terça-feira, 27 de março de 2012

Rebobine, por favor

A fita cassete faz 50 anos resistindo à era digital através de pequenos selos, aplicativos e produtos de consumo pop


Carlos Albuquerque
carlos.albuquerque@oglobo.com.br

Uma charge que circula pela internet mostra um walkman de capa e capacete pretos falando para um iPod branco: “I am your father” (Eu sou o seu pai), numa alusão à célebre frase de Darth Vader para Luke
Sywalker no filme “O império contra-ataca”, de George Lucas. A brincadeira ganha um sentido todo especial em 2012, quando a fita cassete completa 50 anos. Enquanto o aparelho criado da Sony parou
de ser produzido no Japão em sua versão original em 2010, a pequena
fita cassete, inventada pela Philips em 1962 e carinhosamente
apelidada de K7, resiste ao seu fim várias vezes anunciado.
Em pleno reinado dos players digitais, ela respira sem a ajuda de
aparelhos, mantendo-se através de pequenos selos no Brasil (como o
mineiro Pug Records) e no exterior, sempre em tiragens
limitadíssimas. Além disso, sua imagem e seu formato ainda inspiram
de aplicativos — como o Stereolizer, que simula um rack de gravação
em cassete — a obras de arte — como as criações da artista americana Erika Iris Simmons, feitas com pedaços de fita —, além de vários
produtos de consumo pop.
— Sou louco por fitas cassete e tenho uma grande coleção que escuto
no toca-fitas que ainda tenho no carro. Meus caronas nem acreditam
quando descobrem isso — garante o cantor americano de folk rock Kurt
Vile, que se apresenta no dia 13 de abril, no Circo Voador, ao lado de
Thurston Moore, do Sonic Youth, autor do livro “Mix tape: The art of
cassette culture”, lançado em 2005. — Quero fazer como os meus
amigos do Dinosaur Jr. e relançar meus discos em cassete. Esse
formato é parte da História da música.
Vile se refere à iniciativa do Dinosaur Jr, um dos mais amados grupos
de rock alternativo dos Estados Unidos, que relançou, no fim do ano
passado, três álbuns no hoje inusitado formato de fitas cassete.
Intitulada “The cassete trilogy”, a caixa, de apenas 500 cópias, trazia
os discos “Dinosaur”, “You’re living all over me” e “Bug”.
Em 2011, outros dois grupos também entraram nessa onda retrô. O
Animal Collective lançou uma fita cassete com quatro músicas inéditas.
O Of Montreal foi mais longe e lançou, em outubro, uma caixa (de
madeira) contendo dez discos da banda em versão cassete. As
iniciativas replicam, de certa forma, uma outra, bem anterior, feita
pelo Radiohead, que, em 1997, quando os CDs já dominavam o
mercado, lançou “Ok Computer” também nesse formato — a fita pode
ser encontrada, ainda hoje, na Amazon.
Dois anos depois, já escasseando nas lojas, a fita cassete foi o meio
encontrado por um grupo brasileiro para se lançar para o estrelato
indie.
— Na época, uma cópia em CD não era tão fácil ainda. Marcelo
(Camelo) e eu colecionávamos fitas-demo das bandas de que
gostávamos; esse era, então, o meio mais natural para a gente lançar
o Los Hermanos — conta Alex Lerner, produtor do grupo. — As fitas
eram feitas manualmente num double-deck lá de casa. Todo o dinheiro
que ganhávamos com a venda era reinvestido na compra de novas TDK
60.
— Lembro que lançamos três fitas: duas com cinco músicas inéditas em
cada e uma coletânea das duas — completa o baterista Rodrigo Barba.
— Eu tenho um 3 em 1 no qual ainda dá para escutar todas essas fitas.


sexta-feira, 9 de março de 2012

Reedição de discos antigos supera lançamento de inéditos no Brasil


Levantamento mostra que gravadoras consideram o passado menos arriscado que o presente


RIO - A observação atenta dos CDs de artistas brasileiros que chegam ao mercado não deixa dúvidas: o passado é cada vez mais presente. Desde as caixas que reeditam obras completas dos grandes nomes da MPB, passando pelas raridades do samba e das primeiras décadas da canção no Brasil e chegando às pérolas obscuras ou consagradas do rock nacional, a impressão que se tem é que a indústria fonográfica hoje lança mais CDs antigos reeditados do que produtos inéditos. Impressão que se confirma num levantamento feito pelo GLOBO junto a quatro gravadoras (Sony, Universal, Warner e Biscoito Fino), somente levando em conta CDs (DVDs e Blu-Ray não foram considerados) de artistas brasileiros lançados desde janeiro de 2011 — e acrescentando o planejamento até o fim de 2012. A proporção é de 55% de relançamentos contra 45% de lançamentos - uma conta confirmada por executivos da indústria fonográfica.
Há muitas razões para o fenômeno — que se repete em todo o mundo, notam os executivos. Uma delas é levantada por José Celso Guida, diretor executivo da Biscoito Fino — gravadora que investe pouco em relançamentos até por ser jovem, de pouco mais de uma década, e não dispor de um catálogo enorme.
— Para se produzir um CD novo ainda se gasta muito, e o retorno demora e é incerto. Algumas gravadoras podem escolher não ter risco e se capitalizar com produtos antigos — argumenta. — É o momento que estamos passando. É aquela história: durante o nevoeiro, o marinheiro leva o barco devagar. Neste momento de maré baixa, é até prudente investir menos. Há um crescimento no mercado digital, mas no físico não. Quando se fala em crescimento do físico, ele se dá por conta de fenômenos como a Paula Fernandes, não é generalizado.
O aumento da participação no mercado de um consumidor mais exigente, que procura comprar os discos originais, também provocou o fortalecimento das reedições. O momento atual vem sendo alimentado ao longo da última década, quando o formato das coletâneas — que teve um sucesso incontestável nos anos 1990 — entrou em decadência.
— A primeira leva de reedições veio com a chegada do CD — lembra José Eboli, presidente da Universal Music Brasil, traçando um histórico. — Aquela foi uma época áurea para a indústria: com um novo formato, ela começou a vender de novo aqueles discos para as pessoas que já os tinham. Depois veio a fase das séries de coletâneas, como "Millennium", "Personalidade", cada gravadora tinha as suas. Isso foi explorado à exaustão, e os clientes passaram a recusar porque era sempre mais do mesmo. Às vezes, um mesmo artista tinha coletâneas parecidas lançadas por gravadoras diferentes, era confuso. Com a fonte das séries secando, começaram os relançamentos mais bem produzidos. Aí entrou o trabalho dos pesquisadores especializados, para valorizar esses produtos com um olhar diferente, o levantamento de raridades.
Pesquisadores como Charles Gavin, Rodrigo Faour e Marcelo Fróes estão por trás de várias reedições, em parcerias com as majors. Com seu selo Discobertas, Fróes é um dos responsáveis, talvez o maior na esfera independente, pela atual enxurrada de relançamentos. Só de 2011 para cá, ele pôs nas lojas (em caixas ou em CDs avulsos) artistas como Celly Campello, Zimbo Trio, Ed Lincoln, Moreira da Silva, Xangô da Mangueira e Candeia. Outra independente que procura valorizar os arquivos da música brasileira é a Joia Moderna, do DJ Zé Pedro. Ela já relançou CDs de Vanusa, Lecy Brandão e Edy Star, entre outros.
A tendência não parece dar mostras de enfraquecimento em 2012. Há produtos fortes no planejamento das gravadoras: o relançamento de "Transa", de Caetano Veloso, e de uma caixa com a discografia de Chico (ambos na Universal); a reedição da obra de Luiz Gonzaga (Sony); a coleção completa de álbuns dos Titãs (Warner). Em todos os casos, o material traz bônus, algo que Sergio Affonso Fernandes, presidente da Warner Music Brasil, chama de "aprofundamento do olhar sobre o catálogo".
— As edições dos Titãs serão especiais — adianta Sergio Affonso. — Teremos uma totalmente inédita do "Cabeça dinossauro", por exemplo.
iTunes: novo olhar sobre os catálogos
Há uma força simbólica no fato de haver mais relançamentos que lançamentos no mercado da música brasileira. Mais do que isso, nota o diretor da Biscoito Fino:
— Relançamento demais é estagnação. Mas não acredito que seja esse o caso com o mercado brasileiro.
O fantasma da estagnação é afastado, explica Eboli, quando se olha a importância das reedições e dos produtos inéditos no faturamento da gravadora:
— A conta mais importante para nós é a do número de vendas. O ideal é que ela esteja dividida com 60% do faturamento de produtos novos e 40% para catálogo. É claro que isso varia, mas se for muito diferente disso, por exemplo o contrário, é preocupante. Porque significa que você não está produzindo hoje o catálogo para o futuro.
O presidente da Warner acrescenta:
— Normalmente, a reedição é para compor venda, não é um produto que faz uma diferença fundamental no faturamento. Mas é claro, se você bota 35 títulos juntos no mercado e cada um vende duas mil unidades, você tem 70 mil discos vendidos, o que é considerável.
Há um dado novo na relação das gravadoras com o catálogo. A chegada do iTunes ao Brasil promete um novo olhar sobre o material que eles possuem em seus arquivos.
— O iTunes te obriga a olhar para o catálogo, porque você tem que digitalizar, disponibilizar tudo. E mexer ali te leva a pensar em novas reedições — nota Sergio Afonso.
Eboli foi avisado pelos diretores da Universal internacional sobre a força do catálogo para o iTunes, mas mesmo assim se surpreendeu.
— Discos como "Elis & Tom" foram top ten — conta.
O digital, aliás, é visto por ele como o possível futuro dos catálogos. O executivo crê que as atuais reedições, como aconteceu com as coletâneas, entrarão em decadência:
— Vai chegar uma hora em que o atual formato de reedições vai se esgotar também. Estamos chegando perto do esgotamento da exploração desse catálogo com produtos físicos.