasse galão d’água ninguém o acharia bonito, aponta estudo”. — É muito engraçado ver a reação de quem acredita.
Como só tratam de notícias do futuro, os autores do 2030, a página de notícias falsas do site Kibeloco, ainda não experimentaram a sensação de virar verdade por aí. O triunfo da equipe é outro: além de atrair mais audiência para o portal, um dos humorísticos mais famosos do Brasil, já há empresas interessadas em anunciar no 2030, vinculando a marca ao “futuro”.
— Este boom de sites de notícias falsas surgiu na cola da profusão de notícias bizarras, reais, que ganham espaço em portais sérios — avalia a publicitária Raquel Novaes, 27 anos, que integra a equipe com o publicitário Dino Cantelli, 26 anos, o cineasta Gustavo Chagas, 28 anos, e o designer Eduardo Franco, 22 anos, além do fundador, Antônio Tabet.
Entre as pensatas futurísticas do grupo estão “CSI Salvador dá sinais de cansaço na segunda temporada” ou “Presidente Romário decreta feriado nacional no Dia do Futevôlei”.
Não é só a mídia tradicional que cai nas notícias falsas. No ano passado, pouco depois de ser fundado, O Bairrista, site humorístico que ironiza o egocentrismo gaúcho, divulgou que o ex-governador do estado Germano Rigotto tinha sido vítima de uma “overdose de Botox”. Em instantes, um site de uma clínica de cirurgia plástica dos Estados Unidos republicou a notícia como alerta aos internautas.
— Quando eles me procuraram para saber mais sobre a história, fui levando a piada adiante. Achei um absurdo os médicos acreditarem — opina o formando em Ciências Contábeis Júnior Maicá, 27 anos, que vive da publicidade arrecadada com o site, que tem em média cem mil acessos por mês e deve virar programa de TV, como O Sensacionalista, em breve.
Um dos pioneiros na empreitada de criar notícias falsas, o Piauí Herald, da revista “Piauí”, também foi acreditado por autoridades alheias ao “fazer jornalístico”.
Em 2010, o tenente-brigadeiro Carlos Alberto Pires Rolla, comandante da Escola Superior de Guerra, endereçou uma educada carta ao suposto editor da pilhéria, Olegário Ribamar (que, ao que consta, jamais existiu), solicitando uma errata à notícia publicada dias antes, que continha uma declaração sua: “Nação angustiada espera nova gafe de Jobim” (numa época em que não eram raras as gafes do ex-ministro da Justiça). Apesar das fotomontagens e todos os indícios de que se tratava de humor, a errata foi publicada.
— Há as pessoas que acreditam, e as que se importam. Essas me preocupam mais — diz o documentarista João Moreira Salles, fundador da “Piauí” e do Piauí Herald, lembrando que este tipo de humor traz uma reflexão útil sobre apropriação e pilhagem.
A ideia de fundar uma tribuna que fizesse ironia das notícias reais surgiu quando, num certo dia de 2007, João viu um anúncio publicitário (real) em que o ex-secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética Mikhail Gorbachev vendia bolsas Louis Vuitton. Duvidando que algo pudesse ser mais surpreendente do que a realidade, criou a página, hoje atualizada diariamente pelo jornalista Renato Terra.
Desde então, o jornal fictício não poupou nem Chico Buarque: a manchete “Bilhete de Chico Buarque à diarista é considerado magistral” recebeu 61 mil acessos.
Pesquisador de novas tecnologias e professor PhD da UFRJ, Henrique Antoun explica que, nas redes sociais, as pessoas se comportam exatamente como numa conversa de esquina:
— A internet não funciona com a dimensão da TV ou do jornal. Ela reforça a relação de grupos nos quais as pessoas já estão inseridas, por isso compartilham piadas e brincadeiras sem se preocupar, principalmente a garotada.
Presidente do Índice Verificador de Circulação (IVC), Pedro Martins Silva acredita na inclusão digital como catalisadora deste fenômeno. De acordo com pesquisa divulgada este mês pelo instituto, “Estudo sobre audiência de websites”, que mediu os acessos a portais de conteúdo (reais) em 2011, houve um aumento de 29% da audiência ao longo do ano.
— As pessoas têm buscado cada vez mais informação confiável na internet. Este aumento se deve à inclusão digital, principalmente com os smartphones, e à expansão da banda larga — avalia Pedro, que duvida do futuro desta onda de notícias falsas. — Há cinco anos, a moda eram os blogs. Eu prefiro ver para crer.
Analista de sistemas e pesquisador de internet, Gilmar Lopes, criador do site e-farsas, especializado em desvendar golpes e mentiras da rede desde 2002, dá algumas dicas para as pessoas não caírem em ciladas virtuais:
— Geralmente uma notícia falsa cita nomes de empresas ou autoridades para dar veracidade; não é datada, sempre aconteceu na semana passada; e não tem assinatura. Além disso, os cargos citados são imponentes e se apela para os grandes assuntos: saúde, religião ou política.
Especializado em propriedade intelectual, o advogado José Eduardo Pieri, da BM&A Advogados alerta: diferentemente da legislação americana, que permite sátira a marcas existentes (o que inclui nome e logotipo), a Lei de Propriedade Industrial brasileira não faz a mesma concessão.
— Se a sátira se apropria da logomarca original, ou mesmo da combinação de cores, pode ser caracterizada a infração — explica Pieri. — Se o site induz o consumidor ao erro, se aproveitando da credibilidade do veículo satirizado, é um caso de concorrência desleal. Pode ser considerado crime, passível de indenização.
Para não correr risco, o autor do Diário de Barrelas, criado em 2009, inventou tudo: da logomarca à cidade onde se passam as notícias. O tom, em geral, é mais ingênuo. Em Barrelas, Aécio Neves já virou perfume, e a Igreja Católica recebe confissões por telefone.
— Mesmo não sendo mais atualizado com tanta frequência, seguimos com uma média de 30 mil acessos por mês, o que é bastante. A sacada é não pegar pesado com ninguém e não datar as piadas — comenta o publicitário Daniel Cabral, com uma arminha de brinquedo que leva na mochila, para o caso de uma guerra civil em Barrelas.
quinta-feira, 19 de abril de 2012
Entrevista Jeffrey Sachs - Rio +20
‘Taxar os ricos é crucial para modelo de desenvolvimento sustentável’, afirma economista
Jeffrey Sachs acha que Rio+20 será ‘histórica’ se nações adotarem Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
Flávia Barbosa
RIO — Aos 58 anos, o economista Jeffrey Sachs é uma referência internacional quando o assunto é desenvolvimento. Há mais de 20 anos dedicado à construção de políticas de combate à pobreza, ele dirigiu por quatro anos o projeto das Nações Unidas “Objetivos do Milênio”. Na última década, Sachs mergulhou no tema dos efeitos das mudanças climáticas sobre o desenvolvimento. Diretor do Earth Institute da Universidade Columbia, em Nova York, e conselheiro especial do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, o economista advoga que o nível e o padrão atuais de consumo são incompatíveis com o bem-estar no longo prazo e que são necessárias mudanças imediatas.
Sugere taxar ricos e grandes corporações e eliminar subsídios ao petróleo. Sachs vê na Rio+20 a oportunidade única de os líderes globais darem o primeiro passo, com a adoção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, em quatro vertentes: erradicação da pobreza extrema, sustentabilidade ambiental (nas áreas de energia, produção agrícola e urbanização), sociedades inclusivas e boa governança.
— Se isso for acordado, a Rio+20 será histórica. Se não tivermos nem os objetivos, continuaremos no caminho ruim — diz Sachs em entrevista ao GLOBO.
O GLOBO: O senhor defende que estamos à beira do colapso do nosso ecossistema. Por que isto ocorre e quais consequências já enfrentamos?
JEFFREY SACHS: A ideia-chave que todos devem entender é que entramos no Antropoceno. A atividade humana no planeta exige tanto do ambiente natural que alterou dramaticamente os principais sistemas da Terra. Fizemos isso inadvertidamente, como subproduto do crescimento da economia e da população. Temos sete bilhões de pessoas, e outro bilhão chegando até 2024, produzindo, em média, US$ 10 mil, uma atividade econômica global de US$ 70 trilhões. Isso é tão grande que está desordenando o clima, acabando com a reserva de água, destruindo habitats, poluindo grandes cidades. O mundo está avançando na agenda do crescimento, o que é compreensível, mas sem prestar atenção à ameaça que isso representa. Por isso a Rio+20 é tão essencial.
Por que é tão difícil para os governos e a sociedade reconhecerem que vivemos uma crise e trabalharem em soluções? Falta liderança?
SACHS: Todo mundo vê sua situação econômica, olha para o grupo que está logo acima e pensa: por que não posso ser assim? Isso leva a uma cadeia de desejo e pressão global, e é o impulso mais profundo à política em todos os lugares, que é aumentar as condições materiais. E, incrivelmente, até as pessoas mais ricas estão desesperadas para ficarem mais ricas. Isso parece estar estruturalmente encrustado em nossa mentalidade e na dos políticos. Não conheço um sistema político que não coloque a expansão do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e riquezas produzidas em um país) no centro dos objetivos da nação.
Temos o Butão.
SACHS: É extraordinário que um país tenha parado e dito: vamos pensar no real objetivo do nosso desenvolvimento; não é dinheiro, é o bem-estar do ser humano, vamos pensar em como maximizar a Felicidade Nacional Bruta. Mas o Butão está sozinho, os únicos outros países que caminham nesta direção de alguma forma são as socialdemocracias escandinavas. Para todo o resto, o objetivo central recai sobre crescimento econômico.
E há interesses corporativos.
SACHS: Muitas das maiores empresas fazem extração de recursos naturais. As petrolíferas são as companhias mais poderosas do mundo e gastaram muito dinheiro e esforço para minimizar as ameças das mudanças climáticas. Os políticos ficam divididos entre as pressões da população, que quer mais regulação, e das corporações, que pressionam por menos. Então temos um sério déficit global de consciência e política nesses assuntos (de sustentabilidade).
Como mudar os valores da sociedade?
SACHS: Estou tentando começar com o topo da cadeia, os mais ricos. Porque se você começa pelos pobres, dizendo “ah, não queira tanto”, é injusto e indesculpável. Mas se milionários e bilionários agem de forma usurpadora (de recursos), não há desculpa. Estudos mostram que diretores-executivos de grandes companhias costumam não ter os valores sociais que se esperaria deles, como responsabilidade e honestidade. Há muito narcisismo e ganância, e isso polui os valores da sociedade como um todo. Por isso eu apoiei o movimento Ocupe Wall Street, porque ele aponta para a questão certa. Terá um grande efeito se os ricos começarem a dizer: “temos corresponsabilidade com o resto da sociedade, temos que liderar a promoção de métodos sustentáveis de consumo e produção.”
O que é preciso para interrompermos o curso atual e entrarmos em uma era de desenvolvimento sustentável?
SACHS: Energia é o sangue de uma economia, sem o qual ela não funciona. Mas se a energia está sendo obtida do petróleo, do carvão e do gás natural, estamos arruinando o planeta. Então precisamos de uma transição global para um sistema energético de baixo carbono. Isso levará entre 40 a 50 anos provavelmente, mas é algo que requer ação imediata. A segunda tarefa é o fornecimento sustentável de comida. A produção atual de comida não é sustentável nem suficiente para alimentar mais um bilhão de pessoas. Se pudermos solucionar esses dois problemas, solucionaremos grande parte do desafio da sustentabilidade. Um terceiro desafio é ter sistemas urbanos sustentáveis. O Brasil tem grandes cidades, como São Paulo e Rio, e a China tem mais de cem cidades com um milhão ou mais de pessoas. Essas megacidades são os centros da nossa produtividade, do nosso conhecimento. Mas muitas são profundamente poluídas, com grandes favelas e condições precárias de vida. Felizmente, quando se analisa o que pode ser feito — energia solar e eólica, uso de sementes mais eficazes por agricultores pobres —, há muitas soluções. Não nos falta tecnologia. Uma vez que os valores e a objetividade política existam, podemos usar ciência e boa administração para alcançar resultados.
Apesar de existir a tecnologia, não nos falta dinheiro para implementar planos como esse, sobretudo após a crise?
SACHS: Eu começaria com a taxação dos ricos e das grandes corporações — lembre-se que grande parte dos ganhos de renda nos últimos 25 anos foi apropriada pelos muito ricos. Nos EUA, o 1% no topo leva para casa hoje o equivalente a 23% da renda domiciliar do país. Eles estão vivendo em mansões e têm frequentemente duas, três, quatro casas. Muitos vivem num padrão ostensivo de consumo. Também há muitos subsídios à indústria petrolífera, em comparação ao que há para energia renovável, se é que há algum neste caso. Não é uma surpresa, porque a nova economia não tem poder político.
O senhor é otimista com a possibilidade de fazermos a transição para esse novo modelo de desenvolvimento?
SACHS: A indústria petrolífera é o mais poderoso lobby nos EUA e no mundo. Trata-se de uma dura batalha, e não estamos ganhando. Não acho que haja alguém muito otimista, pois as coisas não vão bem. O clima já está mudando e já perdemos muitas oportunidades. Temos algumas iniciativas, mas frágeis. A Rio 92 foi um grande sucesso do ponto de vista da legislação internacional, com três tratados sensacionais em mudança climática, biodiversidade e desertificação, mas nenhum dos acordos foi posto em prática.
Por que é tão difícil colocar os acordos em prática?
SACHS: A legislação internacional é um instrumento muito fraco, mas é o único que temos. Não temos um regime de sanções. Tratados são obrigações que os Estados Unidos, por exemplo, simplesmente ignoram quase completamente. Desde a Rio 92, que aconteceu há duas décadas, (os tratados) estiveram nas mãos de advogados, que argumentam sobre o significado de cada palavra. Não estiveram nas mãos de engenheiros, que realmente fazem algo sobre essas questões. Uma das maneiras pelas quais eu espero acabar com este gargalo é tirar esse assunto, na próxima fase (de mudança de padrões), das mãos dos advogados e tentar colocá-lo nas mãos de uma rede global de cientistas e institutos que proponham soluções práticas para o que Brasil e EUA devem fazer. Se a opinião pública se animar com essa abordagem prática, talvez possamos fazer os políticos assumirem responsabilidade. Esta é uma área na qual vou trabalhar nos próximos três anos quase em tempo integral.
O senhor acredita que podem sair acordos concretos da Rio+20?
SACHS: Eu espero que os líderes firmem acordo em um grande tema: o mundo precisa de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs). Eles seriam implementados a partir do fim dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs, em 2015). Se isso for acordado, a Rio+20 será histórica. Se não tivermos nem os objetivos, continuaremos no caminho ruim.
Quais seriam os principais ODSs?
SACHS: Provavelmente, os líderes mundiais vão, na Rio+20, celebrar acordo sobre a necessidade dos objetivos. Depois disso teremos um ano de discussões para estabelecer quais são os objetivos, e a adoção das metas seria ratificada no âmbito das Nações Unidas em 2013. Na minha opinião, os ODSs deveriam ter quatro pilares. O primeiro seria concluir a erradicação da pobreza extrema. Diríamos que os ODMs foram tão bem-sucedidos que devemos ir até o final, para garantir que todos no mundo tenham uma vida decente. O segundo seria um conjunto de metas para sustentabilidade ambiental: um sistema energético de baixo carbono, fornecimento sustentável de comida e urbanização sustentável. O terceiro pilar seria sociedades inclusivas, mais igualitárias, sem deixar mulheres, pobres, minorias e regiões para trás. O quarto seria boa governança. Governos de todos os níveis, das comunidades locais à comunidade global, na ONU, devem se comprometer com o alcance do desenvolvimento sustentável. Muitas pessoas sentem que é um pouco ingênuo apenas declarar esses objetivos. Mas a minha experiência diz que declará-los já faz diferença. Vejo os ODSs como complementares aos tratados. Os objetivos são para a sociedade, não para os advogados. Isso é importante porque a sociedade pode se mobilizar e dizer “não gostamos muito dos nossos políticos, não somos advogados, não sabemos o que esta ou aquela palavra significa, mas nos importamos com as vidas de todos e queremos que esses objetivos se concretizem”. E esta é uma força muito mais poderosa do que fazer valer tratados. Por isso precisamos engajar a sociedade civil global nos ODSs.
O senhor crê que a Rio+20 é uma boa oportunidade para esta mobilização?
SACHS: Acredito, pois é a única oportunidade que teremos de sermos bem-sucedidos!
E o Brasil, com sua nova classe média consumindo cada vez mais e suas vastas fontes de recursos naturais, qual contribuição pode dar para mudarmos o padrão atual de desenvolvimento?
SACHS: O Brasil tem essa imensa realidade, que é ser uma crescente potência da economia mundial, ter larga participação em assuntos como comida, minerais e energia e liderança em tecnologias de ponta, como a fabricação de aeronaves. O Brasil é, inevitavelmente, um ator importante. E tem uma característica única de ter tudo isso acontecendo em um lugar único em nosso planeta, de incrível biodiversidade, belezas naturais e vulnerabilidades. De uma certa forma, o Brasil é a epítome do desafio do desenvolvimento sustentável. Isso é inescapável para o país, que cada vez mais entende que, se o mundo não fizer sua parte, nem o trabalho interno poderá salvar o Brasil. Por ser esse país tão grande, importante e único, o Brasil tem a responsabilidade da liderança (global). Ao ser anfitrião das duas conferências ambientais mais importantes em duas gerações, a oportunidade está dada e é agora.
terça-feira, 17 de abril de 2012
Sony: como uma gigante cai
‘Talvez a Sony mude. Vai ser bem difícil’
Na última quinta-feira, o novo presidente da Sony, Kazuo Hirai, abriu o sorriso perante um grupo de jornalistas em Tóquio para anunciar o slogan que, promete, marcará sua gestão. “A Sony vai mudar.” Aproveitou para dizer também que, até o fim do ano, dez mil funcionários perderão seus empregos. Representam 6% da equipe. E que o prejuízo em 2011 foi de US$ 6,4 bilhões. Há 20 anos, seria impossível escrever uma coluna sobre alta tecnologia sem mencionar empresas japonesas a toda hora. Hoje, entre o Vale do Silício, a China e a Coreia do Sul, o Japão é só nota de pé de página.
Se há um produto que melhor simboliza a marca Sony, são suas TVs. Os aparelhos ainda têm o melhor tom de preto do mercado. Veja um filme na sala escura e o negro da noite numa cena se dissipa no negro da sala. Em qualquer outro aparelho, o preto traz um tom sujo, de cinza escuro com algum brilho emitido. Mas é só ir ao site oficial da Sony que o consumidor, coitado, logo se perde. Qual TV comprar? Um modelo da série BX325, talvez? Ou BX425. Ou CX525. Ou EX525. São nove modelos diferentes, cada qual com toda a gama de tamanhos de telas. Não é só o comprador que se confunde. Nas lojas, vendedores têm dificuldades de explicar as diferenças entre uma e outra. Mesmo quem tem o bolso forrado e quiser comprar um modelo com a melhor tecnologia que a Sony pode oferecer não encontra. Nenhum modelo tem todos os recursos oferecidos.
(Por questão de justiça: as TVs Sony ganham na qualidade de cor mas o movimento é mais fluido nas da Samsung. Para filmes de ação, há quem prefira. No tempo do tubo de imagem, a Sony tinha uma qualidade muito superior à da concorrência. As diferenças, hoje, são mais sutis.)
A Apple tem dois modelos de iPhone, o 4 e o 4S. Eles vêm em duas cores. Tem dois modelos de iPad: o 2 e o novo, HD. O consumidor só decide quanto espaço de memória quer. Google e Facebook têm a mesma obsessão por simplicidade em seus sites. Esta é uma diferença entre o Vale do Silício e a Sony.
O outro símbolo há muito perdido da Sony é o Walkman. Quem viveu, lembra. Aquele toca-fitas portátil com fones de ouvido foi, há um tempo, o símbolo máximo do sujeito afinado com seu tempo. Mais moderno ou jovem, impossível. Não faz tanto tempo assim. Até a virada do século, som portátil e Sony ainda eram sinônimos. Não passou do simpático Discman, para CDs. (Não era lá muito confiável numa corrida, o balanço fazia o disco saltar.) Ela nunca alcançou o MP3.
É simples entender o motivo. A Sony não é apenas uma empresa de tecnologia. É também um estúdio de cinema e uma gravadora, ambas de grande porte. A empresa sofreu no tempo do videocassete. Preocupada com a pirataria, antes de descobrir o negócio da venda de filmes, Hollywood tornou difícil a vida de quem queria vender reprodutores de vídeo. Foi neste momento dos anos 1980 que a Sony decidiu, estrategicamente, entrar no ramo da produção de conteúdo.
Um negócio não é, aparentemente, compatível com o outro. O método de gerência que move o Vale é o da destruição criativa. Vez por outra, é preciso apagar o passado para escrever o próximo capítulo. Numa grande corporação hierarquizada à moda japonesa, não funciona. Quando foi produzir um player digital para entrar na briga do iPod, a primeira preocupação da Sony foi a de preservar os direitos autorais de sua gravadora. É uma preocupação de todo legítima. Os consumidores, porém, queriam algo que fosse prático. Do modelo Apple, saiu um estupendo negócio de venda de música legal. Mas foi preciso, antes, desmontar tudo. A Sony não desmontou nada. Começará agora?
A Sony teve uma última dificuldade. Complicou sua linha de produtos, permitiu que o modelo de negócios de uma subsidiária bloqueasse o desenvolvimento de outra e fez mal a transição para o digital. Há um truque, aí: no mundo analógico, o hardware é tudo. No digital, um bom software salva o mau hardware mas o contrário não é verdade. É o caso da Nokia. Seus celulares são máquinas excepcionais. Compare com um Android e fica óbvio como são difíceis de usar. A parceria com a Microsoft veio a calhar para a Nokia. Comparados com os equipamentos digitais de hoje, as máquinas Sony são difíceis de usar e se integram mal umas com as outras.
Talvez a Sony mude. Vai ser bem difícil.
Em estreia na TV russa, Assange entrevista líder do Hezbollah
WikiLeaks
Programa exibido pela emissora estatal não mostra revolucionário destemido, mas um idiota útil, conforme destaca 'The Guardian'
Julian Assange, fundador do WikiLeaks (Carl de Souza/AFP)
A emissora estatal russa de TV Russia Today estreiou nesta terça-feira The World Tomorrow (O mundo amanhã, em tradução literal), programa de entrevistas encabeçado por Julian Assange, fundador do Wikileaks, responsável pelo vazamento de milhares de documentos secretos de empresas e governos. A escolha do primeiro convidado do programa – Hassan Nasrallah, líder do grupo terrorista Hezbollah, em atividade no Líbano – deixou claro que Assange está disposto a abraçar qualquer companhia para dar vazão a seu antiamericanismo.
O programa foi gravado na Grã-Bretanha, onde Assange é mantido em prisão domiciliar à espera de uma decisão sobre sua extradição à Suécia, país que o requer para interrogá-lo por quatro supostos crimes sexuais. Ele disse que esperava ser tratado como um "combatente inimigo, traidor, que dorme na cama do Kremlin e conduz entrevistas com terríveis (militantes) radicais", segundo o site da Russia Today. É mais ou menos a esse papel que ele se prestou mesmo.
Em sua estreia, o fundador se limitou a criticar os Estados Unidos e optou por se calar quanto aos problemas enfrentandos pela própria Rússia. Em nenhum momento o fundador do Wikileaks deflagrou comentários sobre os altos índices de corrupção do país ou sobre a fortuna secreta de Vladimir Putin, citada em documentos da organização em 2010.
Para Luke Harding, colunista do jornal britânico The Guardian, a relação de Assange com a estatal Russia Today e a escolha do terrorista Nasrallah para a estreia do programa deve ser vista com desconfiança. O representante do Hezbollah foi oportunista ao aproveitar a chance e a repercussão da transmissão para reafirmar o seu apoio ao regime sírio, que reprime há mais de um ano um movimento de contestaçao. Não por coincidência, a Rússia defende a mesma posição.
"A estreia do fundador do Wikileaks na TV russa não concede a Assange o título de revolucionário destemido. Apenas comprova o contrário: ele não passa de um idiota útil", afirma Harding na coluna.
"Se o objetivo é competir com a BBC, Al-Jazeera e CNN, eles certamente não estão na direção certa. O uso do escândalo não é adequado para as ambições de atingir um público amplo internacional", diz Maria Lipman, do centro Carnegie em Moscou, sobre a decisão da Russia Today em chancelar o programa de Assange.
(Com agência France-Presse)
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