segunda-feira, 23 de maio de 2011

É a tecnologia estúpido !


O GLOBO - RJ                                                                 
ECONOMIA23/05/2011

Dependentes de gadgets, usuários se esquecem de coisas simples e raciocinam menos
 
André Machado
O professor do MIT Nicholas Carr já disse em seu livro “The big switch” que a internet está nos deixando mais burros e dificultando o aprendizado. Agora, o jornalista especializado em TI Robert Vamosi, autor de “When gadgets betray us” (“quando os gadgets nos traem”), defende que não só a rede, mas nossa dependência crescente de PCs, celulares, tablets e afins está afetando nossa capacidade de raciocinar. Num trecho do livro, ele dá o exemplo de uma mulher tão concentrada no GPS de seu smartphone no interior da Inglaterra que, ao parar o carro e abrir a porteira de uma fazenda que a levava a seu destino, não viu que estacionara sobre uma linha de trem. Logo uma composição passou em alta velocidade e esmagou seu carro, a metros dela. “Pude sentir o vento no meu rosto”, contou ela.

O vício em internet (em inglês, internet addiction disorder) já afeta entre 5% e 10% dos internautas, segundo números da Universidade de Harvard, nos EUA. Estudos do Centro para Comportamento na Internet acrescentam que 6% dos usuários são propensos a compulsão ao acessarem serviços como sites de sexo, jogos, apostas e compras. Já há centros para tratar essa dependência como o ICAS (Internet and Computer Addiction Services) e o reSTART Internet Addiction Recovery Program, que tem até 12 passos que lembram um pouco os dos Alcoólicos Anônimos.

— Relatos de pais sobre a vida tecnológica de seus filhos demonstram que isso acontece com frequência — confirma o psiquiatra Maurício Tostes, do Hospital da UFRJ. — É preciso observar se a compulsão não é uma fuga de frustrações no trabalho, no estudo ou na vida pessoal.

‘Não sei nem mais o telefone de casa’ 
Entre os efeitos da dependência está a perda de velhos hábitos. Por exemplo: com memórias cada vez mais abundantes nos equipamentos, criam-se agendas intermináveis e a antiga capacidade de decorar números acaba ficando de lado.

— Eu não sei mais nem o número de telefone da minha casa — confessa Alexandra Monteiro, diretora do Laboratório de Telessaúde da UERJ. — Creio que isso se deve às limitações de nossa memória cerebral, que, na nossa geração, não foi “treinada” para isso e vem perdendo as funções fisiológicas de armazenamento com o estímulo das diversas mídias.

Bruno Salgado, diretor da empresa de consultoria de segurança Clavis, está tão dependente da tecnologia em sua vida que, numa viagem a São Paulo na semana passada, usou a internet até dentro do táxi, todos os dias.

— Eu e meus colegas tínhamos dois eventos para ir — conta. — Mesmo sem saber o endereço, entrávamos no táxi e pedíamos que nos levasse a determinado bairro. Durante o trajeto, checávamos o endereço pela internet e o passávamos ao motorista. Também usávamos a web e o GPS para achar restaurantes nas redondezas de nosso hotel e verificávamos on-line o que havia no cardápio.

Salgado lembra que hoje nem mesmo um apagão impede a navegação on-line, via notebooks e smartphones — pelo menos até o fim da bateria.

A dependência — que pode, segundo as instituições especializadas, ocasionar compulsões específicas como o vício em teclar SMS — é mais visível na geração Y, que já nasceu conectada à rede e vive em função das redes sociais e afins. É o caso da estudante universitária Gabriela Caesar, tão apaixonada por seu iPhone que quase esqueceu a matemática.

— Nas aulas de matemática na escola era proibido usar calculadora. Quando saí do colégio desaprendi a fazer conta — admite. — Uso a calculadora do iPhone para calcular qualquer coisa, como média de determinada matéria da faculdade. Quando recebo troco? Não confiro. E não sou a única, com colegas às vezes acontece o mesmo.

Gabriela tem todos os seus contatos no iPhone, e usa intensamente o calendário para anotar tudo o que tem de fazer, além de dados das matérias na faculdade. Diz que não precisa se lembrar de nada, pois tem tudo no aplicativo, que a avisa. E é igualmente unha e carne com o Google.

— Conheço alguém, ouço algo, já jogo no Mr. Google, o gênio da internet. Também procuro nele informações sobre mim, sobre minha imagem — diz. — E, de novo, não estou só. Você acha que o funcionário do RH que vai me contratar um dia não fará o mesmo?

O mais recente grude de Gabriela é o iPad 2. Segundo ela, é impossível sair de casa sem checar o Twitter e os e-mails nele. Se vivesse nos EUA, certamente a estudante faria parte dos 35% dos usuários de smartphones que já os checam antes de levantar da cama, segundo pesquisa da Ericsson.

Para a professora do Departamento de Informática da PUC-Rio Karin Breitman, as agruras e delícias de nosso relacionamento com a computação já eram previstas nos anos 60 pelo teórico da comunicação Marshall McLuhan, cujos ensinamentos vêm sendo resgatados agora, em pleno mundo digitalizado.

— Numa frase de 1962, ele já dizia que o computador “apanharia a função enciclopédia do indivíduo e a jogaria numa linha privada com dados rapidamente gerados, e vendáveis” — lembra Karin.

Já para Henrique Cukierman, professor do Programa de Engenharia de Sistemas e Computação da COPPE/UFRJ, toda vez que surge um fato novo na história da humanidade, ganha-se e perde-se algo.

— Quando o homem começou a andar ereto, seu equilíbrio ficou mais instável, mas ele ganhou o movimento de pinça nas mãos e pôde usar a boca para articular a fala — afirma Cukierman. — Da mesma forma, com a tecnologia digital, ganha-se em algumas áreas e perde-se em outras. Além do mais, a vida do ser humano no coletivo depende de artefatos. Estou falando com você por um deles (o telefone) agora mesmo.

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