- Acossada por Apple e Google, a empresa de Bill Gates muda de estratégia e investe em dispositivos móveis
- ANDRÉ MACHADO (EMAIL)
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RIO — O mundo da Microsoft mudou, e muito. Antes a dona do pedaço no setor de tecnologia — em 1999 chegou a ter o maior valor de mercado da história para uma empresa americana, US$ 620,5 bilhões (batido pela Apple em 2012, com US$ 623,1 bilhões) —, passou os últimos anos tentando se reinventar para fazer face a uma indústria de tecnologia totalmente diferente dos tempos em que o software imperava. O advento da internet móvel, em smartphones e tablets, e a cultura dos serviços de nuvem web e mídias sociais, com Google e Facebook à testa, acordou o gigante fundado por Bill Gates e Paul Allen para uma nova era.
Na tentativa de se adaptar aos tempos atuais, a Microsoft fez vários movimentos: primeiro, a aliança com a Nokia a partir de 2011 para tentar firmar o Windows Phone face à concorrência de iOS e Android; no mesmo ano, veio a compra do serviço de voz sobre internet Skype; finalmente, o Windows 8, lançado em outubro passado, representou uma verdadeira revolução na interface de janelas tão conhecida dos usuários, combinando funções desktop e de touch. A guinada em direção à mobilidade se completa com a chegada (lá fora, ainda não há planos para cá) dos tablets Surface e Surface Pro, que pretendem entrar na corrida com as outras gigantes pela preferência do usuário.
— Realmente houve uma mudança de estratégia para nós — admite Cristina Palmaka, diretora de Canais para o Consumidor da Microsoft Brasil, em entrevista ao GLOBO. — A Microsoft, que sempre foi uma empresa de software, percebeu que não poderia ser feliz, nem completa se não investisse na parte de dispositivos móveis e serviços. Claro, o software permeia tudo isso, mas é agora inerente à nova estratégia.
Segundo Cristina, a presente realidade techie vem transformando a maneira como a empresa se dirige ao mercado.
— As novas tendências mudam nossas conexões com os fabricantes de hardware, e mudam também nossa forma de olhar o próprio software, que tem de ser integrado aos diversos dispositivos. A ideia do Surface faz parte disso. É um momento desafiador e único — avalia.
As novidades, entretanto, ainda não calaram fundo na alma dos consumidores. Recentemente, Walt Mossberg, um dos mais respeitados críticos americanos, fez uma crítica ao Surface Pro, definindo-o como um dispositivo que fica no meio do caminho entre um notebook e um tablet, não satisfazendo nenhum dos dois propósitos. Os resultados das vendas do Surface não fizeram parte do anúncio dos resultados dos lucros da Microsoft no último trimestre (que recuaram 3,7% em relação ao mesmo período do ano anterior, para US$ 6,4 bilhões), mas, segundo a Reuters, a consultoria IDC as estimou em apenas 900 mil unidades (contra 23 milhões de iPads vendidos pela Apple no mesmo trimestre). E a fatia de mercado do Windows Phone ainda é 2%, bem abaixo de Android e iOS, segundo a mesma consultoria.
Apesar disso, a Microsoft segue firme com as vendas do Windows e do Office, em especial as corporativas. O sistema operacional continua em 90% dos computadores pessoais no mundo. No último trimestre, elas aumentaram 24%, faturando US$ 5,9 bilhões, puxadas pela chegada do Windows 8, que vendeu 60 milhões de licenças, em linha com o resultado inicial da versão anterior, o Windows 7.
— Mesmo com crescimento baixo nas novas frentes, a força da Microsoft no mercado corporativo e nos PCs consegue mantê-la bem — avalia Roberto Nogueira, professor e coordenador do Centro de Estudos em Estratégia e Inovação da Coppead/UFRJ.
Segundo Nogueira, desde o início da era dos PCs a empresa se firmou nesse padrão de mercado, primeiro nos anos 80 com o MS-DOS, e depois com o Windows (cuja interface gráfica já não era novidade, pois surgiu no PARC da Xerox nos anos 70 e já era usada nos Macs) nos anos 90.
— Ela conseguiu se tornar um padrão para os usuários, e consequentemente, os desenvolvedores começaram a programar massivamente para o seu sistema. Assim, apesar de não ter o melhor produto, nem o mais barato, conseguiu se estabelecer e dominar o mercado de PCs — diz.
A dificuldade da Microsoft, para o especialista, está ligada ao fato de nunca ter realmente apresentado inovações, ter sido sempre uma seguidora.
— Quando a internet chegou, em meados dos anos 90, Bill Gates desdenhou dela inicialmente — lembra Nogueira. — Só depois lançou o navegador Internet Explorer, que tirou o Netscape no mercado. Agora, perdeu o bonde da mobilidade, e foi preciso uma parceria com a Nokia para que pudesse aparecer um pouquinho no jogo.
Segundo Marcos Cavalcanti, coordenador do Centro de Referência em Inteligência Empresarial (Crie) da Coppe/UFRJ, a Microsoft está meio perdida, atirando para todos os lados, porque ainda se apega a seu modelo original e não se apercebe de dois fatores fortes de mudança: a digitalização da economia e as redes de usuários.
— A estratégia da Microsoft sempre foi proprietária, preconizando que o usuário se valesse apenas de seus produtos, e não liberando muito acesso. Sempre resistiu à gratuidade, ao contrário de uma empresa como a Google, que pensou em atrair o máximo de pessoas para seu serviço, gratuitamente, de modo que se constituíssem redes de usuários, com interação entre as pessoas, para depois faturar com o modelo de anúncios personalizados — explica.
O dinheiro, diz Cavalcanti, é ganho hoje com as informações obtidas dos usuários — quem interage com quem, os gostos, os desejos, os planos, e assim por diante.
— Google e Facebook estão correndo atrás disso, se enchendo de dados, enquanto a Microsoft ainda não mudou — afirma.
A gigante do software, no entanto, está correndo atrás com afinco. A chave da aposta, para Cristina Palmaka, é a integração de seu ecossistema.
— O Windows 8 é emblemático aí, por ser um sistema que abrange múltiplas plataformas (PC, tablet, smartphone, até o Xbox) e permite a integração entre elas. Por exemplo, com o usuário assistindo a um filme que pode começar na TV e passar para o tablet ou celular. — afirma Cristina. — E também estamos atento aos serviços de nuvem para concorrer com a Google — o Windows Phone 8, o Windows 8 e o novo Office estão todos pautados pelo uso da computação em nuvem.
Celso Wisnik, gerente geral de Windows Phone no Brasil, lembra que a estratégia atual da Microsoft visa ainda a incrementar o lado do desenvolvimento de software.
— O Windows Phone 8 e o Windows 8 partem do mesmo núcleo, o que oferece uma vantagem aos desenvolvedores, pois é possível reaproveitar parte do código — diz Wisnik.