Londres — O premier britânico, David Cameron, defendeu a regulação da imprensa por um órgão independente, causando arrepios até dentro de seu próprio Partido Conservador, mas ganhando aplausos inclusive da oposição. A sugestão foi feita na véspera da publicação, nesta quarta-feira, do resultado do inquérito sobre as escutas ilegais praticadas por jornais do magnata Rupert Murdoch. Antes de o premier discursar, um grupo de 86 parlamentares - a maioria conservadores - divulgou um texto em defesa da liberdade da expressão. A questão já é dada como o maior desafio do mandato de Cameron, que enfrenta prognósticos ruins sobre a reeleição em 2015.
A legislação do Reino Unido contra abusos da imprensa é uma das mais duras do Ocidente. O controle é realizado pelo Conselho de Reclamações da Imprensa (PCC, na sigla em inglês), formado pelos próprios órgãos de comunicação. Mas o sistema é considerado ineficaz, e 79% dos britânicos defendem a criação de uma entidade independente de regulação, segundo uma pesquisa da YouGov - o que indica o peso que a decisão do premier sobre o assunto terá. Essa deve ser a proposta do inquérito Leveson, aberto a mando de Cameron para investigar as escutas ilegais.
- Uma das principais coisas que o inquérito avalia é como se pode ter um sistema regulatório forte, independente, de forma a não precisar esperar pelos trâmites da Justiça criminal ou o sistema de (controle) de difamação (atual) funcionarem - disse o premier ao Parlamento. - O que importa é chegar a um sistema regulatório independente em que possamos confiar.
O líder trabalhista Ed Miliband comemorou, e pediu uma “mudança real”. Mas o conservador Philip Davies alertou que Cameron poderia ser lembrado como “o primeiro-ministro que introduziu a regulação estatal da imprensa”. Ele argumentou que não há meio termo nesse ponto:
- Imprensa livre é uma parte essencial da democracia e você concordaria que regulação da imprensa é igual gravidez: assim como se está ou não grávida,ou se tem regulação estatal ou não - afirmou Davies.
A divisão causada pelo assunto é tamanha que o próprio vice-premier, o liberal Nick Clegg, pediu para fazer um pronunciamento separado do de Cameron hoje no Parlamento, insinuando que pode haver divergências entre os dois partidos da coalizão governista - algo inédito desde que a aliança foi formada.
Racha entre conservadores
Os jornais “Daily Telegraph” e “Guardian” publicaram nesta quarta-feira o manifesto dos 86 parlamentares, incluindo nove ex-ministros, que disseram se “opor à imposição de qualquer forma de controle externo” da mídia. Isso seria impossível, diz o texto, sem um licenciamento estatal da imprensa, algo abolido em 1695 no país e “inimigo de qualquer ideia de liberdade de imprensa”.
Antes da publicação desse texto, um outro grupo de 42 parlamentares conservadores havia divulgado um outro, favorável a uma maior regulação dos jornais.
Cameron não deixou claro se seria favorável a um controle estatal ou não, mas argumentou que “a imprensa livre é absolutamente vital para a democracia” e que, independente da mudança feita na regulação, “queremos uma imprensa livre e robusta em nosso país”.