Coluna Maurício Stycer
Mais do que uma série de muito sucesso, "Game of Thrones" está aí para nos lembrar de que a TV tradicional ainda tem algumas armas poderosas na luta contra as mudanças impulsionadas pela revolução digital. E nem estou me referindo ao dragão que virou zumbi no final do penúltimo episódio desta temporada.
O programa da HBO mostra que o hábito de ver televisão à moda antiga permanece forte. Por "à moda antiga" me refiro ao compromisso de se sentar diante do aparelho no dia e na hora estabelecidos pelo canal. A batalha de Jon Snow e seu Esquadrão Suicida contra o exército de mortos-vivos comandado pelo Rei da Noite foi vista por 10,24 milhões de fãs no último domingo (20) nos Estados Unidos.
Só para ter uma ideia, a primeira temporada da série, lançada em 2011, teve média de 2,52 milhões de espectadores ao vivo por episódio nos EUA. A segunda, de 3,8 milhões. Crescendo ano após ano, o último episódio da temporada de 2016 foi visto por 8,9 milhões de pessoas na hora em que foi exibido.
Friso o "ao vivo" porque a audiência hoje leva em conta também os números registrados por quem grava os episódios para ver depois e os acessos aos aplicativos on-line. No caso de "Game of Thrones", o número total por episódio mais que dobra sete dias depois da exibição original.
Ainda assim, é preciso tirar o chapéu para a HBO por revigorar a experiência "comunitária" de assistir televisão. Não mais na sala de casa, mas nas redes sociais. Cada episódio de "Game of Thrones" gera enorme burburinho no Twitter e em toda uma mídia satélite à TV, que produz conteúdo em tempo real.
O canal foi muito competente em sua estratégia nas mídias sociais, produzindo material para os fãs nos longos intervalos entre o fim de uma temporada e o início de outra. Entre 2011 e 2016, foram apenas dez episódios por ano –em 2017, menos ainda: sete. Outros sete ficaram guardados para 2018.
O programa tem hoje cerca de 33 milhões de fãs nas principais redes sociais –a metade foi conquistada nas últimas três temporadas.
Uma outra questão que o sucesso de "Game of Thrones" levanta diz respeito à imagem da HBO.
A série mais popular de sua história é justamente aquela que subverte totalmente a lógica da programação do canal –quase inteiramente voltada para temas realistas, que discutem questões contemporâneas, normalmente com um ponto de vista progressista.
Como escrevi aqui em abril, no livro "The HBO Effect", lançado em 2014, o professor e crítico Dean J. DeFino reconhece que a aposta nesta série com um pé no mundo mágico pode parecer "oportunismo", uma forma encontrada pelo canal para sobreviver em um momento de muitas mudanças no mercado.
Ainda assim, DeFino enxerga em "Game of Thrones" pontos de contato com o histórico de séries da HBO, como personagens com moral ambígua, ambição narrativa e produção de altíssima qualidade, que dialoga com as novas gerações. Pode ser.
Mas o penúltimo episódio desta temporada mexeu com a convicção de muitos fãs. Ao costumeiro banho de sangue e às situações forçadamente enigmáticas, somaram-se uma sucessão de cenas absurdas, sem lógica alguma, e altas doses de sentimentalismo, que lembraram novelas brasileiras.
O destino do dragão que virou zumbi será conhecido neste domingo. Qualquer que seja o desfecho dessa trama, no entanto, a sétima temporada de "Game of Thrones" deixa a lição de que a TV tradicional está viva e forte.