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quarta-feira, 31 de outubro de 2012
terça-feira, 30 de outubro de 2012
Hollande se reúne com Schmidt e propõe acordo com jornais
Presidente francês e presidente da Google participam de reunião sobre mídia no buscador
PARIS, França — O presidente francês, François Hollande, está pressionando por uma nova lei cujo objetivo é criar um novo imposto que irá obrigar os motores de busca como o Google.com a pagar por indexar o conteúdo da mídia francesa. Hollande e Eric Schmidt, presidente-executivo da Google, discutiram sobre o tema durante uma reunião em Paris, nesta segunda-feira. Em tom amistoso, os dois posaram para fotos.
O presidente francês disse que iria fazer esforços pela mudança ou para que a Google chegue a um acordo com a mídia francesa. Hollande defende que a rápida expansão da economia digital obriga uma atualização de leis sobre impostos para recompensar o trabalho da mídia.
“O presidente (...) disse que espera que a negociação entre a Google e agências de notícias possa começar em breve e ser concluída antes do fim de ano", disse o escritório de Hollande, em um comunicado após o encontro com o presidente-executivo da Google, Eric Schmidt.
Se não houver acordo, a França seguirá em frente com uma lei semelhante à que é elaborada na Alemanha. Além do governo alemão, representantes de veículos de mídia na Itália disseram que são a favor.
Em uma primeira resposta, a Google ameaçou barrar sites franceses de seus resultados de busca, se a nova taxa for cobrada no início de 2013.
Em 2011, a Associação Nacional de Jornais (ANJ), do Brasil, sugeriu que os veículos que fazem parte do grupo abandonem o agregador de notícias Google News. A associação disse que os jornais não devem mais autorizar a utilização de seus conteúdos sem um retorno financeiro e alegou que a exibição de várias linhas da notícia pela Google faz com que os leitores leiam apenas o início e não busquem os links originais — soluções propostas por ambos os lados não seguiram adiante, disseram
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/tecnologia/hollande-se-reune-com-schmidt-propoe-acordo-com-jornais-6579884#ixzz2Als3TbUU
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Pearson confirma fusão entre Penguin e Random House
Operação dará origem ao maior grupo editorial de produtos ao consumidor do mundo, deixando para trás a News Corp
NOVA YORK e RIO – O grupo britânico Pearson e o conglomerado alemão Bertelsmann fecharam acordo para unir suas editoras, respectivamente Penguin e Random House. A fusão cria o maior grupo editoral do mundo, com vendas anuais estimadas em 2,4 bilhões de libras (cerca de US$ 3,8 bilhões), superando a francesa Hachette, e entre 25% e 30% do mercado de livros. O acordo foi anunciado nesta segunda-feira de manhã — um dia depois de o jornal “Sunday Times” noticiar que a News Corp., de Rupert Murdoch, faria uma proposta de 1 bilhão de libras (US$ 1,6 bilhão) para levar a Penguin. A joint venture vai se chamar Penguin Random House, sendo que a Bertelsmann ficará com 53%, e a Pearson, com o restante. Sua sede ficará em Nova York. Para alguns analistas, esse anúncio é um sinal de uma nova onda de fusões e consolidações no mercado editorial. Não foi divulgado o valor do negócio.
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O diretor financeiro da Pearson, Robin Freestone, disse à BBC que as empresas têm confiança de que o acordo será aprovado pelas autoridades reguladoras. A fusão vai unir as operações das duas editoras nos Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Índia e África do Sul, bem como as operações da Penguin na China e as unidades da Random na Espanha e na América Latina. Thomas Rabe, diretor-executivo da Bertelsmann, afirmou em nota que uma das vantagens da fusão será o aumento da presença editorial nos mercados de Brasil, Índia e China. No Brasil, a Penguin tem 45% da Companhia das Letras.
Apesar de os grupos afirmarem que a fusão proporcionará sinergias em custos operacionais e que os selos de cada editora continuarão autônomos, há receio no mercado de um enxugamento editorial, o que reduziria a oferta de títulos e a concorrência. A editora de livros do “Guardian”, Claire Armistead, afirmou no site do jornal que os autores vivos temem uma redução em adiantamentos e royalties.
Para o jornalista e editor brasileiro Felipe Lindoso, consultor de políticas públicas para a leitura, a fusão faz parte de um processo global de consolidação de empresas de mídia, que foi muito forte no fim do anos 1990 e início dos 2000 — a própria Bertelsmann comprou a Random House em 1998 — e é retomado, em grande parte, por causa do crescente mercado de livros digitais.
— Agora está havendo um processo de modificação muito grande no mercado editorial internacional. Não à toa Thomas Rabe, da Bertelsmann, disse que isso vai acelerar a transformação digital do mercado — afirma Lindoso, que compartilha o receio em relação à possibilidade de fusão de selos. — Acredito que diminua a possibilidade de haver mais jogadores fazendo oferta pelos grandes autores. Se bem que o panorama está mudando muito rapidamente com o digital. Agora ninguém mais está pagando milhões por um livro, é tudo mais modesto.
Para Lindoso, mesmo que a efetivação da fusão demore a ocorrer na prática, o negócio está consolidado, porque a única possibilidade de o acordo ser suspenso é a não aprovação das agências reguladoras. O diretor-executivo da Penguin, John Makinson, disse ao jornal britânico “Guardian” que não há cláusula de rompimento do acordo, descartando a hipótese de aceitar uma contraproposta da News Corp. As empresas preveem concluir a fusão no segundo semestre de 2013.
Lindoso ressalta ainda que, apesar da grandiosidade do negócio, há setores das duas editoras que não participam da fusão.
— A Random House alemã, a maior editora da Alemanha, ficou fora do negócio. A fusão é nos mercados em inglês e no resto do mundo. Argumenta-se que foi uma decisão estratégica da Bertelsmann, que é um gigante, tem música, edição, uma infinidade de negócios na área de conteúdo, e obviamente seu mercado natural é a Alemanha. As outras operações da Pearson, sem ser a Penguin, também não entram no negócio — afirma Lindoso.
A Pearson controla o diário de negócios britânico “Financial Times” e tem 50% da revista “The Economist”. O grupo também tem forte presença no mercado de educação, e em 2010 comprou o Sistema Educacional Brasileiro (SEB), que tem escolas e trabalha com distribuição de material didático.
Brasil como ponto estratégico
Para Sônia Jardim, presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), a formação do novo grupo editorial pode ser vista como resposta à crise mundial. Pelo mesmo motivo, o Brasil pode ocupar um lugar mais importante na estratégia dos grandes grupos editorais.
— Imagino que poderemos ver outras uniões nos países que estão sofrendo com a crise, principalmente na Europa. O (megainvestidor) Warren Buffett já dizia que é na crise que se fazem grandes negócios — disse a presidente do Snel. — A situação no Brasil é bem melhor do que lá fora, ouvimos muito isso na Feira de Frankfurt (maior evento literário do mundo, ocorrido no início do mês). Creio que os grupos estrangeiros podem colocar o Brasil como ponto estratégico nos seus planos de crescimento. Já observamos leilões de aquisição de direitos de publicação de autores e obras bem movimentados aqui, com valores altos, mais próximos de patamares internacionais.
Para o colunista do jornal “The Indian Express” Pratik Kanjilal, a própria News Corp. deve buscar outra editora para comprar depois de ver frustrada sua ambição pela Penguin. E, apesar de a Penguin Random House já nascer como a maior editora do mundo, ela não é páreo para a Amazon, cujas vendas anuais giram em torno de US$ 48 bilhões.
Fazer frente a uma megavarejista como a Amazon foi uma das razões para a fusão. Rabe disse à BBC que “o perigo quando se é pequeno é que os revendedores pedem mais e mais descontos”. A Penguin vende em torno de 100 milhões de livros (físicos) por ano. Já as vendas da Random House, que incluem os livros digitais, chegam a 400 milhões de unidades por ano. A Penguin publica George Orwell, Raymond Chandler e Stephen King, entre outros; a Random House tem entre seus autores Richard Dawkins, Ken Follett e Orhan Pamuk.
Também se estima que a oferta da News Corp, tenha precipitado o anúncio da fusão. Duas fontes da Pearson disseram ao “Financial Times” que a venda da Penguin geraria passivos fiscais significativos, o que a tornaria menos atraente, do ponto de vista financeiro, que a fusão com a Random House.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/tecnologia/pearson-confirma-fusao-entre-penguin-random-house-6572224#ixzz2AlqsG794
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segunda-feira, 29 de outubro de 2012
Grupo Estado anuncia que 'Jornal da Tarde' deixará de circular
Último dia de circulação do jornal será 31 de outubro, próxima quarta-feira.
Jornal do Carro, caderno de automóveis, será incorporado ao Estadão
O Grupo Estado anunciou nesta segunda-feira (29) que o "Jornal da Tarde" vai deixar de circular. A última edição sairá na próxima quarta-feira (31). Segundo reportagem no site do grupo, foi uma "decisão empresarial tomada para o aprimoramento do foco estratégico do Grupo Estado".
O "JT" publicou mais de 15 mil edições em 46 anos. A equipe da publicação tem 52 jornalistas, segundo o Grupo Estado, e vai "manter o maior número de profissionais possível". "Como estamos em negociação com o sindicato, teremos um posicionamento oficial somente após as definições", diz a empresa.
O Jornal do Carro, suplemento de automóveis do "Jornal da Tarde", será incorporado ao Estadão já a partir de dia 7 de novembro e será também a nova marca dos classificados de autos do Estadão. O caderno com o mesmo formato encartado no JT, com classificados e reportagens, vai circular às quartas. Às quintas, sábados e domingos circularão os classificados, que também levarão o nome de Jornal do Carro.
O grupo diz que pretende investir na marca Estadão "com uma estratégia multiplataforma integrada (papel, digital, áudio e vídeo e mobile)". Perguntado o que será feito com a marca "JT", se será vendida, a empresa diz que "as marcas do JT e de seus suplementos são de propriedade do Grupo Estado".
Sindicato
Segundo o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo (SJSP), não deve haver demissão dos cerca de 50 profissionais do “Jornal da Tarde” pelos próximos 30 dias. “Tivemos uma audiência nesta segunda com a diretoria do Grupo Estado e conseguimos decisão do Tribunal Regional do Trabalho para que todos os jornalistas continuem com estabilidade no jornal por 30 dias enquanto ocorre negociação entre sindicato e empresa para realocações dos jornalistas”, diz o presidente do sindicato, José Augusto Camargo.
Segundo o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo (SJSP), não deve haver demissão dos cerca de 50 profissionais do “Jornal da Tarde” pelos próximos 30 dias. “Tivemos uma audiência nesta segunda com a diretoria do Grupo Estado e conseguimos decisão do Tribunal Regional do Trabalho para que todos os jornalistas continuem com estabilidade no jornal por 30 dias enquanto ocorre negociação entre sindicato e empresa para realocações dos jornalistas”, diz o presidente do sindicato, José Augusto Camargo.
A expectativa da entidade é que nenhum jornalista seja demitido e, caso dispensas venham a ocorrer, diz que irá avisar à Justiça. Em nova audiência no dia 4 de dezembro será apresentado um plano de realocação dos jornalistas. O sindicato diz que não soube de demissões no "JT" nos últimos dias e semanas.
“Estranhamos muito o Estadão fechar um jornal com a tradição e a história do 'JT'. A posição do sindicato é de defesa desses profissionais para que sejam reaproveitados em todo o grupo – que tem rádio, agência, internet”, diz Camargo.
domingo, 28 de outubro de 2012
"Na terra como na mídia estamos lidando com os mesmos problemas: a questão da propriedade"
Silvio Mieli | |
28.10.2012 | |
[Título original: Reforma agrária no ar] Para Silvio Mieli, jornalista e professor da faculdade de Comunicação e Filosofia da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), a concentração de poder nos meios de comunicação é um espelho da concentração fundiária. “Os primeiros grilaram terras públicas ou compraram terras de grileiros. Os últimos se apossaram do espectro eletromagnético por favorecimentos políticos e pelo poder econômico, ou ambos os casos.” A opinião do jornalista soma-se às recentes manifestações pela democratização na comunicação no Brasil, como a que ocorreu no dia 15 de outubro, em frente ao hotel Renassaince, onde estava ocorrendo um encontro da SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa). Na ocasião, representantes do Coletivo Intervozes e do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), entre outras organizações, levantaram cartazes denunciando abusos praticados por emissoras de rádio e televisão, jornais e revistas. Aliás, uma das conclusões do recente estudo do pesquisador Tiago Cubas, do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária (Nera/Unesp), “São Paulo Agrário: representações da disputa territorial entre camponeses e ruralistas de 1988 a 2009”, vai justamente nessa direção. A de que a mídia corporativa totaliza a visão das relações capitalistas no campo; daí estereotipa e não aceita sujeitos e modos de produção alternativos. Na entrevista a seguir, Silvio Mieli analisa a atual conjuntura de luta pela democratização da comunicação no Brasil. Brasil de Fato - Há tempos existe a violência física cometida pelo poder público ou privado sobre os sem-terras, por meio de policiais e seguranças. A cobertura mídia tradicional aborda tais ocorrências de forma tendenciosa. Por que a violência contra o pobre é tão naturalizada e até ignorada pela mídia corporativa até hoje? Silvio Mieli - Em primeiro lugar é preciso lembrar que a mídia é ultraconservadora. O conservador acha natural que 1 bilhão de pessoas passem fome no mundo. Também passa a ser natural — e típico dos conservadores — que se use de violência contra aqueles que querem sair dessa situação. Como diz o filósofo Giorgio Agamben, a mídia gosta de pessoas indignadas, porém passivas. Os grandes jornais não terão nenhum prurido em mostrar crianças famintas num lixão qualquer da vida, mas reprovarão veementemente qualquer ação direta para corrigir essa injustiça. Ora, o mesmo modelo de concentração fundiária se espelhou para os meios de comunicação no Brasil. Os primeiros grilaram terras públicas ou compraram terras de grileiros. Os últimos se apossaram do espectro eletromagnético por favorecimentos políticos e pelo poder econômico, ou ambos os casos. É por essas e outras que o sistema é capaz de tudo quando se trata de discutir a propriedade da terra ou de um meio de comunicação. Não por acaso o slogan da democratização dos meios de comunicação nos anos 1980 era: Reforma Agrária no Ar. Na terra como na mídia estamos lidando com os mesmos problemas: a questão da propriedade, o seu uso social e quais modelos de desenvolvimento devem ser colocados em prática. Em termos práticos, que tipo de relação existe entre os jornais locais (e os nacionais) e o agronegócio para tratar os camponeses pobres sempre de forma criminosa? Todas as famílias que monopolizam os meios de comunicação no Brasil são (direta ou indiretamente) grandes proprietários de terra. A família Saad (grupo Bandeirantes), que recentemente também entrou no ramo da mídia impressa, é de grandes pecuaristas, Octávio Frias (pai) era um dos maiores granjeiros do país.Portanto, além do servilismo ao poder, existem interesses diretos no setor. Muitos políticos, mesmo os que se acham muito poderosos, viraram office-boys das grandes corporações. Quanto aos grandes veículos de comunicação, transformaram-se em promoters de eventos dessas grandes empresas. Após a chamada “redemocratização” (pós-ditadura), qual tem sido o peso das mídias (locais e nacionais) no processo de naturalização da violência aos pobres e sem-terras e no entrave à reforma agrária? Costumo dizer que a mídia não é o 4o. poder, mas o 5o elemento. Temos a água, terra, fogo, ar e… os meios de comunicação. Vivemos imersos neles. Daí a importância da qualidade do que se produz nesse meio. Mas no nosso caso brasileiro, será que podemos falar realmente de “redemocratizacão” se, dentre tantos problemas herdados da ditadura, o acesso aos meios é tão limitado ? Eis uma outra dimensão da vida nacional que vive num estado de exceção permanente. A ditadura configurou um modelo comunicacional que, mesmo findo o regime militar, continua de pé. É só pesquisar o papel da mídia corporativa nos últimos grandes embates relativos às questões ambientais e agrárias para verificar como se comportam (Raposa Serra do Sol, MP 458, Código Florestal, Belo Monte…). O que um governo progressista ou a própria sociedade maios esclarecida poderiam fazer para pressionar esses veículos por uma comunicação mais equilibrada? Vejamos o exemplo da pentecostalização da mídia no Brasil. Considero a invasão dos meios de comunicação por corporações que se autodenominam igrejas um dos maiores problemas contemporâneos na comunicação de massa no Brasil. Já convivíamos com uma série de outros problemas, agora temos mais essa. O que o Estado fez? Ampliou o espaço e o poder desses grupos, inclusive através de alianças político-partidárias. Entregou redes de televisão para grupos que não representam nenhuma força cultural local, agridem as tradições religiosas de matrizes africanas e fazem proselitismo do capitalismo como religião.É claro que é preciso lutar pelo controle social da mídia, mas acho que o caminho não é o de reformar o que está aí, nem de cortar as propagandas estatais. A mesma tática do MST deve ser usada na luta pela democratização da comunicação: a ocupação do espectro improdutivo (seja no âmbito social, cultural ou pedagógico, que inclusive tem respaldo constitucional). Não me refiro a ocupar os estúdios da Globo, mas, para além do espaço que o movimento social vem conquistando na internet, lutar por canais de comunicação para os movimentos. Por que não uma MSTV, uma TV do MST? Chegou a hora de os movimentos sociais falarem ao povo diretamente, sem intermediários e não só pela internet, mas também através das ondas eletromagnéticas, ou do que restou delas. |
sexta-feira, 26 de outubro de 2012
O fim do indie?
Uma análise sobre a cartilha - e as eventuais concessões - que bandas e artistas independentes seguem para atingir o sucesso
Por Bruno Natal
Até que o inimaginável aconteceu. Com as mudanças trazidas pelo compartilhamento digital, uma banda com todas as credenciais indie dos anos 2k, como o Vampire Weekend (se não ao som, no que diz respeito aos métodos de trabalho), chegou com seu segundo disco, “Contra”, ao topo da mais comercial das paradas, a Billboard. Estava então consolidada uma nova dinâmica comercial. Uma banda “de internet” podia furar a bolha e conquistar o grande mercado.
Na pressa de entrar na nova ciranda que se formou, cada vez mais autores lançam mais projetos, mais rápido, com mais pressa, sem deixar o necessário tempo de maturação acontecer. Em tempos de vida em beta e ao vivo, as bandas se formam na frente do público. O óbvio lado positivo dessa escalada indie veio acompanhado de aspectos negativos. Aberta a nova corrida do ouro, com a velocidade típica da rede, bandas e mais bandas começaram a se moldar, tentando seguir um (nem tão) imaginário livro de regras para se dar bem no cenário atual.
Máquinas de divulgação
Como escreveu Carles no blog Hipster Runoff, dos EUA, no recente artigo “Como o indie finalmente oficialmente morreu: a máquina indie quebrada”, o velho sistema foi substituído por um novo, igualmente sufocante, ainda que menos poderoso. Em vez da benção de gravadoras e rádios, para sobreviver nesse ecossistema artistas precisam passar por determinados sites e blogues — uma lista específica deles — e/ou participar de ações publicitárias.
Na busca desesperada por não ficar atrás dos concorrentes (seja lá o que isso queira dizer), esses veículos on-line perdem sua característica definidora — o papel de filtrar informações, preferencialmente com personalidade —, e comem de colher tudo o que é oferecido por bem estruturadas máquinas de divulgação disfarçadas de assessorias de imprensa. O resultado é uma série de sites repetindo o mesmo conteúdo, assemelhando-se à cobertura da grande imprensa no que tem de pior. E, assim, listas de melhores do ano saem praticamente idênticas, mundo afora, como se fossem um teste de múltipla escolha, com respostas certas e erradas, e não seleções independentes e pessoais do que se ouvir num catálogo cada vez mais vasto.
Para chegar ao mágico momento em que finalmente, muitas vezes até por mérito próprio, conseguem estar em todas as páginas “importantes”, muitas bandas passam a ser o que delas se espera, gerando sons genéricos de algo que está na moda ou parece certo para aquele momento. Tudo para depois descobrir que, passado o seu momento, sua banda nada mais foi do que alimento para o ciclo do dia, da semana — com sorte, do mês. A roda gira, dando lugar ao próximo a ser esmagado pelo mesmo processo.
Se isso gera muita frustração em bandas que esperam fazer daquilo seu ganha-pão, a falta de perspectiva financeira é extremamente libertadora para outros artistas. Num mercado em que até mesmo um indie bem estabelecido como Grizzly Bear (tocando no Radio City Music Hall, em NY, com discos no top 10) afirma em reportagem da “New York Mag”que as contas não fecham, cada vez mais se vê bandas, mesmo conhecidas, serem um hobby bem estruturado de profissionais de outras áreas, com consequências boas e ruins.
É natural que muitos desses comportamentos vistos nos EUA, o mercado mais estabelecido, se repitam no Brasil. Por aqui, pra piorar, existe uma espécie de código não escrito na cena alternativa de que não se pode criticar negativamente um músico, simplesmente pelo fato de ele já “ralar muito pra fazer aquele trabalho acontecer”. Como se isso fosse justificativa e não exatamente parte do problema.
Como disse o amigo Raymond S. Harmon no Facebook, “no exato segundo que o pensamento ‘a música de hoje não presta’ cruza sua mente você está oficialmente velho, não precisa nem que se diga isso em voz alta”. O autor do texto do Hipster Runoff foi acusado justamente disso (embora não fique clara sua idade). Pode ser. A principal crítica aqui, no entanto, é quanto ao formato operacional de parte da indústria, este sim culpado pela baixa qualidade do conteúdo.
Ainda encontra-se muita, muita música boa, nova, todo dia. Mesmo que várias delas sejam feitas para o agora, sem maiores preocupações. E quem pode dizer que isso é ruim? No fim, as decisões cabem a quem ouve (ou lê), e é ótimo que seja assim
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Penguin e Random negociam acordo
26 DE OUTUBRO DE 2012
Bertelsmann e Pearson negociam a combinação de suas editoras Random House e Penguin, transação que criaria a maior do mundo no setor e seria uma resposta aos desafios a suas estratégias criados pelo alto crescimento do mercado de livros digitais.
O foco das negociações é uma fusão em que a Bertelsmann ficaria com fatia superior a 50%, segundo três fontes a par do assunto, ressaltando que as conversas podem não resultar em nenhum acordo.
A Pearson, controladora do “Financial Times”, disse ontem que “está discutindo com a Bertelsmann uma possível combinação de Penguin e Random House. As companhias não chegaram a um acordo e não há certeza que as discussões levem a uma transação”. Os executivos da Bertelsmann, que estão na China, não comentaram.
As negociações ocorrem em um momento em que grandes grupos de tecnologia, como Apple, Amazon e Google, vêm impulsionando os livros digitais e redefinindo o mercado editorial.
Analistas acreditam que haverá uma onda de fusões entre as “seis grandes” editoras, as líderes de um mercado que há vários anos é relativamente fragmentado. Entre os motivos, citam as mudanças no equilíbrio de poder em um setor no qual o varejo não é definido por livrarias independentes, mas por grandes grupos de tecnologia e comércio eletrônico e algumas poucas redes nacionais de livrarias.
A combinação de duas das quatro maiores editoras do mundo poderia enfrentar análises das autoridades de concorrência em vários países. As participações de mercado variam de acordo com as listas de livros mais vendidos, mas estima-se que o grupo combinado poderia controlar em torno de 25% dos mercados dos Estados Unidos e Reino Unido.
O Departamento da Justiça dos EUA processou neste ano a Apple e cinco editoras, incluindo a Penguin, mas não a Random House, por suposta conspiração. Três delas chegaram a acordos para encerrar as acusações, que não incluíam questões de concorrência. A Penguin ainda contesta a ação.
Vários elementos da negociação [entre Random e Penguin] estão por ser decididos, de acordo com as fontes. Ainda não está claro se as editoras precisariam vender unidades ou operações para ganhar a aprovação dos órgãos reguladores à fusão, segundo uma das fontes. Outra ressaltou que as participações de mercado das duas editoras variam consideravelmente em vários países.
As conversas, noticiadas primeiramente pela revista “Manager”, na Alemanha, ocorrem em meio aos esforços de Thomas Rabe, indicado em 2011 como CEO da Bertelsmann, para expandir a receita do grupo alemão de mídia em países emergentes como Índia, China e Brasil, onde a Penguin possui forte presença [Peguin tem 45% da brasileira Companhia das Letras].
Também ocorrem enquanto Marjorie Scardino prepara-se para ser substituída como executiva-chefe da Pearson por John Fallon, ex-diretor da editora de material educacional internacional do grupo, em 1º de janeiro.
As notícias sobre os planos de sucessão aumentaram as especulações entre analistas de que poderia haver algum tipo de mudança empresarial no grupo, cujas ações são listadas em Londres e atualmente obtém 75% de suas receitas com as operações de editora de material educacional.
Se as negociações de fusão forem bem-sucedidas, espera-se que tanto Markus Dohle, CEO da Random House, como John Makinson, CEO da Penguin, assumam cargos de liderança na nova empresa combinada.
quinta-feira, 25 de outubro de 2012
Assinatura digital cresce, mas lucro do ‘NYT’ cai
Empresa teve ganho de US$ 2,28 milhões, com queda de 85% no trimestre. Receita publicitária recuou 8,9%
Publicado:
NOVA YORK —A New York Times Co., editora do jornal “NYT”, informou que houve um aumento nas assinaturas digitais no último trimestre, o que ajudou a receita com circulação crescer 7,4%, de US$ 218,6 milhões para US$ 234,9 milhões. O número de assinantes das versões on-line do “New York Times” e do “International Herald Tribune” aumentou 11%, para 566 mil. Apesar disso, a companhia viu seu lucro despencar 85% no terceiro trimestre, para US$ 2,28 milhões, ou dois centavos por ação. No terceiro trimestre de 2011, o ganho tinha sido de US$ 15,7 milhões, ou dez centavos por ação. Com a divulgação do resultado, as ações da editora caíram 22% na Bolsa de Nova York.
Segundo a New York Times Co., essa piora no resultado se deveu à queda na receita com publicidade. Nos jornais impressos — que incluem “The New York Times”, “The Boston Globe” e “The International Herald Tribune” —, essa receita caiu 10,9%. Na mídia digital, a queda foi de 2,2%. A receita total com publicidade caiu 8,9%, de US$ 200,5 milhões para US$ 182,6 milhões.
O faturamento da empresa recuou 0,6%, para US$ 449 milhões. Analistas ouvidos pela Reuters projetavam US$ 479,23 milhões.
— Em termos de receita, não foi um bom trimestre — disse à Reuters Edward Atorino, analista da Benchmark Co. — Os números de publicidade estão terríveis.
A empresa atribuiu a queda na receita com publicidade a um “ambiente econômico desafiador e a um mercado de publicidade digital cada vez mais fragmentado e complexo”. A receita com anúncios do “New York Times” depende, em grande parte, de grandes contas de setores como telecomunicações e tecnologia, que usam o jornal para alcançar o público em todos os Estados Unidos.
No trimestre corrente, a expectativa é que a receita com publicidade continue fraca, apesar das festas de fim de ano, quando normalmente há mais anúncios nos jornais.
— Os executivos vêm nos dizendo que estão muito preocupados, e essa falta de confiança empresarial está crescendo em muitos, mas muitos, segmentos — afirmou a diretora de Publicidade da empresa, Denise Warren, durante a teleconferência para discutir os resultados trimestrais.
A Amazon.com, maior rede de comércio virtual do mundo, registrou prejuízo líquido de US$ 274 milhões, ou US$ 0,60 por ação, no terceiro trimestre ante lucro líquido de US$ 63 milhões, ou US$ 0,14, no mesmo período de 2011. Parte da perda foi relacionada a encargos pela compra da companhia de ofertas diárias e compras coletivas LivingSocial.
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Novo livro: "Governo brasileiro no futuro"
Obra discute papel do governo e das tecnologias da informação e comunicação na oferta de serviços públicos
RIO – A Editora Cubzec lançou a obra “Governo Brasileiro no Futuro - Sugestões de desafios para o Estado (2012 - 2022)”, uma coletânea de artigos de gestores públicos da área de TI (tecnologia da informação), que se reuniram em seminário, em junho, em Brasiília, para discutir o papel do governo e das TIC (Tecnologias da Informação e Comunicação) na oferta de serviços públicos e no desenvolvimento de políticas públicas compatíveis com os desafios do desenvolvimento econômico do nosso país.
A obra discute também como as novas formas de comunicação trazidas pelas redes sociais podem ser incorporadas pela administração pública e ainda como tornar possível que a computação em nuvem seja utilizada pelo governo sem prejuízo para a segurança e a privacidade de pessoas e empresas.
O livro tem 160 páginas e seu preço é de R$ 35,00
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Gigantes editoriais Penguin e Random House negociam fusão
Negócio daria origem ao maior grupo editorial do mundo
Publicado:
LONDRES e RIO — Os grupos de mídia Pearson, britânico, e Bertelsmann, alemão, negociam a fusão de suas editoras, a Penguin e a Random House, informou nesta quinta-feira o jornal “Financial Times”. A união de duas das quatro maiores editoras do mundo criaria o maior grupo global do setor, afirmou o jornal.
A reportagem informou que a Bertelsmann teria participação superior a 50% no negócio, segundo três fontes ouvidas pelo jornal. A matéria também ressalvou que várias questões estão pendentes e que a fusão teria ainda que passar pela aprovação de órgãos de defesa da concorrência ao redor do mundo.
No fim do ano passado, a Penguin comprou participação de 45% na Companhia das Letras. Luiz Schwarcz, presidente da editora brasileira, disse que está a par das negociações há alguns meses e que as vê “com bons olhos”. Mas preferiu não comentar sobre possíveis impactos na Penguin e na própria Companhia das Letras alegando que as negociações ainda não foram fechadas.
Em nota, a Pearson, dona da Penguin, admitiu que negocia a fusão, mas informou que o acordo ainda não foi fechado e que não há garantias de que as conversas levarão ao negócio.
A Bertelsmann, maior grupo de mídia da Europa e dono da emissora de TV RTL, não quis comentar a notícia.
segunda-feira, 22 de outubro de 2012
David Albury : Economia global aumenta a demanda por um ensino do tipo personalizado
Para britânico, nivelar estudantes pela idade é um erro. Escolas ainda estão no século passado, diz
RIO — O século 20 acabou há quase 13 anos e em boa parte do mundo ainda se discute quais são as competências necessárias para o mercado de trabalho do século 21. No entender de especialistas, porém, a transição a ser feita é a do século 19 para o 21, porque o modelo atual ainda está mais ligado à formação padronizada de trabalhadores para fábricas, típica da revolução industrial, do que às exigências flexíveis da economia criativa. Apesar das incertezas, o inglês David Albury crê que o novo modelo passa por duas vertentes: ensino personalizado e aprendizado baseado em projetos práticos. Um dos criadores do Programa Global de Líderes da Educação (Gelp, na sigla em inglês), Albury esteve em São Paulo, em encontro organizado pelo Portal Porvir, que é dedicado à inovação em educação.
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Ex-conselheiro-chefe da Unidade de Estratégia do ex-premier britânico Tony Blair, professor visitante de Estudos de Inovação no King’s College, em Londres, e consultor independente de redes de ensino em 13 países — no Brasil ele tem interlocutores nas secretarias de Educação de Rio, São Paulo, Goiás e Pernambuco —, ele presta serviços para organizações públicas e privadas desde 2001. Albury falou sobre as novas exigências do mercado de trabalho, de como atendê-las e de experiências bem-sucedidas que testemunhou em vários países.
Desafios
“Os desafios que sistemas de educação do mundo enfrentam hoje incluem as novas exigências do mercado de trabalho e da globalização. Os melhores empregos exigem capacidade de resolução de problemas práticos, facilidade para se comunicar e trabalhar em grupo, empreendedorismo e criatividade. Se eu pudesse deixar o currículo tradicional de lado e escolher duas habilidades que gostaria de ver nos estudantes, acho que seriam o apetite pelo conhecimento e a capacidade de ir atrás dele. Com elas, qualquer pessoa pode aprender qualquer coisa.”
Busca
“Ninguém sabe exatamente como é o sistema ideal. Há três anos e meio, começamos a identificar características de um sistema capaz de equipar cada trabalhador com as habilidades cognitivas e comportamentais necessárias para ser bem-sucedido. Uma delas é a de que o aprendizado precisa ser personalizado. Sabemos pelas ciências cognitivas que as pessoas aprendem em ritmos diferentes. Mesmo assim, organizamos classes a partir da idade, com a premissa de que todos avançam num só ritmo. O aprendizado não será totalmente customizado, mas tem de atender a necessidades individuais em situações colaborativas, de resolução de problemas.”
‘Desconectado’
“No celular posso acessar hoje mais conhecimento do que o melhor professor faria 20 ou 30 anos atrás — informação de múltiplas fontes, nem sempre confiáveis. Assim, é muito importante a capacidade de sintetizar, de avaliar se algo é confiável, de combinar dados. Lembro-me de conversar com garotos de 13, 14 anos em Vancouver sobre a experiência na escola. Um deles disse: ‘Quando vou à escola sinto como se estivesse sendo desconectado. Fora dela tenho acesso a todo tipo de informação e meios de me comunicar. Na escola, tem um professor, um livro e talvez um computador, geralmente pouco usado.’ Outro disse: ‘A escola é o lugar que tranca o século 21 do lado de fora.’ O futuro será do aprendizado a qualquer hora e lugar, não só na escola. O professor não pode mais ser o portador do conhecimento, mas um facilitador do aprendizado. E o currículo deve vir de problemas do mundo real. Como dizer a alguém de uma área pobre de São Paulo: ‘Aprenda matemática por dez anos e aí você vai ver o quanto ela é útil e isso vai ajudá-lo a conseguir emprego’?”
San Diego
“Há vários bons exemplos de escolas inovadoras no mundo. Um de ensino baseado em projeto é o da High Tech High, em San Diego. Lá, os alunos decidem o projeto em que vão trabalhar, não o professor. Cabe ao professor, além de ajudar a desenvolver o projeto, dar duas disciplinas por semestre. Um grupo pode decidir que vai construir um carro movido a energia solar capaz de navegar de um modo muito complexo. Esse é um projeto real, criado por alunos de 12 anos. As matérias do semestre eram matemática e estudos sociais. A tarefa do professor foi combinar o projeto com as habilidades e competências que os alunos precisavam desenvolver nas duas disciplinas. O currículo usa como ponto de partida o projeto. É um exemplo extremo, não acho que todo mundo deve seguir. Mas os alunos são selecionados por universidades como Harvard, Stanford, Yale e MIT, porque ficaram oito anos pesquisando, na perspectiva de resolução de problemas, juntando dados e fazendo gestão de projetos.”
Nova York
“A iSchool é um exemplo de escola de transição, que usa o ensino misto (presencial e on-line) para dar mais liberdade ao professor. Ela parte do seguinte princípio: há uma série de conteúdos que testes nacionais ou estaduais exigem. Mas parte disso é monótona, então ela recorre ao on-line para acelerar a passagem pelo que é chato e concentra tempo no ensino baseado em projetos e personalizado.”
Hyderabad
“Nas últimas décadas nós nos concentramos em aperfeiçoar escolas e professores, mas o engajamento da família é um fator tão importante quanto esses outros no processo de aprendizado. Em Hyderabad (capital do estado indiano de Andhra Pradesh), um grupo de educadores começou a se debruçar sobre a questão de como engajar famílias em um lugar com alta incidência de trabalho infantil e onde pouco valor é atribuído ao ensino. Você pode ir a favelas onde 90, cem crianças ficam sentadas no chão da sala. O meio que eles encontraram para mudar esse cenário foi juntar pais e professores na administração das escolas. Obtiveram resultados razoáveis em termos de criar uma cultura de valorização da educação.”
Buraco no Muro
“Na Índia há favelas e áreas rurais sem escolas. Como educar as crianças? Sugata Mitra (dono de uma fabricante de softwares) criou o projeto Buraco no Muro. Fez um computador robusto e o cimentou no muro da sua empresa para quem passasse usar. Meninos de uma favela próxima se interessaram, começaram a usar o computador. Alguns pegaram muito rápido e ensinaram aos outros como usar aquilo, desenvolvendo um conjunto de habilidades que tem aplicações na bioquímica, matemática e música — mesmo nos lugares mais pobres, você consegue fazer os estudantes aprenderem uns com os outros. Depois o projeto foi ampliado.”
Coreia do Sul
“Hoje nenhum sistema público incentiva de fato as habilidades exigidas para o crescimento econômico. A Coreia do Sul, que em dez anos saiu de posições intermediárias no Pisa (teste para alunos de 15 anos que avalia a capacidade de leitura e os conhecimentos em matemática e ciências) para o grupo de elite, está no Gelp. Os coreanos dizem: ‘Ficamos bons em ensinar às pessoas como passar em testes, memorizando regras. Mas, quando confrontados com um novo problema ou com o desafio de montar um negócio, elas não sabem o que fazer.’ A maioria de nós não gostaria de copiar o modelo coreano.”
Finlândia
“Líder do Pisa, a Finlândia produziu um dos melhores sistemas de ensino público do século 20. Mas os próprios finlandeses, quando olharam as habilidades que serão necessárias em dez, 15 ou 50 anos, acharam que seu sistema talvez não seja completamente adequado: ‘É ótimo ficar em 1º lugar no Pisa, mas este é o jogo errado, o que o Pisa está medindo não é o que as crianças precisam no século 21.’”
Brasil
“Por ser relativamente novo, o sistema tem algumas características, como a grande variação na qualidade do professorado. Outro motivo disso é o fato de que vocês formam milhares de professores todo ano, o que para mim é uma vantagem. Porque há uma coisa muito mais difícil que aprender, que é desaprender — desaprender a ser o portador do conhecimento, algo que muitos fazem há 20 anos. Isso é talvez mais difícil do que lidar com um novo professor, ainda que precisemos formá-lo. Reconheço os problemas do Brasil, mas vejo oportunidades. Também é importante dizer que nenhum modelo nasce perfeito. Alguns de nossos parceiros criaram laboratórios e incubadoras para testar coisas. Eu recomendaria ao Ministério da Educação trabalhar com um pequeno grupo de escolas, dando a elas todo o apoio. Mesmo com vontade política genuína, a transição vai levar pelo menos uma década.”
‘Sempre se infunde medo em nome do bem’, afirma Paul Virilio
A velocidade destrói. Em uma espécie de paradoxo vinculante onde se combinam o progresso e a catástrofe, a velocidade e seu corolário de suportes técnicos interconectaram o mundo ao mesmo tempo que criaram uma perigosa simultaneidade de emoções. Esta é a tese central que, com uma antecipação surpreendente, vem argumentando o urbanista e pensador francês Paul Virilio. Antes que a extrema velocidade da internet se instalasse na vida cotidiana de quase todo o mundo, Paul Virilio intuiu o risco intrínseco no coração dessa hipercomunicação e os desarranjos profundos acarretados pelo desenvolvimento tecnológico e a velocidade.
A férrea crítica que Paul Virilio faz lhe valeu o apelido de “pensador e promotor da catástrofe”. O intelectual francês, filho de um comunista italiano refugiado, entretanto, não nega a validade dos progressos, mas propõe uma espécie de reflexão sobre o tempo, uma filosofia política para pensar e controlar a velocidade.
Homem afável, de frases curtas e contundentes, Virilio aponta que “a velocidade das transmissões reduz o mundo a proporções ínfimas”, ao mesmo tempo que a rapidez substituiu a uniformização das opiniões pela “uniformização das emoções”. Para Virilio, os conceitos de democracia e direitos humanos estão em perigo. O uso atual da tecnologia leva a uma reatualização do totalitarismo. A velocidade é poder, poder de destruição, poder que inibe a possibilidade de pensar.
Homem afável, de frases curtas e contundentes, Virilio aponta que “a velocidade das transmissões reduz o mundo a proporções ínfimas”, ao mesmo tempo que a rapidez substituiu a uniformização das opiniões pela “uniformização das emoções”. Para Virilio, os conceitos de democracia e direitos humanos estão em perigo. O uso atual da tecnologia leva a uma reatualização do totalitarismo. A velocidade é poder, poder de destruição, poder que inibe a possibilidade de pensar.
Em seu último livro, A administração do medo, o ensaísta francês aponta um outro mecanismo de controle político com que o poder administra as sociedades humanas: o medo. Medo da bomba atômica, medo do terrorismo e o medo verde, o temor diante do esgotamento dos recursos naturais e do desastre ecológico.
Muitas das ideias enunciadas por Paul Virilio quase no final dos anos 1970 se viram repentinamente atualizadas pelos atentados do 11 de setembro. As sociedades escatológicas antecipadas pelo autor, a camisa de força tecnológica que os Estados puseram nos indivíduos, a velocidade como fator totalitário e adormecedor, a irreflexão dos meios de comunicação e o fluxo ininterrupto de imagens e emoções tão instantâneas quanto universais passaram a fazer parte da nossa realidade. Televigilância, traçabilidade dos indivíduos, controle da informação, procedimento de simulação da realidade para tapar o real não são ideias negras, mas a luminosa realidade que nos deslumbra. Virilio propõe um antídoto irônico: criar um “Ministério do Tempo” para, como na música, regular os ritmos da vida.
Muitas das ideias enunciadas por Paul Virilio quase no final dos anos 1970 se viram repentinamente atualizadas pelos atentados do 11 de setembro. As sociedades escatológicas antecipadas pelo autor, a camisa de força tecnológica que os Estados puseram nos indivíduos, a velocidade como fator totalitário e adormecedor, a irreflexão dos meios de comunicação e o fluxo ininterrupto de imagens e emoções tão instantâneas quanto universais passaram a fazer parte da nossa realidade. Televigilância, traçabilidade dos indivíduos, controle da informação, procedimento de simulação da realidade para tapar o real não são ideias negras, mas a luminosa realidade que nos deslumbra. Virilio propõe um antídoto irônico: criar um “Ministério do Tempo” para, como na música, regular os ritmos da vida.
A ditadura da velocidade
Você se interessou de forma muito cedo pelo fenômeno da velocidade, inclusive antes que a sua realidade irrompesse em nosso mundo. Um de seus livros mais famosos, Velocidade e política, data de 1977. O que o levou a intuir com tanta antecipação que a velocidade iria converter-se em um ator central da vida humana, o que você chama de “uma potência de destruição”?
Virilio--Há dois elementos. Eu nasci em 1938 e, por conseguinte, sou filho da Segunda Guerra Mundial. Nesse contexto encontramos dois dados que me marcaram muito. O que se chamou “a guerra relâmpago” e o Holocausto. Não se pode compreender a nossa época sem a clarividência funesta da guerra total, isto é, o extermínio em massa das populações civis durante os bombardeios e também nos campos de concentração. O que vivemos hoje se desprende da importância da velocidade nestes acontecimentos. O revés do exército polonês, o revés do exército francês e os países invadidos em poucos dias são um reflexo dessa velocidade. Sou então um filho dessa guerra relâmpago, da guerra em alta velocidade. Todo o meu trabalho e o interesse que tive pela aceleração me levaram a compreender até que ponto a velocidade era um elemento determinante da história moderna, ou seja, da história da Revolução Industrial.
Você sugere que hoje estamos sob uma espécie de ditadura da velocidade.
Totalmente, e tanto mais quanto que passamos da velocidade móvel, isto é, da velocidade dos tanques, dos automóveis e dos aviões supersônicos, à velocidade da luz e das ondas eletromagnéticas. Estas ondas veiculam a informação, as comunicações, e, sobretudo, a interatividade. Isto significa que a nossa sociedade não é uma sociedade ativa, mas interativa, ou seja, a sociedade atual coloca em funcionamento a velocidade das ondas eletromagnéticas para interagir. Não se pode compreender a globalização sem esta aceleração absoluta em todos os campos, inclusive o campo financeiro. A crise financeira mundial que estourou em 2008, não é só um problema financeiro, mas um derivado da velocidade. As cotizações automatizadas entre bancos, realizadas por plataformas automáticas, exerceram um papel central na crise. O fator de tudo isto foi a velocidade: a velocidade domina, a velocidade da luz, das ondas, se impôs sobre a velocidade dos móveis, do transporte, dos meios de transmissão tradicionais. É impossível compreender a realidade do mundo sem esta configuração. Nos anos 1940, se falava da aceleração da história; hoje, estamos diante da aceleração do real, da aceleração da realidade. Todos os setores da nossa civilização estão afetados pela aceleração do real. É uma evidência que ainda não foi plenamente reconhecida.
Hannah Arendt dizia que a ditadura se plasma em uma espécie de velocidade do movimento.
O terror é a concretização da lei do movimento. O terror é indissociável da velocidade. A temática da velocidade é também a questão da surpresa, e a surpresa é o medo. Quando alguém nos pega de surpresa, dizemos: “ai, que susto você me deu”. A velocidade absoluta e a surpresa estão intimamente ligadas. Trata-se de um fenômeno de pânico, um fenômeno que se refere ao terror. Nossa época é muito singular. Nossa percepção do tempo e das distâncias foi transtornada. A Terra é muito pequena para qualquer forma de progresso. A velocidade das transmissões reduz o mundo a proporções ínfimas.
A sincronização das emoções
Outra característica que você destaca em nossa modernidade, ou em nossa atualidade, é a sincronização das emoções. Todos sentem quase a mesma coisa, no mesmo momento.
Absolutamente. As sociedades de antes estavam sob o signo da padronização das opiniões. Se tomamos a Revolução Industrial como referência, nos encontramos com a padronização dos produtos, o que chamamos a indústria, e também das opiniões. Através do desenvolvimento da imprensa e dos meios de comunicação se operou uma uniformização das opiniões públicas. Agora, atualmente, com a interatividade, já não se trata mais da uniformização das opiniões, mas da sincronização das emoções. Estamos diante de uma sociedade onde a comunidade de emoções substitui a comunidade de interesses. Trata-se de um acontecimento político prodigioso. As sociedades viveram sob o regime da comunidade de interesses, o que explica a estrutura das classes sociais, os ricos e os pobres, o marxismo, etc., etc. Hoje vivemos sob o regime de uma comunidade de emoção, estamos naquilo que chamei de comunismo dos afetos: sentir a mesma emoção, no mesmo instante. No 11 de setembro de 2001, diante de uma catástrofe telúrica equivalente a um terremoto ou um tsunami, o mundo esteve na mesma sintonia de emoção. É um acontecimento político inédito na história da humanidade. Trata-se de um acontecimento pânico que coloca em questionamento a democracia. A tirania do tempo real representa uma ameaça considerável que não foi levada em conta. Fazem-se brincadeiras sobre a telerrealidade e essas coisas, mas este fenômeno nada tem a ver com a telerrealidade. Acontece que se chegou a sincronizar a mesma realidade!
Em que sentido esta sincronização das emoções coloca a democracia em perigo?
A democracia é a reflexão comum e não o reflexo condicionado. Não existe opinião política sem uma reflexão comum. Mas hoje predomina não a reflexão, mas o reflexo. O próprio da instantaneidade consiste em anular a reflexão em proveito do reflexo. Quando me convidam para um debate na televisão, me dizem: “Que bom, você trabalha desde 1977 nos fenômenos da velocidade. Tem um minuto para explicar-me tudo isso”. Não é possível. Estamos diante de um fenômeno reflexo, mas a democracia reflexa é uma impossibilidade, não existe. A mesma coisa acontece com a confiança. As Bolsas estão em crise porque há uma crise da confiança. E por que há uma crise de confiança? Porque a confiança não pode ser instantânea. A confiança em um sistema político ou financeiro não é automática. A opinião também não pode ser instantânea. Então, os sistemas administrados pelos políticos, inclusive o sistema financeiro, são fenômenos que tendem para o automatismo. A automatização é o contrário da democratização.
A lentidão e a aceleração
Podemos pensar que existem dois mundos paralelos: o mundo da lentidão – o mundo primitivo, que está fora da bolha tecnológica – e o muno da velocidade, o mundo desenvolvido exposto sem freio à atração da velocidade.
Em primeiro lugar, quero dizer que o mundo da velocidade instantânea leva à inércia. De alguma maneira, a lentidão das sociedades antigas anuncia a inércia das sociedades futuras. A rapidez absoluta leva à inércia e à paralisia. A interatividade prescinde do deslocamento físico e da reflexão, por conseguinte, o aumento constante da velocidade nos levará à inércia. O problema já não diz respeito tanto à lentidão ou à velocidade, mas à inteligência do movimento. Quando me perguntam: “Acaso é preciso diminuir?”, eu respondo: “Não, é preciso refletir”.
E qual é o ponto central dessa reflexão?
Devemos refletir sobre o ritmo. Como na música, nossa sociedade deve reencontrar-se com o ritmo. A música encarna perfeitamente uma política da velocidade. Através dos tempos, o ritmo, a música é a própria encarnação da política da velocidade. Devemos elaborar uma musicologia da vida. O problema não consiste tanto em diminuir a velocidade, mas em inventar ritmos sociais, políticos ou econômicos que funcionem. Do contrário, terminaremos na inércia, isto é, na lentidão e na paralisia maiores que as das sociedades do passado, as sociedades sedentárias, rurais. De fato, não necessitamos de uma visão revolucionária, mas de uma espécie de força de revelação.
As regras do jogo colocadas hoje tornam, contudo, impossível retroceder frente à velocidade.
Eu não exponho um trabalho retrospectivo sobre o bem-estar do passado, mas uma reflexão sobre o porvir. Sou um progressista. Por isso, não falo de desacelerar, mas de elaborar uma inteligência do movimento, uma espécie de economia política da velocidade. Isto consiste em reencontrar-se com o tempo. O descontrole do tempo despedaçou o sistema de produção e do trabalho. Constatamos as consequências desta desregulação do tempo na empresa France Telecom, onde os empregados se suicidam. Falta-nos o ritmo. Todas as sociedades antigas eram rítmicas: havia a liturgia, as festas, as estações, a alternância do dia e da noite, o calendário, etc., etc. Mas com a aceleração do real perdemos esta organização rítmica. Vivemos em uma sociedade caótica. A velocidade reduz o mundo a nada. O mundo é muito pequeno para o progresso, muito pequeno para a instantaneidade, a ubiquidade. Esta é uma das grandes questões políticas e um dos grandes desafios do futuro em termos de direitos humanos.
O controle do mundo pelo medo
Seu último livro, A administração do medo, agrega à velocidade outro fator de controle: você afirma ali que o medo é uma arte para governar.
Estamos diante de um acontecimento cósmico. A raiz do medo é o que se chamou de equilíbrio do terror, o medo do fim do mundo engendrado durante a Guerra Fria. Podemos dizer que o primeiro grande medo de destruição em massa tem 40 anos e remonta ao projeto de instalação de mísseis em Cuba, nos anos 1960. Em 2001, entramos em outra fase, que é o desequilíbrio do terror. Depois, com os atentados de 11 de setembro, o desequilíbrio se converte em um terrorismo cego, que pode golpear em qualquer momento e em qualquer lugar com uma potência colossal. Ainda nos encontramos nesse desequilíbrio do terror. Um punhado de indivíduos desarmados pode causar tanto prejuízo quanto um exército. Um grupo de homens pode assim provocar desastres consideráveis com um mínimo de meios. O terceiro grande medo que nos a espreita é o do esgotamento dos recursos naturais. A Terra é muito pequena para o progresso e seus recursos podem ser insuficientes para o futuro. Vivemos com esses medos. A angústia, a falta de esperança, o caráter suicida de muitos jovens têm muito a ver com esta dominação do medo sobre nossas consciências. Enfrentamos um fenômeno de pânico globalizado.
Você tem uma interpretação diferente da ecologia, muito crítica. Não a qualifica como uma ideologia totalitária, mas com as características de um instrumento que está aí para amedrontar.
O medo ecológico se soma ao medo engendrado pela Guerra Fria, ao medo instalado pelo terrorismo. Não sou contra a ecologia, absolutamente. A ecologia é necessária para preservar a Terra. Mas não se pode aceitar o que propõe o discurso ecológico atual, isto é, uma espécie de difusão do medo global. Não esqueçamos que existe uma constante: sempre se infunde medo em nome do bem! É preciso evitar isso. Os ecologistas são tentados a convencer mediante o medo! O discurso ecológico deve imperativamente ampliar seu campo e relacionar a ciência do meio ambiente com a filosofia, com as ciências humanas, com a democracia. Por trás da ecologia há uma ideologia ameaçante, que é a do espaço vital. Quando se pensa no nazismo se o associa com o racismo, mas não com a dimensão do espaço vital. Os nazistas colocavam cartazes que diziam: “Bosque proibido aos judeus”. Tratava-se de um espaço vital. Se quisermos uma ecologia humana, humanitária, devemos desconfiar da dimensão vitalista própria do nazismo. Não sou contra a ecologia, absolutamente. Mas, como filho da guerra total, lembro essa noção de espaço vital que foi a mola propulsora da Segunda Guerra Mundial.
A administração do medo – da bomba, do desastre ecológico, do terrorismo, do desemprego, do imigrante, da insegurança – tornou-se o principal instrumento de gestão política. Dessa estratégia nasceu outra ameaça: a vigilância, o seguimento, a traçabilidade dos indivíduos.
Isso explica o desenvolvimento da televigilância, as propostas para reclamar as pegadas dos indivíduos. Podemos até pensar que, amanhã, a noção de identidade, de documento de identidade, será substituída pela traçabilidade das pessoas. Uma vez que se controlam todos os movimentos de um indivíduo, a questão de sua identidade perde todo interesse. Basta obter informações sobre seus movimentos e a velocidade para localizar a pessoa ou o produto. A traçabilidade é um elemento inquietante da vigilância. O medo sempre foi um instrumento para governar.
Em A administração do medo você ressalta que a propaganda em torno desse grande Eldorado que são as novas tecnologias é também vetor do medo porque anestesia as pessoas.
Albert Einstein dizia: “Nossa tecnologia ultrapassou a nossa humanidade”. Está óbvio que as tecnologias representam hoje uma ameaça na medida em que não controlamos o progresso. Os avanços tecnológicos deixaram de ser controlados pela humanidade.
A força da velocidade, do medo, da tecnologia, de metas eficazes, da aspiração a resultados, de estratégias de gestão, o sonho tecnológico de um ser humano melhor desembocou em uma humanidade ameaçada pelas próprias máquinas que cria.
Sim, sem dúvida. O homem começa a estar sobrando. Assistimos agora a uma retomada econômica sem empregos. Já se fala de inativos crônicos e não de desempregados conjunturais. A corrida atrás de produtividade substitui os produtores, isto é, o trabalho do ser humano. Nossa civilização está ameaçada. O respeito pelos direitos humanos está sendo questionado. Necessitamos de um esquema de pensamento diferente para evitar a catástrofe. Precisamos elaborar um pensamento político da velocidade.
Você se interessou de forma muito cedo pelo fenômeno da velocidade, inclusive antes que a sua realidade irrompesse em nosso mundo. Um de seus livros mais famosos, Velocidade e política, data de 1977. O que o levou a intuir com tanta antecipação que a velocidade iria converter-se em um ator central da vida humana, o que você chama de “uma potência de destruição”?
Virilio--Há dois elementos. Eu nasci em 1938 e, por conseguinte, sou filho da Segunda Guerra Mundial. Nesse contexto encontramos dois dados que me marcaram muito. O que se chamou “a guerra relâmpago” e o Holocausto. Não se pode compreender a nossa época sem a clarividência funesta da guerra total, isto é, o extermínio em massa das populações civis durante os bombardeios e também nos campos de concentração. O que vivemos hoje se desprende da importância da velocidade nestes acontecimentos. O revés do exército polonês, o revés do exército francês e os países invadidos em poucos dias são um reflexo dessa velocidade. Sou então um filho dessa guerra relâmpago, da guerra em alta velocidade. Todo o meu trabalho e o interesse que tive pela aceleração me levaram a compreender até que ponto a velocidade era um elemento determinante da história moderna, ou seja, da história da Revolução Industrial.
Você sugere que hoje estamos sob uma espécie de ditadura da velocidade.
Totalmente, e tanto mais quanto que passamos da velocidade móvel, isto é, da velocidade dos tanques, dos automóveis e dos aviões supersônicos, à velocidade da luz e das ondas eletromagnéticas. Estas ondas veiculam a informação, as comunicações, e, sobretudo, a interatividade. Isto significa que a nossa sociedade não é uma sociedade ativa, mas interativa, ou seja, a sociedade atual coloca em funcionamento a velocidade das ondas eletromagnéticas para interagir. Não se pode compreender a globalização sem esta aceleração absoluta em todos os campos, inclusive o campo financeiro. A crise financeira mundial que estourou em 2008, não é só um problema financeiro, mas um derivado da velocidade. As cotizações automatizadas entre bancos, realizadas por plataformas automáticas, exerceram um papel central na crise. O fator de tudo isto foi a velocidade: a velocidade domina, a velocidade da luz, das ondas, se impôs sobre a velocidade dos móveis, do transporte, dos meios de transmissão tradicionais. É impossível compreender a realidade do mundo sem esta configuração. Nos anos 1940, se falava da aceleração da história; hoje, estamos diante da aceleração do real, da aceleração da realidade. Todos os setores da nossa civilização estão afetados pela aceleração do real. É uma evidência que ainda não foi plenamente reconhecida.
Hannah Arendt dizia que a ditadura se plasma em uma espécie de velocidade do movimento.
O terror é a concretização da lei do movimento. O terror é indissociável da velocidade. A temática da velocidade é também a questão da surpresa, e a surpresa é o medo. Quando alguém nos pega de surpresa, dizemos: “ai, que susto você me deu”. A velocidade absoluta e a surpresa estão intimamente ligadas. Trata-se de um fenômeno de pânico, um fenômeno que se refere ao terror. Nossa época é muito singular. Nossa percepção do tempo e das distâncias foi transtornada. A Terra é muito pequena para qualquer forma de progresso. A velocidade das transmissões reduz o mundo a proporções ínfimas.
A sincronização das emoções
Outra característica que você destaca em nossa modernidade, ou em nossa atualidade, é a sincronização das emoções. Todos sentem quase a mesma coisa, no mesmo momento.
Absolutamente. As sociedades de antes estavam sob o signo da padronização das opiniões. Se tomamos a Revolução Industrial como referência, nos encontramos com a padronização dos produtos, o que chamamos a indústria, e também das opiniões. Através do desenvolvimento da imprensa e dos meios de comunicação se operou uma uniformização das opiniões públicas. Agora, atualmente, com a interatividade, já não se trata mais da uniformização das opiniões, mas da sincronização das emoções. Estamos diante de uma sociedade onde a comunidade de emoções substitui a comunidade de interesses. Trata-se de um acontecimento político prodigioso. As sociedades viveram sob o regime da comunidade de interesses, o que explica a estrutura das classes sociais, os ricos e os pobres, o marxismo, etc., etc. Hoje vivemos sob o regime de uma comunidade de emoção, estamos naquilo que chamei de comunismo dos afetos: sentir a mesma emoção, no mesmo instante. No 11 de setembro de 2001, diante de uma catástrofe telúrica equivalente a um terremoto ou um tsunami, o mundo esteve na mesma sintonia de emoção. É um acontecimento político inédito na história da humanidade. Trata-se de um acontecimento pânico que coloca em questionamento a democracia. A tirania do tempo real representa uma ameaça considerável que não foi levada em conta. Fazem-se brincadeiras sobre a telerrealidade e essas coisas, mas este fenômeno nada tem a ver com a telerrealidade. Acontece que se chegou a sincronizar a mesma realidade!
Em que sentido esta sincronização das emoções coloca a democracia em perigo?
A democracia é a reflexão comum e não o reflexo condicionado. Não existe opinião política sem uma reflexão comum. Mas hoje predomina não a reflexão, mas o reflexo. O próprio da instantaneidade consiste em anular a reflexão em proveito do reflexo. Quando me convidam para um debate na televisão, me dizem: “Que bom, você trabalha desde 1977 nos fenômenos da velocidade. Tem um minuto para explicar-me tudo isso”. Não é possível. Estamos diante de um fenômeno reflexo, mas a democracia reflexa é uma impossibilidade, não existe. A mesma coisa acontece com a confiança. As Bolsas estão em crise porque há uma crise da confiança. E por que há uma crise de confiança? Porque a confiança não pode ser instantânea. A confiança em um sistema político ou financeiro não é automática. A opinião também não pode ser instantânea. Então, os sistemas administrados pelos políticos, inclusive o sistema financeiro, são fenômenos que tendem para o automatismo. A automatização é o contrário da democratização.
A lentidão e a aceleração
Podemos pensar que existem dois mundos paralelos: o mundo da lentidão – o mundo primitivo, que está fora da bolha tecnológica – e o muno da velocidade, o mundo desenvolvido exposto sem freio à atração da velocidade.
Em primeiro lugar, quero dizer que o mundo da velocidade instantânea leva à inércia. De alguma maneira, a lentidão das sociedades antigas anuncia a inércia das sociedades futuras. A rapidez absoluta leva à inércia e à paralisia. A interatividade prescinde do deslocamento físico e da reflexão, por conseguinte, o aumento constante da velocidade nos levará à inércia. O problema já não diz respeito tanto à lentidão ou à velocidade, mas à inteligência do movimento. Quando me perguntam: “Acaso é preciso diminuir?”, eu respondo: “Não, é preciso refletir”.
E qual é o ponto central dessa reflexão?
Devemos refletir sobre o ritmo. Como na música, nossa sociedade deve reencontrar-se com o ritmo. A música encarna perfeitamente uma política da velocidade. Através dos tempos, o ritmo, a música é a própria encarnação da política da velocidade. Devemos elaborar uma musicologia da vida. O problema não consiste tanto em diminuir a velocidade, mas em inventar ritmos sociais, políticos ou econômicos que funcionem. Do contrário, terminaremos na inércia, isto é, na lentidão e na paralisia maiores que as das sociedades do passado, as sociedades sedentárias, rurais. De fato, não necessitamos de uma visão revolucionária, mas de uma espécie de força de revelação.
As regras do jogo colocadas hoje tornam, contudo, impossível retroceder frente à velocidade.
Eu não exponho um trabalho retrospectivo sobre o bem-estar do passado, mas uma reflexão sobre o porvir. Sou um progressista. Por isso, não falo de desacelerar, mas de elaborar uma inteligência do movimento, uma espécie de economia política da velocidade. Isto consiste em reencontrar-se com o tempo. O descontrole do tempo despedaçou o sistema de produção e do trabalho. Constatamos as consequências desta desregulação do tempo na empresa France Telecom, onde os empregados se suicidam. Falta-nos o ritmo. Todas as sociedades antigas eram rítmicas: havia a liturgia, as festas, as estações, a alternância do dia e da noite, o calendário, etc., etc. Mas com a aceleração do real perdemos esta organização rítmica. Vivemos em uma sociedade caótica. A velocidade reduz o mundo a nada. O mundo é muito pequeno para o progresso, muito pequeno para a instantaneidade, a ubiquidade. Esta é uma das grandes questões políticas e um dos grandes desafios do futuro em termos de direitos humanos.
O controle do mundo pelo medo
Seu último livro, A administração do medo, agrega à velocidade outro fator de controle: você afirma ali que o medo é uma arte para governar.
Estamos diante de um acontecimento cósmico. A raiz do medo é o que se chamou de equilíbrio do terror, o medo do fim do mundo engendrado durante a Guerra Fria. Podemos dizer que o primeiro grande medo de destruição em massa tem 40 anos e remonta ao projeto de instalação de mísseis em Cuba, nos anos 1960. Em 2001, entramos em outra fase, que é o desequilíbrio do terror. Depois, com os atentados de 11 de setembro, o desequilíbrio se converte em um terrorismo cego, que pode golpear em qualquer momento e em qualquer lugar com uma potência colossal. Ainda nos encontramos nesse desequilíbrio do terror. Um punhado de indivíduos desarmados pode causar tanto prejuízo quanto um exército. Um grupo de homens pode assim provocar desastres consideráveis com um mínimo de meios. O terceiro grande medo que nos a espreita é o do esgotamento dos recursos naturais. A Terra é muito pequena para o progresso e seus recursos podem ser insuficientes para o futuro. Vivemos com esses medos. A angústia, a falta de esperança, o caráter suicida de muitos jovens têm muito a ver com esta dominação do medo sobre nossas consciências. Enfrentamos um fenômeno de pânico globalizado.
Você tem uma interpretação diferente da ecologia, muito crítica. Não a qualifica como uma ideologia totalitária, mas com as características de um instrumento que está aí para amedrontar.
O medo ecológico se soma ao medo engendrado pela Guerra Fria, ao medo instalado pelo terrorismo. Não sou contra a ecologia, absolutamente. A ecologia é necessária para preservar a Terra. Mas não se pode aceitar o que propõe o discurso ecológico atual, isto é, uma espécie de difusão do medo global. Não esqueçamos que existe uma constante: sempre se infunde medo em nome do bem! É preciso evitar isso. Os ecologistas são tentados a convencer mediante o medo! O discurso ecológico deve imperativamente ampliar seu campo e relacionar a ciência do meio ambiente com a filosofia, com as ciências humanas, com a democracia. Por trás da ecologia há uma ideologia ameaçante, que é a do espaço vital. Quando se pensa no nazismo se o associa com o racismo, mas não com a dimensão do espaço vital. Os nazistas colocavam cartazes que diziam: “Bosque proibido aos judeus”. Tratava-se de um espaço vital. Se quisermos uma ecologia humana, humanitária, devemos desconfiar da dimensão vitalista própria do nazismo. Não sou contra a ecologia, absolutamente. Mas, como filho da guerra total, lembro essa noção de espaço vital que foi a mola propulsora da Segunda Guerra Mundial.
A administração do medo – da bomba, do desastre ecológico, do terrorismo, do desemprego, do imigrante, da insegurança – tornou-se o principal instrumento de gestão política. Dessa estratégia nasceu outra ameaça: a vigilância, o seguimento, a traçabilidade dos indivíduos.
Isso explica o desenvolvimento da televigilância, as propostas para reclamar as pegadas dos indivíduos. Podemos até pensar que, amanhã, a noção de identidade, de documento de identidade, será substituída pela traçabilidade das pessoas. Uma vez que se controlam todos os movimentos de um indivíduo, a questão de sua identidade perde todo interesse. Basta obter informações sobre seus movimentos e a velocidade para localizar a pessoa ou o produto. A traçabilidade é um elemento inquietante da vigilância. O medo sempre foi um instrumento para governar.
Em A administração do medo você ressalta que a propaganda em torno desse grande Eldorado que são as novas tecnologias é também vetor do medo porque anestesia as pessoas.
Albert Einstein dizia: “Nossa tecnologia ultrapassou a nossa humanidade”. Está óbvio que as tecnologias representam hoje uma ameaça na medida em que não controlamos o progresso. Os avanços tecnológicos deixaram de ser controlados pela humanidade.
A força da velocidade, do medo, da tecnologia, de metas eficazes, da aspiração a resultados, de estratégias de gestão, o sonho tecnológico de um ser humano melhor desembocou em uma humanidade ameaçada pelas próprias máquinas que cria.
Sim, sem dúvida. O homem começa a estar sobrando. Assistimos agora a uma retomada econômica sem empregos. Já se fala de inativos crônicos e não de desempregados conjunturais. A corrida atrás de produtividade substitui os produtores, isto é, o trabalho do ser humano. Nossa civilização está ameaçada. O respeito pelos direitos humanos está sendo questionado. Necessitamos de um esquema de pensamento diferente para evitar a catástrofe. Precisamos elaborar um pensamento político da velocidade.
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