domingo, 29 de dezembro de 2013

País vive ‘apartheid cultural’ em vários estados


Desigualdade na oferta de cinemas, teatros, livrarias e museus é obstáculo à implantação do Vale-Cultura


  • Caso tudo saia como o Ministério da Cultura (MinC) planeja, 2014 será o ano da popularização do Vale-Cultura — o cartão de R$ 50 que as empresas poderão dar a seus empregados, obtendo abatimento no Imposto de Renda, para que eles paguem por produtos ou atividades culturais. Aprovado pelo Congresso em dezembro de 2012 e regulamentado pela presidente Dilma Rousseff em agosto, o vale nasce como uma tentativa de tornar menos desigual a oferta e o consumo de cultura nas cinco regiões do país. Mas, para que essa meta seja atingida, o governo precisará vencer a escassez de equipamentos culturais Brasil afora.

  • O GLOBO cruzou dados recentes do MinC, da Agência Nacional do Cinema (Ancine), do Cadastro Nacional de Museus (CNM), da Associação Nacional de Livrarias (ANL) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Enquanto São Paulo tem 869 salas de cinema, o Acre (o pior estado nesse setor) tem apenas quatro. E todas na capital, Rio Branco.

  • No quesito museus, São Paulo se destaca novamente com 559 estabelecimentos, enquanto Roraima, em último no ranking, tem cinco. Roraima também tem baixíssima oferta de livrarias: são apenas duas, em contraponto com o líder, São Paulo, que dispõe de 821.

  • No que diz respeito à oferta de teatros, Tocantins é o estado com menor número de palcos:apenas três, todos na capital, Palmas. São Paulo, novamente, lidera o ranking com 306 salas



  • Para ministra, um “estímulo”

  • A ministra da Cultura, Marta Suplicy, encara o problema por um viés positivo:

  • — Vemos esse desafio como estímulo — diz ela. — Não será feito um milagre (com o Vale-Cultura), mas, onde existe consumidor, geralmente o mercado se organiza

  • Marta espera que “as prefeituras ajudem as livrarias e os cinemas a se consolidarem e poderem crescer, oferecendo, por exemplo, isenção de IPTU. Segundo a ministra, a pasta tem incitado os prefeitos a estimularem os grupos culturais de suas cidades e conseguido elevar a demanda pela construção de equipamentos

  • Ela lembra a existência dos Centros Unificados das Artes e do Esporte (CEUs), lançados por ela em São Paulo, e dos pontos de cultura. Esses espaços, de frequência gratuita, servirão, segundo Marta, para qualificar a produção local e incutir no povo a vontade de consumir cultura

  • — O vale vai chegar a muitos locais e, por isso, precisamos fortalecer a musculatura cultural dos municípios para que o trabalhador possa gastar seu benefício — diz. — Estamos diante de um momento de possibilidades gigantescas

  • Essa não é a opinião do empresário paulista Gilberto Araújo. Em 2011, sem a ajuda de editais ou leis de incentivo, ele desembolsou R$ 5 milhões e construiu as únicas quatro salas de cinema do Acre — todas no shopping Via Verde, em Rio Branco. Na época, achou que era uma boa ideia, mas , agora, diz que não põe nem mais um centavo por lá

  • — Somando as quatro salas, são 996 assentos. Todas digitais e com “blockbusters” em cartaz. Nelas, oferecemos entre 12 e 16 sessões por dia, e a entrada custa entre R$ 8 (às quartas-feiras) e R$ 17 (aos fins de semana). Mas a média semanal de pagantes é de 6.500 pessoas, metade do que seríamos capaz de receber — lamenta ele


  • Segundo Araújo, não está incutido na rotina dos 733 mil habitantes do Acre o costume de ir ao cinema

  • — O poder econômico lá é muito baixo e não há estímulos do governo. Não há a menor possibilidade de eu abrir outra sala em Rio Branco, nem com a chegada desse Vale-Cultura

  • Os livreiros de Roraima — estado que tem só duas lojas em funcionamento — também não enxergam no Vale-Cultura a possibilidade de grande mudança. Antônio Bentes, dono da Saber (líder do mercado local), fala em “descrença”

  • — Tenho 15 mil títulos, mas o forte das vendas são os livros jurídicos e de Direito. Todo mundo aqui quer passar num concurso. Mas eu só fico com as contas no azul porque não faço extravagância. Não sirvo nem cafezinho aqui na loja

  • Segundo Bentes, o Vale-Cultura não deve mudar o mercado editorial em Roraima — estado que tem 450 mil habitantes

  • — É muito difícil ser dono de livraria aqui. Um livro demora entre 30 e 45 dias para chegar a Boa Vista; saindo de São Paulo, ele passa por Brasília, Belém e Pará. Lá, toma uma balsa para Manaus e, depois, um caminhão para Boa Vista. Só isso responde por 12% do meu preço. Se mandasse vir de avião, ele sairia 30% mais caro e inviabilizaria o negócio. Éramos quatro livrarias até pouco tempo atrás, mas duas decidiram ser apenas papelaria devido a essa dificuldade de trazer livro

  • — O Brasil lê pouco, e quem atua em áreas remotas ainda enfrenta a concorrência desleal da internet — afirma Ednilson Xavier, presidente da Associação Nacional de Livrarias (ANL) e dono da Livraria Cortes, na capital paulista. — O setor não tem vontade de abrir novos espaços

  • Não bastasse a baixa oferta de livrarias, Roraima é o estado com menos museus. Em seus 224 mil quilômetros quadrados, são cinco. O principal deles, o Museu Integrado de Roraima, com acervo voltado para o artesanato indígena, fauna e flora, está fechado para “remodelação” há cerca de um ano

  • — Nossos municípios são pequenos. Não são atrativos para a iniciativa privada — diz Marco Aurélio Porto, secretário estadual de Cultura de Roraima. — A secretaria mesmo só foi criada em janeiro, e eu só assumi em março

  • Com 1,3 milhão de habitantes e 139 municípios, Tocantis tem três salas de teatro. Todos em Palmas, a capital

  • Quando se analisa a oferta cultural do país por número de habitantes, no quesito teatro, tudo fica igual. Tocantins ainda aparece em último, com uma sala para 466 mil pessoas. No extremo oposto está o Rio de Janeiro, com uma sala para 70,2 mil habitantes

  • O Maranhão aparece em maus lençóis no que diz respeito a museus e cinemas. No estado, há um museu para 248,7 mil pessoas e uma sala de cinema para 319,7 mil. Realidade distante da do Rio Grande do Sul, o melhor estado na relação museu/habitantes (um para 26,4 mil), e do Distrito Federal, com um cinema para 34,8 mil, o melhor índice do país.

sábado, 28 de dezembro de 2013

Uma nova forma de ver TV


Serviços on demand como a Netflix e o canal no YouTube Porta dos Fundos foram os destaques do ano


A série ‘Copa Hotel’
Foto: Divulgação
A série ‘Copa Hotel’DIVULGAÇÃO
RIO - Quem assistiu ao Emmy em setembro se deparou com um feito inédito: mesmo sem nunca ter sido exibida na TV, a série “House of cards” deixou a cerimônia com três estatuetas. Mais do que o prêmio em si, a láurea ratificou a popularidade da Netflix, produtora e exibidora da série, que vem provando que o tal binge watching (o jeito de assistir a todos os episódios de uma só vez) está se consolidando como uma tendência.
— Entendemos que assistir à Netflix é como ler um livro: você escolhe qual capítulo quer ver, para, volta, lê de trás para a frente. A escolha está nas mãos do assinante — explica Kari Perez, gerente sênior de comunicação corporativa da Netflix.
Enquanto os serviços on demand constataram aumentos progressivos de assinaturas, o “Porta dos fundos”, canal de humor do YouTube, sagrou-se como sucesso absoluto. O coletivo, que completou um ano no meio de 2013, tem média diária de dois milhões de visualizações no mundo inteiro.
Se por um lado surgem novas formas de se assistir a programas que não são necessariamente exibidos pelo aparelho convencional, a grade da TV se expandiu. A Lei 12.485, ou Lei da TV Paga — que obriga canais por assinatura a exibir determinado tempo de produção nacional no horário nobre — garantiu um mínimo de três horas e meia semanais, nessa faixa, em 2013. Com isso, canais como Arte 1, Curta!, Music Box e Prime Box passaram a integrar os pacotes básicos das principais operadoras, com potencial de audiência de dez milhões de assinantes.
A obrigatoriedade também estimulou canais já conhecidos a investir em conteúdo nacional. Neste ano, o telespectador viu estreias como “Copa Hotel”, “Beleza S/A”, “3 Teresas”, “Surtadas na yoga” e “As canalhas” (GNT), “Uma rua sem vergonha” (Multishow), “O negócio” (HBO), “Jogos da paixão” (Canal Brasil), “Agora sim” (Sony), “Contos do Edgar” e “Se eu fosse você” (Fox), e “A menina sem qualidades” (MTV). Entre os canais abertos, as séries seguem em alta. Exibida como especial de fim de ano em 2012, “Doce de mãe” rendeu a Fernanda Montenegro uma estatueta no Emmy Internacional, em novembro. Foi a primeira atriz brasileira a receber o prêmio, numa cerimônia que também consagrou a novela “Lado a lado”, de João Ximenes Braga e Claudia Lage. Agora, em janeiro, “Doce de mãe” volta à TV como série.
Em meio a todos os altos e baixos está a despedida da MTV, com direito a chororô no ar, ao vivo, no fim de setembro. Após deixar o Grupo Abril, o canal renasceu na TV a cabo, em outubro, como parte da Viacom, conglomerado americano dono da emissora em vários países. Com a mesma proposta de atender aos jovens, a emissora investiu em realities, séries e artistas como Fiuk e Supla.
— O foco da MTV hoje são os millennials, um público um pouco mais jovem do que o telespectador do canal durante sua fase na TV aberta. E, em 2014, vamos seguir falando diretamente para eles, com atrações globais e locais que lhes interessam — diz Tiago Worcman, vice-presidente da nova MTV.
O mico do ano: Um dentista cheio de cáries
Nem a assinatura da dupla de roteiristas Fernanda Young e Alexandre Machado, a direção de José Alvarenga Junior e a presença de Marcelo Adnet foram suficientes para salvar “O dentista mascarado”. Exibida nas noites de sexta-feira, após o “Globo Repórter”, a história de um dentista que age como defensor dos fracos e oprimidos (papel de Adnet) não vingou. E, com audiência oscilante, em torno dos 13 pontos, não passou da primeira temporada. Talvez pela expectativa gerada em torno do humorista, revelação da MTV, em seu primeiro trabalho na Globo. Talvez pelo texto assaz malicioso, repleto de piadas escatológicas. Talvez pelo excesso de caras e bocas do elenco. Talvez pelo horário ingrato. Ou talvez ainda pela conjunção de todos esses fatores. Em entrevista ao GLOBO, Alvarenga disse que “aumentar a voltagem de sacanagem” foi um risco. E que “não é fácil contar a história de um babaca no país da malandragem”. Pode ser, mas ficou aquela sensação de frustração.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Os smartphones que traem seus usuários


Evento de segurança Black Hat, pela 1ª vez no Brasil, mostra quão vulneráveis estamos no mundo móvel. Segundo PF, fraudes eletrônicas se concentram no Sul e São Paulo



Uso de redes wireless inseguras torna aparelhos vulneráveis a técnicas sofisticadas de rastreamento
Foto: DADO RUVIC / REUTERS


Uso de redes wireless inseguras torna aparelhos vulneráveis a técnicas sofisticadas de rastreamento DADO RUVIC / REUTERS
SÃO PAULO - Em apenas oito horas, num dia do evento Black Hat na capital paulista - dedicado a abordar falhas em hardware e software de modo a aumentar a conscientização sobre a segurança digital e buscar fortalecê-la -, foram interceptados dados de 1.067 smartphones de usuários presentes à feira. Bastou instalar num dos corredores do evento uma caixa metálica do tamanho de um pacote de bombons que continha uma espécie de dispositivo rastreador. O autor da façanha, o britânico Daniel Cuthbert, é diretor executivo da empresa de consultoria Sensepost e já fez operações semelhantes em diversos países do mundo, da Rússia à África do Sul - tudo para mostrar como os smartphones podem ser portas escancaradas para nossas identidades, através de redes wireless como Wi-Fi, Bluetooth e mesmo 3G. Não por acaso, o título de sua palestra no Black Hat (o primeiro feito no Brasil, com o IT Forum Expo e o IT Business Forum) era “As máquinas que traem seus donos”.
- Foi possível, através de uma plataforma de rastreamento, saber onde os donos dos celulares andaram nas últimas horas - afirmou Cuthbert. - O uso da internet móvel 24 horas por dia nos smartphones facilita tal prática.
Hackers do bem, atuando na chamada consultoria ofensiva (a que explora como são feitos os ataques mais perigosos hoje e prestam serviço a empresas diversas), demonstraram na feira a insegurança absoluta grassando no mundo digital. Cuthbert não foi o único: os brasileiros Joaquim Espinhara e Ulisses Albuquerque, dos Trustwave Spiderlabs, apresentaram a plataforma Microphisher para estudar a engenharia social por trás de ataques de phishing. O sistema analisa as características de um usuário numa dada rede social - as palavras que emprega, seus gostos, as hashtags mais comuns, referências a outros usuários etc. - para criar um perfil falso da pessoa e enviar a seus amigos mensagens falsas altamente personalizadas, com códigos maliciosos de phishing embutidos.
- Baseamos inicialmente a plataforma em testes no Twitter, mas estamos desenvolvendo a versão para Facebook para estudar melhor esses ataques - explica Espinhara.
Segundo Albuquerque, os controles de segurança do Facebook são bons, mas o que enfraquece as defesas dos usuários é o uso dessas credenciais para entrar em diferentes sites, como Pinterest, Foursquare e outros. Através de buracos em redes de terceiros, o ambiente de Mark Zuckerberg pode ser alvo de ataques de engenharia social.
- Com os dados de usuários espalhados em várias redes, é possível montar perfis falsos com eles. E monitorar os internautas - diz Albuquerque. - Até mesmo os aplicativos de táxi, uma febre no momento, podem ser alvo de vigilância.
Uma ‘bomba’ zipada
No mundo dos ataques a empresas, a situação não é menos assustadora. Cassio Goldschmidt, especialista em segurança de aplicações da Digital Insight, explicou que os ataques de negação de serviço (DDoS - que inundam servidores de pedidos, tirando sites e sistemas do ar) estão cada vez mais sofisticados e têm várias “subespecialidades”, atacando até sistemas de nomes de domínio (DNS, na sigla em inglês).
- Grupos como Anonymous, Lulzsec e outros alternam entre esses tipos de DDoS até alcançarem seu intento - conta Goldschimdt. - Entre as armas para sobrecarregar um sistema está a chamada “bomba ZIP” - capaz de transformar um arquivo ZIP de 42 kilobytes em 4,5 petabytes após aberto (o valor equivale a espaço suficiente para guardar dados de todo o DNA da população dos Estados Unidos quatro vezes).
Outros recursos incluem pen drive USB modificado para ser interpretado como teclado e entrar numa rede incauta. Foi este o objeto de demonstração pilotada na feira por Fernando Carbone, diretor de Forensics e Cybersecurity da PwC (ex-PricewaterhouseCoopers).
- Segundo um relatório da Verizon, nos EUA, cerca de 65% das empresas são invadidas em poucas horas, mas só o descobrem meses depois, e por meio de fontes externas - afirma Carbone.
Toda essa infraestrutura cheia de imperfeições se combina de forma alarmante com a velocidade exponencial de crescimento dos dados no mundo. Segundo o futurólogo italiano Vito Di Bari, em 2023 haverá 32.500 gigabytes de dados para cada um dos habitantes da Terra - o equivalente ao dobro da memória do supercomputador Watson da IBM.
- É o que chamo de “Big Bang do Big Data” - diz Di Bari. - Atualmente, já foram baixados no mundo mais de 100 bilhões de aplicativos, e daqui a dez anos 99,2% das aplicações profissionais terão sua versão móvel. Até lá, a indústria do Big Data movimentará US$ 13,5 trilhões. Os processadores serão em escala nano e estarão por toda a parte, em objetos, segundo a internet das coisas. Sensores nos permitirão fazer download automático de uma nova cor para o carro, por exemplo.
Haja, então, resiliência para proteger esse monte Everest de informações. Thiago Musa, especialista em segurança de pagamentos móveis, atesta que este será um setor dos mais visados, já que teremos até o fim do ano mais celulares que gente no mundo (sete bilhões de aparelhos).
- Mais de US$ 235 bilhões serão transacionados via celular até o fim deste ano, um aumento de 44% em relação a 2012 - diz Musa. - E 64% dos usuários, só nos EUA, creem que algum momento o smartphone substituirá o cartão de crédito.
O problema, atalha ele, é que 64% dos códigos maliciosos para celulares visam a explorar justamente as aplicações financeiras. E proteger isso tudo é muito complicado, pois envolve as idiossincrasias de três setores diferentes da economia: a indústria de tecnologia, os bancos e administradoras de cartões, e as operadoras de telefonia. A dificuldade de padronização é imensa.
PF: fraude é maior em São Paulo e no Sul
As defesas tentam se sofisticar contra a sanha dos crackers. Um exemplo é a estratégia da empresa Palo Alto, que tem uma solução de firewall corporativo bem mais robusta que as usuais, para proteger dinamicamente as redes das empresas dos ataques.
- Essa solução de firewall deve estar não somente na ponta da conexão de rede como também entre o sistema central e os dispositivos dos usuários, para se defender de eventuais ameaças internas, como as ocasionadas por aparelhos pessoais trazidos para o trabalho - diz Arthur Capella, diretor regional de Vendas da empresa no Brasil.
Por fim, a legislação deve estar igualmente preparada para tarefa de tamanho escopo. O delegado João Vianey Xavier Filho, chefe do Serviço de Repressão a Crimes Cibernéticos da Polícia Federal, aponta que a lei 2.737/2013 tipificou devidamente o crime de violação digital, mas a pena aplicável a ele ainda é muito curta - três meses a um ano de detenção, mais multa.
- A possibilidade de prescrição do crime é alta - destaca o delegado. - Mas estamos nos preparando para fazer face ao desafio com os projetos Tentáculo e Oráculo, com a comunicação centralizada de notícias-crime e uma base nacional, em parceria com a Caixa Econômica Federal e outras instituições, sobre fraudes eletrônicas. Há cruzamento prévio de dados para investigação profunda dos casos. Analisamos grupos de cibercriminosos, incidentes de rede e fraudes eletrônicas, bem como os malwares mais ativos.
Segundo o delegado, hoje no país há 37 milhões de contas de internet banking, e 39% das transações bancárias já são feitas on-line, contra 25% nos caixas automáticos.
Num gráfico exibido no evento, Xavier Filho mostrou que a maioria dos desvios bancários se origina nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná, enquanto o principal destino das fraudes é o Distrito Federal.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

O lado escuro da força, por Nelson Motta


O avô do Jabor era uma figuraça. Quando o neto lhe contava entusiasmado uma boa novidade, o velho logo o advertia: “Cuidado, Arnaldinho, nada é só bom.” Sim, tudo também tem um lado ruim, o das coisas boas que vão ter fim.
A máxima do velho antecipava o irônico paradoxo da era digital: nunca na história deste planeta houve algo tão bom para aproximar as pessoas — e nada que as dividisse tanto — como a internet, onde todos se encontram e cada um pode mostrar, escondido pelo anonimato, o seu pior.
Chico Buarque, que um dia já foi chamado de maior unanimidade do Brasil, disse que sempre acreditou que era amado, até descobrir, na internet, que era odiado. Qualquer assunto ou pessoa que vá ao ar tem logo dois lados trocando insultos e acusações, dividindo o que poderia ser multiplicado.
No pesadelo futurista, a diversidade e a diferença são soterradas pela ignorância e o ódio irracional, que impedem qualquer debate produtivo, assim como os black blocks impedem qualquer manifestação pacífica.


Na última semana li vários editoriais de jornais e artigos de diversas tendências sobre o mesmo tema: a internet como geradora e ampliadora de um virulento e empobrecedor Fla x Flu, ou pior, de um PT x PSDB em que todos saem perdedores. E como disse o Pedro Dória: só vai piorar.
Todas as paixões e excessos que são permitidos, e até divertidos e catárticos, nas discussões de futebol só produzem discórdia, mentiras e mais intolerância no debate político e cultural. Simpatizantes de qualquer causa ou ideologia só leem os que dizem o que eles querem ouvir, nada aprendem de novo, chovem no molhado.
Mas até esse lado ruim também tem um lado bom, de revelar as verdades secretas, expondo os piores sentimentos de homens e mulheres, suas invejas e ressentimentos, sua malignidade, que nenhum regime político pode resolver. Sem o crescimento da consciência individual, como melhorar coletivamente?
Como Freud explicaria no seu Facebook, os comentários odiosos revelam mais sobre quem comenta do que sobre o odiado. Ou, como já dizia a minha avó, a boca fala (e agora digita) as abundâncias do coração.