quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Governo promete digitalização de cinemas até 2014




ANDRÉ MIRANDA (EMAIL · FACEBOOK · TWITTER)
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RIO - Atrasado no processo de digitalização dos cinemas, o governo definiu uma nova meta para que todas as salas do país recebam equipamentos digitais e aposente definitivamente os projetores analógicos: 2014. A data foi estipulada ontem, num evento no Rio em que foi anunciada uma nova linha de investimento do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) no valor de R$ 140 milhões — haverá, ainda, um aporte não reembolsável de R$ 6 milhões para empresas exibidoras de pequeno porte. O recurso será todo voltado para que os cinemas brasileiros possam instalar novos equipamentos: hoje, apenas 30% das cerca de 2.500 salas nacionais estão digitalizados, um percentual bem abaixo dos quase 70% da média mundial.
O custo da digitalização será pago ao longo dos anos seguintes em parte pelos próprios exibidores, em parte pelas empresas distribuidoras. O modelo adotado pelo Brasil é o do VPF (Virtual Print Fee), comum em outros países, em que o distribuidor faz um pagamento por cada filme que seja beneficiado pelas salas digitais. O retorno do financiamento ao governo terá uma carência de até 24 meses e será isento de juros para grupos exibidores com menos de dez salas. Para aqueles com mais de dez salas, os juros serão de 3%.
O agente financeiro do programa será o BNDES, e a proposta ainda será beneficiada pela desoneração fiscal na compra de equipamentos permitida pelo Regime Especial de Tributação para o Desenvolvimento da Atividade de Exibição Cinematográfica (Recine), em vigor desde o ano passado.
— A meta de 2014 é ambiciosa, mas é possível. A linha só está sendo lançada agora porque, no ano passado, sentimos que era preciso mais articulação entre exibidores, distribuidores e os integradores (agentes econômicos que vão intermediar a negociação) — explicou Manoel Rangel, diretor-presidente da Agência Nacional de Cinema, órgão que gerencia do Fundo Setorial do Audiovisual. — Hoje, podemos dizer que vamos trabalhar para que nenhuma sala feche neste processo de digitalização. E esperamos ter, até 2015, 3.250 salas de cinema no Brasil.
A ministra da Cultura, Marta Suplicy, também participou do evento de anúncio do investimento na digitalização, mas acabou deixando o local irritada com jornalistas. A razão foram perguntas sobre a situação da sede da Biblioteca Nacional, no Rio, com problemas estruturais e sem ar-condicionado desde maio do ano passado.
— Vocês só querem falar de coisas ruins — disse Marta, antes de virar as costas e sair, recusando-se a avaliar a ameaça de greve por parte dos servidores da Biblioteca e também se negando a dar um prazo para o conserto da refrigeração.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Barnes & Nobles anuncia que vai fechar um terço de suas lojas físicas nos EUA


Rede de livrarias tem hoje 689 lojas físicas
NOVA YORK – Enfrentando forte competição dos livros digitais, a tradicional rede de livrarias Barnes & Noble espera fechar cerca de um terço das lojas físicas que possui nos EUA nos próximos dez anos, afirmou o diretor-executivo do grupo de varejo da companhia, Mitchell Klipper, em entrevista ao “Wall Street Journal”.
— Em dez anos teremos de 450 a 500 lojas — disse ele ao jornal nova-iorquino.
A rede de livrarias tinha 689 lojas físicas até o último dia 23 de janeiro, somadas a uma cadeia separada de 674 lojas em universidades
Mesmo com um número entre 450 e 500 lojas, a livraria continuaria mantendo um “bom modelo de negócios”, afirmou Klipper.
— Você tem de ajustar sua sobreoferta, e ficar atento aos sistemas inteligentes. É a mesma coisa de quando se abriam 80 lojas por ano em qualquer lugar? Provavelmente não. É diferente. Todo negócio evolui — acrescentou.
Queda de 10,9% nas vendas
A Barnes & Noble registrou queda de 10,9% nas vendas em livrarias e no site da empresa no período de festas de fim de ano. Ao longo da década passada, a rede de livrarias vinha equilibrando o fechamento anual de 15 unidades com a abertura de 30 novas lojas no período.
— Algumas das lojas fechadas não davam lucro, enquanto outras foram na verdade relocadas para propriedades melhores — disse ao “WSJ” a porta-voz da empresa, Mary Ellen Keating.
Desde 2009, no entanto, a taxa de crescimento vem encolhendo. No último ano fiscal, apenas duas livrarias foram abertas. Este ano, segundo Keating, novas lojas experimentais serão abertas e há planos de testar outros espaços.
A Barnes & Noble tenta, ao mesmo tempo, se adaptar à época dos leitores eletrônicos, os e-readers. Comercializa desde 2009 seu Nook, competindo com o Kindle, da Amazon, e com aplicativos de e-books em tablets.
Outras redes de livrarias não resistiram à concorrência digital. A rede Borders, endividada, fechou suas lojas nos Estados Unidos em 2011.
As ações da Barnes & Noble chegaram a cair 2% durante o dia, fechando em baixa de 1,14%, cotadas a US$ 13,02.

Mudando as regras do jogo




Coluna de Pedro Doria


Não há inocentes na guerra entre teles e o Vale do Silício. Mas, dela, sairá uma internet muito diferente da atual

Na última quinta-feira, acompanhado do repórter Danilo Fariello, passei aproximadamente uma hora com Franco Bernabè, presidente mundial da Telecom Italia. A entrevista saiu no GLOBO de domingo e pode ser encontrada no site. Conversar com executivos da área de telecomunicações faz parte do serviço habitual, mas Bernabè tem uma característica ímpar: onde os outros se esquivam, ele fala com clareza o que incomoda as teles. Há uma guerra entre o setor e as grandes do Vale do Silício. Nos EUA, a Google escapou de um processo antitruste. Na União Europeia, escapar será mais difícil. É uma das batalhas nesta guerra. E dificilmente ela terminará sem que a internet seja transformada. No que depender de Bernabè, um porta-voz informal das teles, seria uma rede bastante diferente.
De uma só tacada, ele desejaria mudar a arquitetura da rede, mexer em sua regulamentação e ainda reestruturar a governança da internet. As teles não são empresas simpáticas, aqui como em muitos cantos do mundo estão listadas entre as que mais geram queixas de consumidores, mas compreender o raciocínio de Bernabè ajuda a compreender a natureza desta guerra.
Nos próximos anos acontecerá um processo de convergência. Isto quer dizer o seguinte: hoje, na conta do celular, o preço da ligação local é diferente do que pagamos pelo interurbano, o SMS é outro custo, e nenhum dos dois tem a ver com o pacote de dados. Só que tudo vai virar internet. Ou seja, pagaremos pela conexão e fazemos o que quisermos com ela. Voz, SMS, web, redes sociais. Para deixar mais claro: as teles vão virar empresas que vendem serviços de internet. Como Google ou Facebook.
A diferença é que, embora o negócio seja o mesmo, as teles enfrentam pesada regulamentação. Na Europa, cada vez que sofrem um ataque de hacker, são obrigadas a informar ao governo. (Isso ocorre centenas de vezes por dia.) São terminantemente proibidas de usar as informações pessoais de seus clientes.
No Vale do Silício, por outro lado, liberdade total. Não precisam avisar nada para ninguém e informação dos clientes serve para fazer dinheiro. Bernabè quer tratamento igual, com mais ou menos regulamentação para todos.
Quer também controle sobre identidade. Seria preciso mexer na maneira como a internet funciona para que não houvesse mais anonimato. Aí vai depender da filosofia de cada um. O anonimato é aceitável? A Constituição brasileira dá liberdade de expressão mas veda o anonimato. A americana deixa livre. Há um argumento pragmático: governos quase sempre têm equipamento que lhes permite chegar a quem publicou algo on-line, quando querem. O anonimato, portanto, já não funciona para todos.
Por fim, o executivo acusa a rede de ser gerida de forma pouco transparente. De fato, a governança da internet é um bocado informal.
Não há garantia de que a internet continuará ‘livre’
Mas há esperteza, também, nos argumentos de Bernabè. Diz, por exemplo, que os fornecedores de conteúdo na internet deveriam pagar de forma diferenciada. Quem envia vídeo HD teria de pagar mais pelo uso da infraestrutura. O problema é que os clientes já pagam para receber o vídeo. Na história das comunicações, sempre se pagou em uma só ponta. Pagamos o envio da carta ou a ligação feita, quem recebe não gasta dinheiro. Nesse sentido, seria a invenção de uma rede em que as duas pontas pagam pelo envio e recebimento da mesma informação.
O fato é que, desde 1994, o Vale do Silício definiu sozinho como a internet funcionaria. Criou um espaço no qual tem ampla liberdade. Mas não quer dizer que sempre será assim. Em seu excelente livro “Impérios da Comunicação” (Editora Zahar), o professor de Columbia Tim Wu mostra que todos os negócios de comunicação desde o telégrafo começaram livres e sem regras. Aí, monopólios começaram a se estruturar e governos começaram a regulamentar. Neste caso, a regulamentação provavelmente começará pela Europa. Não é à toa que um executivo europeu está puxando a discussão.

Base de assinantes da TV paga cresceu 27% em 2012, diz Anatel


O número de assinantes da TV paga cresceu 27% de 2011 para 2012. Apenas de janeiro a dezembro do ano passado, 3,4 milhões de novos contratos foram feitos para contratação dos canais de TV por assinatura. A alta, porém, foi inferior a registrada em 2011 e 2010, de 30,45% e 30,72%, respectivamente.


De acordo com dados publicados nesta segunda-feira (28) pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) o ano fechou com mais de 16,2 milhões de assinantes do serviço em 2012.

Em dezembro, 222 mil clientes contrataram as companhias de TV por assinatura.
A reguladora indica que 53,4 milhões de brasileiros têm acesso aos canais pagos, uma vez que a média de habitantes por domicílio é de 3,3, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Com isso, os serviços de TV por assinatura estavam presentes em 27,2% dos domicílios do país.

A Anatel também informou que considera para o cálculo os serviços de TV por assinatura, modelos de atendimento por cabo, transmissão por meio radioelétrico ou micro-ondas (MMDS), na faixa de UHF (Serviço Especial de Televisão por Assinatura - TVA), e por satélite (DTH).

A base de assinantes concerta-se principalmente no serviço via satélite, com 60,8% dos assinantes. Logo depois vem o cabo, com 38,3%.

REGIÕES

As regiões com maior crescimento no número de assinantes são: Centro-Oeste, Norte e Nordeste, com taxas de 38,5%, 37,25% e 34,95%, respectivamente.

No Sudeste e no Sul essas taxas são um pouco menores, de 22,8% e 31,7%.

Dados por Estado mostram que o crescimento no número de assinantes teve destaque no Mato Grosso, onde o aumento foi de 60,5% comparando números de 2011 e de 2012.

Tocantins fica na segunda posição, com 60,2% no mesmo período. Pará fica em terceiro lugar, com 52,9% e Pernambuco, em quarto, com 51,5%.

Em São Paulo e no Rio de Janeiro, o crescimento foi de 21% e 25%, respectivamente.

EMPRESAS

Na divisão por empresas, a líder do mercado é a Net/Embratel, com 8,5 milhões de assinantes no fim de dezembro. Na sequência está a SKY/Directv, com 5 milhões de clientes.

A terceira e quarta posições são da Oi (748,8 mil) e a Telefônica (594,9 mil).

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Entrevista: Frederic Martel - "Mainstream"



Todos temos duas culturas: a nossa e a americana

Entrevista concedida pelo sociólogo Frédéric Martel, ao jornalista Silio Boccanera, para o programa Milênio, da Globo News. O Milênio é um programa de entrevistas, que vai ao ar pelo canal de televisão por assinatura Globo News às 23h30 de segunda-feira, com repetições às 3h30, 11h30 e 17h30.
Uma guerra mundial pelo conteúdo dos meios de comunicação se trava pela conquista do público dentro e fora dos países criadores. Batalhas se desenrolam pelo domínio da notícia, do formato de programas de TV e pela exibição de filmes, vídeos, música, livros. Nesta disputa, um gigante domina: os Estados Unidos, com sua capacidade de produzir cultura de massas que agrada ao grande público em todos os continentes. Só com cinema Hollywood recebe pelo mundo US$ 40 bilhões ao ano. Essa penetração cultural americana, que muitos críticos preferem chamar de imperialismo, leva os filmes, a música e a televisão dos Estados Unidos para o mundo. Sua arma é o inverso da alta cultura, da contracultura, da subcultura, de nichos especializados. Visa o público em geral, cultura de massa, de milhões. Tornou-se a cultura internacional dominante, principal, a chamada mainstream conforme o título do livro escrito pelo convidado do Milênio, o sociólogo francês Frédéric Martel. Ele é também professor universitário em Paris e apresentador do principal programa de informação da rádio Francesobre as indústrias criativas e os meios de comunicação. Para escrever Mainstream, ele percorreu 30 países durante cinco anos, entrevistou mais de 1.200 pessoas em todas as capitais do entertainment, analisou a ação dos protagonistas, a lógica dos grupos e acompanhou a circulação internacional de conteúdo.

Silio Boccanera — Seu livro, “Mainstream: a Guerra Global das Mídias e das Culturas”, fala da dominância americana na cultura de massa no mundo. Os EUA são o gigante mundial na produção de cultura de massa que agrada as pessoas, o público, mundo afora, de música a filmes, programas de TV, tudo isso. Por que os EUA? Por que não a Europa?
Frédéric Martel —
 É uma boa pergunta, e como francês, eu ficaria feliz de dizer que a Europa também, e a França. Mas não é o caso. Ao menos, não mais. Por quê? Há muitas explicações. Mas, para dar uma resposta rápida a uma pergunta longa, eu diria, em primeiro lugar, pelo poder da indústria do entretenimento nos EUA, toda a diversidade e como ela engloba não só os EUA, como país, e o continente americano, como o mundo todo, em miniatura. Em terceiro lugar, a experimentação, a pesquisa e o desenvolvimento, a crença nas universidades, em setores sem fins lucrativos, nas comunidades. Todas essas coisas que basicamente criam uma energia, vários tipos de histórias, e daí por diante. Então o mercado usa isso para criar uma cultura dominante.
Silio Boccanera — Mas eles atingem o mundo todo, não só o mercado americano. O que você está dizendo é que o mercado americano...
Frédéric Martel —
 Já é o mundo. Exato, é uma amostra do mundo. São 44 milhões de latinos, 38 milhões de negros, 14 milhões de asiáticos. Então, a segunda maior cidade da Grécia, da Mongólia, de muitos países fica nos EUA. A população iraniana em Los Angeles é maior do que em qualquer lugar. A comunidade judaica de lá é a segunda do mundo. E daí por diante. Então, há grandes comunidades, de vários países, e, se um filme, um livro, uma música, faz sucesso nos EUA, ela é capaz de falar ao mundo.
Silio Boccanera — E eles usam seus mecanismos, sua capacidade de distribuição...
Frédéric Martel —
 Exato. Eles têm a capacidade de ser originais, novos, desafiadores, diferentes... Eles são capazes de produzir cultura em diferentes escalas. Eles fazem o produto de massa, o entretenimento... De Lady Gaga a “Matrix”, de “Batman” a “Avatar” ou o mais recente “Homem-Aranha” etc. Esse é um aspecto. Mas eles também são muito bons na produção da contracultura, da subcultura, da cultura de elite. Na dança, por exemplo: de Trisha Brown a Martha Graham, de Bill T. Jones a Merce Cunningham. Eles são muito fortes. E você tem também a elite, a cultura dominante, a subcultura, mas também a cultura digital, como você disse. Da Apple ao Twitter, do Facebook àWikipedia. E eles criticam a si próprios e sua própria cultura. O imperialismo é exatamente isso. Não só a cultura dominante, mas também a subcultura, a cultura de elite, a cultura digital, a cultural das comunidades e essa maneira de criticar a própria cultura. Isso é o verdadeiro imperialismo.
Silio Boccanera — É um imperialismo diferente daquele político e militar. É uma espécie de imperialismo cultural que é bem recebido no mundo.
Frédéric Martel —
 É o que basicamente chamamos de soft powerSoft power significa influenciar as pessoas com coisas legais. Você é amigável, não é contundente. Você tem as forças armadas, tem a diplomacia tradicional e grandes empresas econômicas, que formar o hard power, e tem o soft power, que influencia as pessoas através de filmes, de livros, da internet e de valores. A liberdade de expressão, a capacidade de se tornar alguém, ainda que você venha de uma vizinhança ruim, como um gueto ou uma favela. Você pode, mesmo que seja negro, de se tornar presidente dos EUA. Isso também faz parte da história.
Silio Boccanera — Parte desse soft power que você descreveu. Por que os filmes americanos viajam o mundo todo? Isso se deve ao marketing e a outros elementos?
Frédéric Martel —
 É claro. O marketing, a força das indústrias de cultura e Hollywood, um setor privado que é um grande conglomerado, mas também graças ao apoio do Congresso e do governo dos EUA. Não esqueça que o governo americano, a MPAA (Motion Picture Association of America), que é basicamente, o lobby de Hollywood em Washington, também ajudam essa indústria. Mas, além disso, fazer um filme é algo muito caro. Fazer um blockbuster como “Avatar”, “Batman” ou “Homem-Aranha” custa mais de 300, 400, 500 milhões de dólares. Para um só filme. Pouca gente consegue dispor dessa quantia. Além disso, é algo profissional. Eles são capazes de lançar um novo filme em mais de 130 países, no mesmo dia, em 50 ou 60 idiomas diferentes. Poucos países são capazes de fazer isso.
Silio Boccanera — E como os países protegem a cultura nacional? Por que as culturas nacionais e regionais também são importantes. Há maneiras diferentes de fazer isso, como os chineses, por exemplo. Acho que você foi bem crítico no seu livro, sobre a maneira como os chineses tentam proteger sua cultura.
Frédéric Martel —
 Eu não sou a favor nem contra de ninguém. Não sou a favor ou contra os EUA, ou a China. Eu apenas tento ver como a coisa funciona. Na China, eles criaram a mais dura forma de censura a cotas. Apenas cerca de 20 filmes americanos podem entrar no mercado chinês por ano. E, quando um filme faz muito sucesso, como foi o caso de “Avatar” na China, eles o cortam e censuram, para não fazer tanto sucesso. Ainda assim, mesmo com essa maneira estranha de exercer a censura, os EUA conseguem mais de 50% das bilheterias na China. Já na Índia, por exemplo, praticamente não há censura, não há cotas, e os americanos podem promover o filme quiserem na Índia. Com sua fortíssima produção de Bollywood, em Mumbai, os indianos conseguem 80% das bilheterias, com filmes indianos, e a parcela americana é de menos de 10%. Então, cotas ou censura não funcionam, por nada.
Silio Boccanera — E o modelo francês? A França tem uma maneira especial de se preservar.
Frédéric Martel —
 É uma maneira diferente. Não temos cotas nem censura. Os americanos são bem-vindos a lançar o filme que quiserem. Mas nós oneramos os ingressos com uma taxa. Quando compra ingresso para qualquer filme, mesmo para um filme americano, você paga uma taxa de 11%, que vai para a indústria cinematográfica francesa, para ela promover e produzir filmes franceses. E, a propósito, em países como o Brasil, eu fico triste de dizer que a bilheteria dos filmes nacionais é muito pequena, provavelmente de 2% a 5%, não mais. Isso em um país onde se abre uma nova sala de cinema por dia. A pergunta para os brasileiros, que está relacionada à cultura dominante, é: “Vocês querem, abrindo mais salas de cinema, que as pessoas assistam apenas a filmes americanos ou vocês querem que elas assistam a mais filmes brasileiros?” É possível. É uma escolha do governo, é uma questão de regulamentação.
Silio Boccanera — Sempre houve uma percepção da cultura como dividida em duas: a cultura da elite, muito sofisticada e intelectual, que as pessoas normalmente associam à Europa, e a cultura de massa, dominada pelos EUA. Essa distinção faz sentido para você?
Frédéric Martel —
 Basicamente, você parece um francês dizendo isso, porque essa é a maneira francesa e, eu diria, a maneira europeia de pensar a cultura. A cultura de elite, que é boa, e a cultura de baixa qualidade, que é, basicamente, entretenimento e cultura de massa, que, no final, nós não apreciamos. Essa era uma maneira de pensar o mundo da cultura. Isso não funciona.
Silio Boccanera — Uma maneira europeia de pensar.
Frédéric Martel —
 E é como pensamos na Espanha, na Itália, na Alemanha. De Adorno a Hannah Arendt, de Benjamin a Horkheimer, para mencionar os mais famosos. Mesmo Umberto Eco. Figuras famosas, francesas, europeias. O mundo de hoje não pensa assim. Não porque não há hierarquia. É claro que há alguma hierarquia. Mas a hierarquia é o que você, como pessoa, crê e pensa. E, na verdade, videogames, filmes, seriados de TV, mangás, qualquer tipo de cultura popular, também podem ser arte. E, na verdade, vemos “Avatar” ou “Batman” como arte hoje em dia. O jazz era arte, e o rap também pode ser cultura. Essa ideia de hierarquia não funciona da mesma maneira. E é por isso que, na Europa, nós não conseguimos acompanhar o que acontece no mundo. E, nos EUA, eles viram rapidamente que essa hierarquia acabou. E por quê? Por causa do movimento dos direitos civis dos negros. Durante esse movimento, o jazz, a música da Motown, o soul e o rhythm & blues eram produzidos principalmente pelos negros. E, no final, era impossível dizer que a música negra era inferior. A música negra é cultura, também é arte. E, em um país como o Brasil, vocês entendem isso melhor do que eu, do que nós, porque, aqui, vocês têm diferentes classes e etnias capazes de produzir cultura de qualidade. É o fim da hierarquia ou, pelo menos, da hierarquia como a elite vê.
Silio Boccanera — E, nessa perspectiva crítica que, como você disse, é mais predominante na Europa e separa as culturas de elite e de massa, você vê algum sinal de fascínio pela cultura de massa americana? Eles criticam, mas gostam.
Frédéric Martel —
 É... Quer dizer, nós, como europeus, temos o mesmo tipo de relação que você, como brasileiro, tem com os EUA. Nós os amamos e odiamos. É uma complicada relação de amor e ódio. Nós esperamos que eles sejam como são, nós queremos criticá-los, mas, ao mesmo tempo, nós protestamos contra eles com tênis Nike nos pés. Nós trabalhamos para ser um pouco como eles, muito embora nós queiramos manter nossa identidade e cultura. E, a propósito, a boa notícia é que o debate no mundo hoje e no futuro não ser entre nós — brasileiros, franceses, europeus — e os americanos. Será entre todos nós. O que eu quero dizer é que hoje não há apenas dois povos: nós e os EUA. O mundo é muito mais complicado, com países emergentes, que serão fundamentais nesse novo jogo.
Silio Boccanera — A Columbia pertence a um grupo japonês, a Sony. A editora Random House pertence a um grupo alemão, Bertelsmann, e deve se fundir com a britânica Pearson. A Time Warner Books pertence à francesa Lagardère. Mas o que todas elas produzem não é típico desses países. O que todas fazem é um produto americano, não é?
Frédéric Martel —
 Na verdade, é por isso que se precisa ver novas maneiras de pensar. Foi por isso que escrevi este livro, Mainstream. As coisas estão muito diferentes de como eram antes. Nos anos 1950, todos acreditavam que quem possuísse os meios de produção tinha um impacto no conteúdo produzido. Mas não é assim que funciona. A Sony é dona da Columbia que fez “Homem-Aranha”, que não é, por nada, um filme japonês. Nós somos os maiores produtores... Ainda bem. Parabéns aos franceses. Nós somos os maiores produtores de videogames, porque temos a Activision, a Blizzard e a Ubisoft, que são algumas das gigantes da indústria de videogames. Mas todas produzem videogames do tipo americano e britânico. E o mesmo acontece com a Bertelsmann, que controla a Random House, que publicou O Código Da Vinci, que não tem nada de alemão. Você pode ser dono da empresa, o que é bom, pois lhe dá dinheiro, poder, de certa forma, mas isso não lhe dá soft power. Porque o conteúdo continuará tendo uma orientação de estilo americano e britânico.
Silio Boccanera — E qual é o papel do inglês, como língua, como elemento importante na imposição da cultura dominante?
Frédéric Martel —
 A língua é importante. Eu acredito — e essa é a principal conclusão do meu livro — que, no mundo em que estamos entrando, que reúne globalização e digitalização, a língua é importante. E eu acredito que a batalha, a luta, mesmo a guerra de conteúdo, será uma batalha a respeito da cultura nacional. Você pode ouvir Lady Gaga, gostar de “Avatar” e ler O Código Da Vinci, mas, no final das contas, a maior parte da cultura que você consome e ama, geralmente é nacional, local, regional, e não global. A cultura global é apenas uma pequena parte do que você gosta. Então, no final das contas, os americanos são os únicos a poder prover essa cultura dominante global, mas essa cultura dominante global continua pequena. Por quê? Porque a língua é muito importante, porque a identidade é muito importante. Quando você compra um livro de não ficção, quer saber o que acontece aqui, no seu país, e não na Coreia do Sul, por exemplo. Na Coreia do Sul você quer ouvir K-pop, que é a música pop coreana, e ver um drama coreano, e não ouvir uma música brasileira. Portanto, nós estamos em um mundo cada vez mais global, mas, ao mesmo tempo, a cultura ainda é e será muito nacional.
Silio Boccanera — Quando um produto estrangeiro entra, a cultura nacional permanece, mas esse produto tende a ser mais anglo-saxão. A música, por exemplo, é americana ou britânica.
Frédéric Martel —
 Para resumir as coisas, eu diria que todos temos duas culturas: a nossa e a americana. De certo modo é... Eu não fico feliz de dizer isso.
Silio Boccanera — Mas é a realidade.
Frédéric Martel —
 Eu preferia dizer que temos 50 culturas, mas não é verdade. Mas não se pode resumir dizendo que temos só a cultura americana, pois nós temos nossa própria cultura. E a própria cultura, no Brasil, em todas as cidades em que estive... Eu estive em Porto Alegre, em Recife, no Rio, em São Paulo e vi como as pessoas consomem músicas, novelas, programas de TV, publicidade e informações essencialmente brasileiras. E, às vezes, até a cultura local e regional. Eu acredito que a globalização e a digitalização, no futuro, serão cada vez mais diversificadas do que uniformes.
Silio Boccanera — Então, ao analisar filmes, televisão, livros, a mídia, você acha que o mundo digital já está mudando completamente? Vamos perder a velha maneira de fazer as coisas? Ou elas vão coexistir?
Frédéric Martel —
 A boa notícia é que a digitalização irá ganhar novas peças fundamentais no mundo. Eu acredito — e não digo isso só porque estou no Brasil — que, graças à internet, os chineses ficarão mais fortes, os indianos ficarão melhores, os árabes serão capazes de se expressar todos juntos.
Silio Boccanera — Para finalizar, eu acho que devemos nos concentrar no seguinte aspecto: a cultura dominante irá enfrentar uma concorrência maior do que nunca após tantos anos de predomínio dos EUA? Você acha que outros países estão indo na mesma direção?
Frédéric Martel —
 Para resumir, eu diria que os EUA continuarão sendo peça importante da guerra de conteúdo, podemos dizer, nos próximos anos e décadas. Eu não acredito e não compro a ideia do declínio da cultura americana. Eu acho que eles são fortes e continuarão sendo fortes. Mas eles não são os únicos no jogo. Agora temos os países emergentes, que estão emergindo não só demográfica e economicamente, como pensávamos. E eu fui um dos primeiros a mostrar que eles estão emergindo com sua cultura, sua mídia e com a internet. Nesse mundo, a internet pode ser uma peça importante, e ela é uma ferramenta que permite que as pessoas... O Brasil, por exemplo, vai crescer com a internet, com certeza. E foi por isso que eu passei um tempo recentemente no Viva Favela, com o pessoal do centro de inclusão digital. No Recife, eu estive com o pessoal do Porto Digital. Eu também conversei com o pessoal do projeto C.E.S.A.R. etc. Toas essas pessoas estão tentando criar ferramentas inovadoras de alfabetização etc. em comunidades, em favelas, em lugares onde as pessoas não têm acesso a uma livraria ou biblioteca. Mas elas terão acesso à internet em lan houses, por exemplo, e mesmo no telefone. Hoje, todo mundo tem um telefone celular barato. Mesmo na África, todos têm celulares com funções básicas. Em cinco anos, todos terão um smartphone, pois os preços estão caindo muito. Assim, todos poderão acessar a internet pelo smartphone. Se você tem acesso à internet, pode baixar livros, acessar a rede, poder ver filmes e daí por diante. A questão não é se essa tecnologia é boa. A questão é: ela não será boa ou ruim sozinha. Ela será o que você, o povo, o governo deste país e nós formos capazes de fazer com ela, criando uma boa internet e uma maneira melhor de ter acesso ao conteúdo através da internet.
Silio Boccanera — Ótimo. Obrigado.
Revista Consultor Jurídico, 25 de janeiro de 2013

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

ONG denuncia monopólio da mídia no Brasil

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Repórteres Sem Fronteiras diz que cenário mudou pouco depois da ditadura e que país é dominado por "30 Berlusconis"
por AFP — publicado 24/01/2013 15:36, última modificação 24/01/2013 18:31

PARIS (AFP) - A organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) denunciou nesta quinta-feira 24 o monopólio midiático no Brasil, que parece "pouco modificado, 30 anos após a ditadura militar (1964-1985)".
A ONG definiu o Brasil como o "país dos 30 Bersluconi", em referência ao magnata italiano da mídia e ex-primeiro ministro italiano.
Uma investigação da RSF, realizada em novembro e revelada nesta quinta-feira, mostra que fora uma dezena de grupos que dividem o monopólio da informação principalmente no eixo Rio-São Paulo, o País "conta com múltiplos meios de comunicação regionais, fragilizados pela extrema dependência em relação aos grandes centros de poder nos estados".
"Uma tutela que afeta diretamente a independência" da imprensa, além de ser um "vetor de insegurança", ressalta a organização. A ONG lembra que 11 jornalistas e blogueiros foram assassinados no Brasil em 2012, o que coloca o país na quinta posição entre as nações com mais registros de mortes na área. Dois outros foram forçados ao exílio por questões de segurança.
No ano passado, a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) colocou o Brasil na lista dos países mais perigosos para o exercício da profissão na América Latina, onde 19 assassinatos de jornalistas foram denunciados, seis deles no Brasil.
Devido a este cenário, a organização considerou o Brasil como uma espécie de "país dos 30 Bersluconi".
"O Brasil apresenta um nível de concentração de mídia que contrasta totalmente com o potencial de seu território e a extrema diversidade de sua sociedade civil", explica a ONG de defesa da liberdade de imprensa.
"O colosso parece ter permanecido impávido no que diz respeito ao pluralismo, um quarto de século depois da volta da democracia", assinala a RSF.
       
Segundo a ONG, um dos problemas endêmicos do setor da informação no Brasil é a figura do magnata da imprensa, que "está na origem da grande dependência da mídia em relação aos centros de poder".
"Dez principais grupos econômicos, de origem familiar, continuam repartindo o mercado da comunicação de massas", lamenta a RSF.
Sempre segundo a RSF, a este sistema se acrescenta a censura na internet e denúncias que levaram ao fechamento de blogs durante as eleições municipais de 2012.
Nesse sentido, citou o caso do diretor do Google Brasil, que ficou preso brevemente por não retirar do YouTube um vídeo que teoricamente atacava um candidato a prefeito.
A organização faz referência a Fábio José Silva Coelho, que foi preso pela Polícia Federal em setembro passado a pedido do candidato a prefeito de Campo Grande, Alcides Bernal.
Para reequilibrar o cenário da mídia brasileira, a Repórteres Sem Fronteiras recomenda reformar a legislação sobre a propriedade de grandes grupos e seu financiamento com publicidade oficial, assim como a melhoria da atribuição de frequências audiovisuais para favorecer os meios de comunicação e um novo sistema de sanções que não inclua o fechamento de mídias ou páginas, entre outras medidas.
Leia mais em AFP Movel.

Vine, a nova aposta do Twitter

Estadão.com.br


Por Vinicius Felix
Aquisição do Twitter registra vídeos curtos e funciona paralelamente ao microblog
SÃO PAULO – Um aplicativo para produzir vídeos curtos, de no máximo seis segundos. Um Instagram em movimento. Essa é a proposta do Vine, lançado nesta quinta-feira, 24, para download gratuito em iPhone e iPad.
FOTO: REPRODUÇÃO
A startup foi comprada no ano passado pelo Twitter, mas só aparece agora. Dick Costolo, CEO do Twitter, inaugurou a ferramenta em um tweet ontem.
Embora seja ligada ao Twitter, a ferramenta para produzir vídeos curtos funciona como uma rede social paralela, não sendo apenas um recurso novo. Com o aplicativo você tem seu perfil e seguidores, mas pode compartilhar o vídeo no Twitter ou no Facebook. Para facilitar o caminho, é possível associar sua conta do Twitter com a do Vine.
A diferença do Vine para aplicativos semelhantes é a possibilidade de fazer cortes no vídeos. Após iniciar uma filmagem você tem que manter pressionado o botão de gravação, permitindo seis segundos contínuos ou então uma série de pequenos trechos.
Ainda não há previsão, mas a novidade deve chegar para o Android em breve.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

A era do homo ciberneticus

Revista da ESPM



Confira entrevista com o futurólogo britânico Ian Pearson. Aos 51 anos, não é nenhum aventureiro diletante. Ele é formado em física teórica e matemática aplicada e, por 20 anos, foi pago pela British Telecom (BT), para antecipar tendências e ajudar a materializá-las sob a forma de produtos e serviços. Foi na BT, em 1991, quando o telefone celular ainda era novidade, que Pearson concebeu o sistema de transmissão de texto que daria origem ao SMS, o popular torpedo. Consta que ele anteviu o modelo de console sem fio para videogames dotado de um acelerômetro capaz de detectar movimentos em três dimensões que hoje se associa ao Wii, da Nintendo, e ao Xbox, da Microsoft. Em sua passagem pela BT, Pearson chamou a atenção para o potencial de serviços hoje consagrados, como os mecanismos de busca e o e-mail. Nem sempre o ouviram.
Atualmente, ele atua em carreira solo, à frente da empresa Futurizon, que fundou em Ipswich, na Inglaterra. Por meio dela, presta consultoria e faz palestras, internacionalmente. Consciente das vulnerabilidades da profissão de futurólogo, Pearson diz ter, desde 1991, um histórico comprovado de 85% de precisão em suas previsões para horizontes de dez anos. “Minhas ferramentas são: uma sólida experiência em ciência e engenharia, análise de tendências, senso comum, tino comercial, saber quando ouvir outras pessoas e um montão de pensamentos”, afirma ele. Pearson lançou seu livro mais recente, em 2011, You Tomorrow (Você amanhã), sem tradução brasileira. Ele define o trabalho como “um livro sobre o futuro da vida cotidiana”. Soa pretensioso? Pearson se defende: “Embora use o título de futurologista, que soa ligeiramente amalucado, sou apenas um engenheiro fazendo deduções lógicas para o amanhã, baseado em coisas que já podemos ver acontecendo”.

Alexandre — Sei que sua especialidade é o futuro, mas gostaria de falar, inicialmente, sobre o passado. O senhor é capaz de citar acertos de futurologistas que ajudaram organizações a antecipar tendências relevantes?

Pearson — Acertamos a maioria das coisas que aconteceram na world wide web, no começo dos anos 1990. Entre os anos de 1991 e 1992, ajudamos empresas de toda a Europa a projetar a infraestrutura necessária para a “banda larga” que agora vemos como algo comum. Houve pouquíssimas surpresas, porque fomos precisos na definição dessa estratégia. Este é, provavelmente, o melhor exemplo.

Alexandre — E o que dizer dos erros e fracassos dos futurólogos?

Pearson — Bom, há sempre aqueles notórios, como o do Bill Gates, dizendo que ninguém nunca iria querer mais do que 640K de memória, esse tipo de coisa. Mas ele não é um futurista profissional, então é realmente injusto. Não preciso ir além de mim mesmo para trazer alguns erros. No passado cheguei a dizer que, no ano 2000, estaríamos trocando a TV pela realidade virtual.

Alexandre — De acordo com suas previsões, em 20 anos, os computadores serão mais inteligentes que os seres humanos, capazes de transmitir sensações e mesmo de preservar o conteúdo da mente humana, o que soa um tanto assustador…

Pearson — É assustador, mas esse movimento não começa da noite para o dia. Ele chega pouco a pouco e você se acostuma a ele. A cada ano diversas coisas novas são lançadas e nós apenas as aceitamos. Ao longo de um período de dez anos, isso significa muita mudança. Hoje mesmo, temos supercomputadores mais rápidos que o cérebro humano, em termos de poder de processamento. Então, já temos essa equivalência com as máquinas. Daqui a 20 anos, você terá equipamentos, no seu bolso, mais espertos que seu cérebro. Você também será capaz de ligar computadores a seu sistema nervoso periférico usando uma pele microelétrica. Você poderá imprimir telas eletrônicas na superfície da pele. Essa pele eletrônica se ligará aos nervos na palma da sua mão. Os sinais elétricos digitados na pele viajarão por esses nervos acionando comandos ou sendo armazenados em um computador. E vice-versa. Em algum ponto do futuro, ao experimentar um jogo de computador ou assistir a um anúncio, você poderá, literalmente, sentir algo em seu corpo, graças a um estímulo dessas terminações nervosas.

Alexandre — Não estou tão certo de que iria gostar de que um anúncio me tocasse desse modo. O que mais seria possível?

Pearson — Muito do processo de pensamento vai ser capturado nessa mesma geração de tecnologias. Se você criar um link e transferir todo o seu processo de pensamento para um computador, poderá gravar a sua mente toda. Estamos falando de 2045, 2050, o que é um futuro mais distante. Mas capturar apenas sensações é uma coisa razoavelmente superficial. Poderemos fazer isso dentro de 20 anos ou antes disso.

Alexandre — Se pensarmos em termos de sociedades, e não apenas do desenvolvimento tecnológico puro, considerando também economia e política, o senhor acha que essa evolução será predominantemente positiva ou negativa?

Pearson — É inteiramente possível ter avanços positivos e, ao mesmo tempo, um aumento da opressão, da vigilância e da invasão de privacidade. Podemos ter as duas coisas: equipamentos fantásticos que fazem a nossa vida muito melhor e também um governo opressivo. A tecnologia se presta a ambos os propósitos. No momento, infelizmente, estamos vendo evidências de que vamos ter ambos ao mesmo tempo. Na Europa, por exemplo, temos governos que querem monitorar cada coisa que fazemos, com a instalação de câmeras para controle de velocidade nas ruas, o monitoramento do que você faz no seu telefone celular e dos seus e-mails.

Alexandre — A tecnologia pode tornar real a figura do Grande Irmão orwelliano.

Pearson — Há muitas invasões de privacidade para as quais os governos querem usar as novas tecnologias. Vemos forças policiais pedindo para usar veículos teleguiados que os militares utilizam no Afeganistão para nos monitorar. Temos grandes empresas de TI, como a Apple, tentando ajudá-las ao inventar novas tecnologias que permitam inabilitar todos os smartphones em uma área, apenas enviando um sinal especial.

Alexandre — Não sei qual é a expressão certa para isso, mas o senhor vem escrevendo sobre algo que poderíamos chamar de imortalidade eletrônica. Quanto tempo teremos de esperar até esse tipo de imortalidade se tornar realidade?

Pearson — Há um projeto que as pessoas do Google chamam de Projeto 2045, porque é exatamente quando elas deverão estar atingindo essa imortalidade eletrônica. A essa altura, você terá um arquivo tão bom da sua mente no mundo das máquinas que seu corpo morrerá e você poderá seguir em frente como uma entidade-máquina. Acho que estão sendo otimistas quanto ao período de tempo. Se você quer um link tão transparente entre seu cérebro e as máquinas para que a maioria dos seus pensamentos e das suas memórias esteja acontecendo dentro do mundo da TI, provavelmente terá de esperar até os anos 2050. E então, 10, 15 ou 20 anos depois, vai virar rotina. Em 2070, será normal para as pessoas usar a TI como extensão de seus cérebros. Até certo ponto, muito de seu processo de pensamento e muitas de suas memórias estarão duplicadas ou totalmente armazenadas no mundo da TI. Então, seus corpos morrerão, seus cérebros morrerão, elas perderão uma porcentagem de sua mente e parte de sua personalidade desaparecerá com ela, mas muita coisa vai ficar no mundo da TI. Então, será de fato uma imortalidade eletrônica.

Alexandre — Nesse mundo que o senhor vislumbra, androides terão mentes humanas quase reais e coexistirão com seres humanos. Isso soa como ficção científica, algo como o filme Blade Runner, com androides se confundindo com humanos. Quão real é essa imagem?

Pearson — Estou certo de que você viu o filme Eu Robô [uma produção de 2004, inspirada numa coletânea de contos de Isaac Asimov e ambientada em 2035, na qual um policial tecnofóbico investiga um crime que pode ter sido cometido por um robô]. Acho que aquele equilíbrio [entre humanos e máquinas] não está muito longe do que eu esperaria ver. A maioria das casas provavelmente terá um ou dois desses robôs de estilo androide, desempenhando várias tarefas. Teremos um monte deles.

Alexandre — Quão parecidos com humanos? Reais a ponto de nos confundirmos?

Pearson — A tecnologia permitirá que sejam bem parecidos com humanos. Já temos peles de silicone que podem imitar a pele humana. Também teremos músculos de silicone, muito mais poderosos que o músculo humano. Então, poderemos ter androides cinco vezes mais poderosos que os humanos. Alguma coisa com a força do Schwarzenegger, um robô muito forte que se pareça com um ser humano normal. No que diz respeito à imortalidade eletrônica, muita gente pensa que teremos um robô ou androide no qual faremos um download da nossa mente e seguiremos em frente depois de mortos, ocupando-o o tempo todo. Eu não acho que será assim. Penso que poderemos muito bem compartilhar robôs.

Alexandre — Como isso seria possível?

Pearson — Você terá uma população de, talvez, mil pessoas armazenada em um serviço on-line que suportará suas vidas, eletronicamente, dentro de uma rede. Elas poderão viajar pelo mundo na velocidade da luz. É um tipo de existência completamente diferente. Poderão, ocasionalmente, habitar um androide, mas não consigo ver por que iriam querer fazer isso o tempo todo. Então, esses robôs seriam perfeitamente adequados para o compartilhamento. As pessoas poderão alugar um androide por alguns minutos toda vez que precisarem de um.

Alexandre — Como um veículo para visitar o mundo físico?

Pearson — Talvez por umas poucas horas. Elas poderão vir, ocasionalmente, ao mundo físico como pessoas físicas. Mas, na maior parte do tempo, ficarão contentes em existir apenas eletronicamente, dentro de uma máquina. Há também a possibilidade de várias pessoas usarem um mesmo androide ao mesmo tempo. Indo além, há a possibilidade de usar um link entre o cérebro e a máquina para compartilhar o corpo de outra pessoa enquanto ela o usa.

Alexandre — Para quê?

Pearson — Para ocupar a mesma rede sensorial dela. Assim, você poderia experimentar as mesmas sensações, viver uma espécie de simbiose.

Alexandre — Muitas obras de ficção científica especulam sobre um mundo no qual as máquinas assumem o controle, como O Exterminador do Futuro e Matrix. Isto vai ser um risco real?

Pearson — Não vai ser; já é um risco real, uma vez que estamos avançando por uma estrada na qual as máquinas se tornam tão espertas quanto as pessoas e já estamos criando máquinas autônomas. As pessoas tentarão conectar essas duas coisas. Então, teremos máquinas autônomas tão espertas quanto ou mais do que humanos.

Alexandre — A ponto de poderem se insurgir?

Pearson — Isso parece quase inevitável no caminho que já estamos trilhando. Não é um risco; é uma probabilidade que seguiremos por uma estrada na qual haverá máquinas mais espertas que o homem. Existe um risco, então, de que terminemos entrando em conflito com elas em algum momento, se decidirem seguir um caminho diferente. Quando um robô é apenas uma máquina simples, a que se pede para aceitar instruções, ele faz o que mandam. Mas se damos a ele uma mente tão sofisticada quanto a de um ser humano, ele logo se torna capaz de entender situações. Ele percebe que foi instruído a fazer algo, mas que, na realidade, tem algum pensamento independente. Pode racionalizar a situação e, se não gostar das suas razões, optar por não fazer o que você quer. Ele pode optar por desobedecer, se tiver tecnologia superior à sua disposição.

Alexandre — Se vamos ter dispositivos tecnológicos conectados aos nossos cérebros para aumentar a velocidade em que operam, para melhorar nossa memória e expandir o conteúdo que eles podem armazenar, podemos assumir que isso vai gerar uma nova divisão de classes na sociedade?

Pearson — [longa pausa] Ah, sim… Podemos falar de uma nova classe de pessoas chamada homo ciberneticus, quando você adiciona capacidade eletrônica ao cérebro humano para melhorar seu desempenho. Você pode melhorar o desempenho de seu cérebro, teoricamente, por um fator de 100 milhões. Acrescentar um monte de zeros ao seu QI. Se você for muito mais esperto do que o seu vizinho, ele não poderá competir com você. É como uma competição entre você e um caracol, dado o abismo intelectual.

Alexandre — Esse abismo intelectual é um pesadelo ético.

Pearson — Se houver conflitos, não há meio de as pessoas comuns serem capazes de competir. Elas não irão conseguir projetar os mesmos sistemas de armamentos, se chegarmos ao nível do conflito armado. Certamente não poderiam ter as mesmas ideias para criar novas empresas ou tecnologias. Em todas as coisas para as quais você usa o cérebro, se tivermos uma geração de pessoas ciberneticamente melhoradas, elas teriam uma vantagem muito grande sobre as pessoas comuns.

Alexandre — De novo, é meio assustador. Mas vamos falar um pouco de negócios. Como o senhor acredita que o marketing será praticado pelas empresas nesse futuro?

Pearson — Penso em uma nova mídia, que deverá chegar direto ao seu sistema nervoso para estimular sensações. Isso amplia o escopo do marketing. Não é apenas vídeo e áudio. No futuro, vai ser possível sentir o produto, interagir com ele. Provar uma roupa como se a estivesse vestindo. Sentir a sua textura.

Alexandre — Quando se pensa no desenvolvimento da internet, muitas empresas tiveram sucesso no mundo real com modelos de negócio criados a partir das possibilidades que a web oferece. O Google é um exemplo disso. O senhor consegue imaginar que tipo de companhia e de novos setores tendem a liderar a criação de mercados nesse futuro?

Pearson — Elas virão do mundo da realidade aumentada. Acredito que dentro de 20 anos muita gente estará usando algum tipo de aparato na cabeça – que pode ser um par de óculos como o que estou usando, dentro dos quais haverá lasers capazes de “escrever” imagens diretamente na retina, ou mesmo lentes de contato ativas, que funcionarão como displays tridimensionais de alta definição e alta resolução. Isso abre um novo mundo, porque lhe permite levar sua vida cotidiana e ao mesmo tempo ter montes de informações de marketing, entretenimento, socialização, negócios…

Alexandre — É um admirável mundo novo para a publicidade.

Pearson — Você pode mudar o modo como as coisas se parecem, adicionar valor a ambientes digitalmente e obviamente processar informações de mão dupla. Ver o que os consumidores estão olhando, pesquisar o perfil deles e entregar informação customizada diretamente dentro de seus campos de visão. Se você me conhece bem, sabe que game vou jogar esta noite no meu Xbox. E, provavelmente, poderá usar esses mesmos personagens [do videogame] para entregar informação no meu campo de visão. Ou eu vou poder atirar nesses caras enquanto minha mulher faz compras.

Alexandre — Interessante, mas um tanto invasivo, não?

Pearson — O marketing ganha uma nova dimensão quando começa a colocar coisas no campo de visão das pessoas à medida que elas andam por aí no seu dia a dia. E a informação flui nas duas mãos. Eu gostaria de viver num mundo assim, porque ele torna minha vida mais divertida. Eles [os publicitários] gostariam de viver num mundo assim, porque lhes dá mais oportunidades de me vender coisas. E eu posso querer comprá-las. Vou gostar desse marketing, desde que ele seja personalizado. Não gostamos de ver anúncios porque eles são para outras pessoas. Você perde seu tempo. Quando o anúncio é sobre algo de seu interesse, você olha para ele. Às vezes, você sai explorando a internet atrás de informação sobre um produto, então uma ferramenta de marketing pode tentar antecipar o que você iria procurar, de todo modo. Vejo uma nova geração de empresas usando essa combinação de criação de perfis, contextualização e personalização para entrar na sua vida cotidiana utilizando novas mídias. É product placement na vida real para valer.

Alexandre — O senhor escreveu sobre a transição do capitalismo para a “economia do cuidado”. Pode explicar o que é “economia do cuidado” e como essa transição vai acontecer?

Pearson — Sim, à medida que os computadores ficarem mais espertos, eles vão assumir mais e mais dos nossos afazeres. Pense nas coisas mundanas da rotina, como procurar voos ou descobrir a que horas um avião vai chegar, providenciar um táxi para ir ao aeroporto, saber como o trânsito está hoje em São Paulo, achar um caminho melhor, esse tipo de coisa que nos aborrece hoje. No futuro, seu computador vai fazer esse tipo de função para você, perfeitamente. Isso vai tornar sua vida mais fácil. No limite, se você elimina do seu trabalho todas as coisas baseadas em conhecimento e todas as coisas administrativas, o que sobra são as partes que têm a ver com o lidar com outras pessoas. Lidar com a sua equipe, dar a ela avaliações de desempenho, guiá-la, liderá-la, esse tipo de tarefa. Ou trabalhos como ser uma enfermeira, um professor, um policial ou alguma coisa em que você tem de lidar com pessoas.

Alexandre — Daí o conceito de economia do cuidado.

Pearson — Chamo de economia do cuidado porque, nesse tipo de trabalho que envolve habilidades humanas, as competências mais valiosas são relacionadas a cuidar. Uma enfermeira, por exemplo, é normalmente considerada intelectualmente júnior, na comparação com o consultor mais graduado de um hospital. Mas o consultor mais graduado do hospital é basicamente um robô muito inteligente. Você pode substituir esse cérebro esperto por um computador esperto. Não é muito valioso.

Alexandre — Já a enfermeira não pode ser trocada por um robô.

Pearson — Você poderá dar a ela uma versão 20 anos melhorada de um iPad, de longe mais esperta do que o consultor do hospital, que a tornará mais esperta do que o consultor. Então, ela poderá superar o desempenho do consultor em termos de diagnósticos. É com a entrega de cuidados que sempre associamos uma enfermeira. Com o lado da compaixão, de interagir com um ser humano como um ser humano. As enfermeiras, supostamente, são muito boas nisso. Você valorizará a enfermeira mais do que o consultor, porque ela pode, facilmente, fazer o trabalho dele, mas ele não pode fazer o trabalho dela. Então, nós vemos uma inversão. Vamos de uma economia da informação dominada pelo intelecto para uma que é muito mais baseada em habilidades humanas.

Alexandre — Que competências serão mais valorizadas na economia do cuidado?

Pearson — Compaixão, amor, todo o lado emocional. É muito mais calorosa uma sociedade em que as pessoas têm habilidades pessoais e os computadores, robôs e androides dão conta das coisas mundanas que ninguém faz questão de fazer. A economia do cuidado é uma economia orientada para o humano, que é possível por termos máquinas muito espertas.


Por Alexandre Teixeira