Escrito por: Elizângela Araújo/Fotos: Antônio Augusto, Câmara dos Deputados
Comparando o cenário nacional ao de outras democracias do mundo, estamos décadas atrasados no debate sobre o estabelecimento de limites à propriedade e controle das empresas de mídia
Os projetos de lei 4.026/04 e 6667/09, debatidos em audiência pública sobre limites à concentração econômica dos meios de comunicação na Câmara dos Deputados, nesta quinta (11/6), regulamentam o Art. 220 da Constituição Federal. O dispositivo constitucional estabelece que é livre a manifestação de pensamento, a criação, a expressão e a informação, especificando, em seu Parágrafo 5º, que os meios de comunicação não podem ser objeto de monopólio ou oliogopólio, direta ou indiretamente.
Comparando o cenário nacional ao de outras democracias do mundo, estamos décadas atrasados no debate sobre o estabelecimento de limites à propriedade e controle das empresas de mídia. Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido, por exemplo, possuem mecanismos legais que impedem o que hoje acontece no Brasil: uma concentração brutal do mercado de radiodifusão.
Estados Unidos
A regulação do setor de comunicação nos Estados Unidos, berço do Liberalismo, obriga a Comissão Federal de Comunicações (FCC, por sua sigla em inglês), órgão regulador do mercado, a rever as regras relativas à concentração econômica no setor a cada quatro anos. Lá, um mesmo grupo não pode deter mais que 39% da audiência dos domicílios. Além disso, estão proibidas fusões entre as quatro principais redes: ABC, CBS, Fox e NBC. O país não permite a propriedade cruzada como temos no Brasil. "Ela é permitida apenas no caso de emissoras locais, porém, com limites que variam conforme o número total de emissoras independentes existentes no mercado local. "Quanto mais estações, maior é o número de emissoras que podem pertencer a um mesmo grupo", complementa Octávio Pieranti, assessor da Secretaria Executiva do Ministério das Comunicações (MiniCom).
Pieranti apresentou um quadro comparativo para contextualizar os projetos em discussão pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) nos contextos nacional e Internacional. "Obviamente não estamos propondo a simples cópia de leis internacionais para o Brasil, mas é importante contextualizar a discussão para subsidiar o avanço que precisamos fazer no nosso sistema", observou.
Reino Unido
No Reino Unido, o Ofcom, que é o órgão regulador do setor de comunicações, também precisa rever as regras periodicamente, a cada três anos. Na revisão de 2009, embora tenha removido os limites estabelecidos para o total de outorgas de emissoras de rádio locais controladas por um mesmo grupo, o Ofcom manteve regra que permite ao secretário de Estado (ministro) vetar fusões de empresas de mídia. No mesmo ano, o órgão também permitiu a propriedade cruzada, em nível local, desde que um grupo não disponha de um jornal local com mais de 50% do mercado potencial ao mesmo tempo que detenha emissoras de rádio e TV retransmissoras do Canal 3 (principal canal de TV privado do país); por outro lado, manteve impedimento de propriedade cruzada entre o Canal 3 e jornais nacionais, e a separação entre as fontes de financiamento do Canal 3 e da BBC.
A regulação do setor de comunicação do Reino Unido também veta licença de retransmissão do Canal 3 a empresas que controlem um jornal nacional com mais de 20% do mercado. Essas empresas também não podem deter participação superior a 20% em outorga destinada a retransmiti-lo.
Alemanha
Outro país que impõe limites à concentração da propriedade de empresas de mídia é a Alemanha. De acordo com as informações prestadas pelo representante do MiniCom, caso um grupo econômico tenha posição dominante no mercado não pode receber nova licença nem adquirir parte de outra. Além disso, essas emissoras devem veicular mais programação independente e instalar um comitê de assessoramento que permita traçar políticas públicas de garantia do pluralismo. A posição dominante é caracterizada se todos os meios de comunicação da mesma empresa, considerando todas as suas participações, têm audiência anual de 30% do público ou 25% em um mercado relevante.
Para o assessor do MiniCom, a face mais evidente dessas normas internacionais é a tentativa de garantir o pluralismo, de viabilizar à sociedade acesso ao maior número de meios de comunicação. A menos evidente, embora não menos importante, é estimular a competição, permitir que a segunda, terceira ou quarta redes possam não só ter condições de sobrevivência como também expectativas de crescimento, “ou seja, criar um ambiente saudável, do ponto de vista econômico, para que essas empresas possam gerar empregos, movimentar a economia e desenvolver seu trabalho”.
Brasil
O Brasil, historicamente, expediu novas outorgas considerando apenas sua viabilidade técnica. O Ministério das Comunicações e os órgãos reguladores que o antecederam avaliavam se havia um canal disponível naquela cidade e outorgavam, ou não, de forma discricionária, a emissora.
Segundo Pieranti, não foram feitas análises sobre a capacidade dos mercados locais responsáveis por sediar as novas emissoras. Ou seja, determinado mercado é capaz de abarcar uma nova emissora comercial? O contexto local justifica uma nova emissora? Não se fazia essas análises. "Agora é que a gente começa a deflagrar um processo, muito vinculado a demanda do Tribunal de Contas da União (TCU), que tem a obrigação de enfocar aspectos econômicos no que se refere a novas outorgas."
CCTCI ainda não recolocou propostas em votação
Os projetos de lei 4.026/04 e 6667/09 ainda não têm data para voltar à pauta da Comissão de CCTCI. A recolocação das propostas na pauta da comissão é uma prerrogativa do presidente, deputado Fábio Sousa (PSDB-GO), que não participou da audiência pública. Por telefone, a secretaria da comissão informou que pelo menos na pauta da próxima reunião não foi incluída a apreciação das propostas.
Audiência pública
A audiência pública foi requerida pela deputada Luiza Erundina (PSB-SP) após o deputado Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG), relator dos projetos de lei 4.026/04 e 6667/09, ter emitido parecer contrário à sua aprovação. Além de Pieranti, também participaram o FNDC, representado por Bia Barbosa; Ana Carolina Lopes de Carvalho, assessora da presidência do Cade; e Murilo César Ramos, coordenador do Laboratório de Políticas de Comunicação (LapCom) da Universidade de Brasília (UnB). A reunião foi presidida pelo deputado Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP).