quarta-feira, 26 de junho de 2013

Pierre Lévy comenta os protestos no Brasil

‘Uma consciência surgiu. Seus frutos virão a longo prazo’

  • Filósofo francês, uma das maiores autoridades do mundo nos estudos da cibercultura, fala sobre mobilização em redes sociais
ANDRÉ MIRANDA

Para Pierre Lévy, é impossível controlar a mídia social
Foto: Divulgação
Para Pierre Lévy, é impossível controlar a mídia social Divulgação
RIO - A resposta ao pedido de entrevista é direta: “O único jeito é via Twitter”, disse o filósofo francês Pierre Lévy, uma das maiores autoridades do mundo nos estudos da cibercultura. E assim foi feito. Lévy conversou com O GLOBO na tarde de segunda, via Twitter, sobre os protestos que vêm ocorrendo no Brasil nas últimas semanas e que surgiram das redes sociais.
Há uma nova geração de pessoas bem educadas, trabalhadores com conhecimento, usando a internet e que querem suas vozes ouvidas. A identificação com 68 está no fenômeno geracional e na revolução cultural. A diferença é que não são as mesmas ideologias.Nos últimos anos, muitos protestos emergiram da internet para as ruas. Como o senhor os compararia com manifestações do passado, como Maio de 1968?
Mas qual é a nova ideologia? No Brasil, críticos falam da dificuldade em identificar uma ideologia única nas ruas.
Uma comunicação sem fronteiras, não controlada pela mídia. Uma identidade em rede. Mais inteligência coletiva e transparência. Outro aspecto dessa nova ideologia é o “desenvolvimento humano”: educação, saúde, direitos humanos etc.
E qual seria a solução? Como os governos devem lidar com os protestos?
Lutar com mais força contra a corrupção, ser mais transparente, investir mais em saúde, educação e infraestrutura. Porém, a “solução” não está apenas nas mãos dos governos. Há uma mudança cultural e social “autônoma” em jogo.
No Brasil, um dos problemas é que não há líderes para dialogar. Qual seria a melhor forma de se comunicar com movimentos sem lideranças?
A falta de líderes é um sinal de uma nova maneira de coordenar, em rede. Talvez nós não necessitemos de um líder. Você não deve esperar resultados diretos e imediatos a partir dos protestos. Nem mudanças políticas importantes. O que é importante é uma nova consciência, um choque cultural que terá efeitos a longo prazo na sociedade brasileira.
E as instituições? Elas não são mais necessárias? É possível ter democracia sem instituições?
É claro que precisamos de instituições. A democracia é uma instituição. Mas talvez uma nova Constituição seja uma coisa boa. Porém, sua discussão deve ser ainda mais importante do que o resultado. A revolta brasileira está acima de qualquer evento emocional, social e cultural. É o experimento de uma nova forma de comunicação.
Então, o senhor vê os protestos como o início de um tipo de revolução?
Sim, é claro. Ultrapassou-se uma espécie de limite. Uma consciência surgiu. Mas seus frutos virão a longo prazo.
O que separa a democracia nas comunicações da anarquia? Pode-se desconfiar do que é publicado na mídia, mas o que aparece nas redes sociais é ainda menos confiável.
Você não confia na mídia em geral, você confia em pessoas ou em instituições organizadas. Comunicação autônoma significa que sou eu que decido em quem confiar, e ninguém mais. Eu consigo distinguir a honestidade da manipulação, a opacidade da transparência. Esse é o ponto da nova comunicação na mídia social.
O senhor teme que os governos tentem controlar as redes sociais por causa de protestos como os que ocorrem no Brasil e na Turquia?
Eu não temo nada. É normal que qualquer força social e política tente tirar vantagem da mídia social. Mas é impossível “controlar” a mídia social como se faz com a mídia tradicional. Você só pode “tentar” influenciar tendências de opiniões.
E e o risco de regimes ou ideias totalitaristas ganharem força por conta dos protestos, como já ocorreu no passado na América Latina?
Isso é pouco provável no Brasil, por conta de sua alta taxa de pessoas com educação. A chave é, como sempre, manter a liberdade de expressão, como ela é garantida pela lei. Não é preciso ter essa paranoia com o fascismo.

domingo, 23 de junho de 2013

Tudo ao mesmo tempo agora na rede


  • Universo digital afeta nossa percepção da passagem das horas e difunde perene sensação de velocidade
ANDRÉ MACHADO (EMAIL)
SÉRGIO MATSUURA (EMAIL)


Tic-tac. Ao nos adaptarmos rapidamente ao ritmo do ambiente digital, nos desacostumamos com o ato da espera
Foto: Bloomberg

Tic-tac. Ao nos adaptarmos rapidamente ao ritmo do ambiente digital, nos desacostumamos com o ato da espera Bloomberg
RIO — A população conectada no mundo — 2,7 bilhões de pessoas — passa, todos os meses, mais de 35 bilhões de horas na internet. Isso equivale, segundo cálculos do site Go-Gulf.com baseados em consultorias como comScore Data Mine e Pew Research, a 3 milhões, 995 mil e 433 anos (3.995.433 anos!!). A questão é: como os usuários sentem a percepção desse tempo?
A cada ano que passa, ouvimos mais a expressão: “puxa, esse ano está voando mais que o anterior”. E, quando dizemos “vou dar só uma olhadinha no Facebook”, acabamos ficando horas na web sem nos darmos conta.
Nicholas Carr, autor do livro “O que a internet está fazendo com nossos cérebros”, disse num artigo recente no site Edge.org estar preocupado com a aceleração do tempo atual, pois a tecnologia da informação estaria nos colocando na velocidade “warp” de “Jornada nas estrelas”. “Estou ciente de que minha própria percepção de tempo foi alterada pela tecnologia. Se eu usar um computador ou conexão web um pouco mais lentos que os meus, mesmo que por questão de segundos, acho a espera quase intolerável. Antes, nunca tinha estado tão consciente (e perturbado) pela passagem de meros segundos”, escreve Carr.
Especialistas corroboram esse tipo de experiência. E não é de agora que a sensação de urgência despertada pela vida ubiquamente on-line recebeu atenção de cientistas. Um estudo do Departamento de Ciência e Tecnologia da Univesidade de Hong Kong já estudava em 2004 o efeito de diferentes cores em indicadores de downloads no monitor sobre a percepção de tempo dos usuários, enquanto o antropólogo dinamarquês Andreas Lloyd escreveu na Universidade de Manchester, em 2005, que as tecnologias de informação e comunicação, ao mesmo tempo que nos liberaram dos “ritmos e tempo sincronizado da sociedade”, diluíram as fronteiras entre horas de trabalho e de lazer. Pouco antes da virada do século XXI, a fabricante suíça de relógios Swatch sintetizou o sentido geral de urgência conectada criando o “Internet Time”, horário bizarro que substitui as 24 horas de um dia por 1.000 “beats” de internet, cada um com duração de 1,264 minuto.
— O mundo virou mais rápido. O tempo digital é mais veloz que o nosso tempo cronológico. E isso muda tudo — diz a psicóloga Luciana Nunes, do instituto Psicoinfo. — A velocidade é uma coisa importante e cada vez mais exigida no mundo mobile. E é parte dessa velocidade digital a necessidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo. Como ver novela e estar on-line num celular ou tablet.
Ação contraposta à reflexão
É justamente essa demanda multitarefa que aparentemente nos “rouba” o tempo. Mas essa é uma falsa sensação, de acordo com Junia de Vilhena, coordenadora do Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa e Intervenção Social e professora do Departamento de Psicologia da PUC-Rio.
— O tempo da contemporaneidade é o tempo da ação, que não vem acompanhada da meditação ou da reflexão — define Junia. — E a percepção de que “nunca dá tempo” na verdade é uma consequência de que a gente mesmo não “faz” o tempo.
Segundo a professora, é impossível dar conta de todas as demandas, responder a todas as solicitações. Essa ansiedade nos leva achar que estamos sempre “perdendo” alguma coisa.
— É preciso ter uma certa disciplina, e optar por às vezes frustrar o outro, ser capaz de fazê-lo perceber que “não, não estou disponível para você as 24 horas do dia” — afirma.
Segundo analistas, o tempo da geração Y é diferente do tempo da anterior, até porque a vida urbana contemporânea tem outro ritmo hoje, mais vertiginoso.
De acordo com a psicóloga Luciana Nunes, a rapidez do mundo digital se faz presente até nas mais corriqueiras lidas diárias.
— Por exemplo: na escola, não adianta o professor passar uma tarefa de casa para a próxima semana. Os jovens precisam de desafios. Em vez de mandar tarefa de casa gigantesca, eu peço: em meia hora, as respostas das questões dois e três — conta.
Gargalo de processamento humano
A adaptação muito rápida a novos intervalos de tempo nos levou a uma espécie de sensação de estranhamento com o tempo. O psicólogo André Mascioli Cravo, professor adjunto da Universidade Federal do ABC, em São Paulo, e doutor em neurofisiologia, opina que, como na internet quase tudo é instantâneo, nos desacostumamos a esperar pelas coisas.
— E tentar fazer tudo ao mesmo tempo tem um efeito na atenção, pois há um gargalo, um limite em nossa capacidade de processar informação — diz Cravo.
Se a informação na internet nos é útil e conveniente, por outro lado a sensação de perda de tempo também é a tradução de que vamos deixando de lado o tempo para pensar, para o ócio, o tempo para se estar consigo mesmo, diz Junia de Vilhena.
— O tempo em que ficamos no espaço virtual é uma coisa; mas é outro o tempo de encontrar concretamente alguém, ao vivo, e olhar em seus olhos — sentencia.
Já Luciana Nunes indica que as novas percepções de tempo podem augurar as transformações anunciadas pela novíssima sociedade pós-industrial.
— A educação mudou, a economia mudou, a comunicação mudou. Com isso tudo, as relações se transformaram. Quando as relações mudam, muda a cultura, e a cultura é a base da história. Então, no fim das contas, estamos mudando a história — resume.

terça-feira, 18 de junho de 2013

É hora de ler Castells

Coluna de Pedro Dória

Sociólogo espanhol é um dos poucos que conseguiu entender movimentos como este que chegou às ruas brasileiras
No início da tarde da última sexta-feira, o governador paulista Geraldo Alckmin foi à TV reiterar que o vandalismo de quem protesta não seria tolerado e que, bem, se acaso tivesse ocorrido algum abuso policial, ele seria investigado. Não é sempre que acontece: um governador de Estado alienado politicamente. Desinformado. Sem que ele soubesse, durante aquela manhã, centenas de milhares, talvez milhões, de brasileiros viram dezenas de vídeos estarrecedores no Facebook, Tumblr, distribuídos por Twitter e YouTube.
Policiais atirando contra jornalistas que claramente se identificavam. Quebrando o vidro de seus próprios carros para culpar os manifestantes. Disparando, a curta distância, contra manifestantes que nada faziam que não gritar "não à violência".
Alckmin não estava sozinho em sua desinformação. O prefeito Fernando Haddad, embora talvez mais hesitante do que o governador, tampouco havia percebido o tamanho do que ocorrera na tarde anterior. Governantes em todo o país, que não usam as redes sociais em seus cotidianos, estavam igualmente alienados. Há, evidentemente, uma diferença geracional. Mas não apenas: limitar à questão geracional faz parecer que o problema está em algumas pessoas que não usam uma ferramenta de comunicação nova. O fenômeno que chegou na semana passada ao Brasil é muito maior. E mais transformador. Se ganhar escala, a notícia não é boa nem para PSDB, nem para o PT.
Desde o início da semana, aqui no GLOBO fizemos o que jornalistas fazem nessas horas em que há algo de diferente no ar. Primeiro nos atemos aos fatos, vamos à rua reportar o que vemos e ouvimos. Depois, lançamos mão do telefone e da internet para conversar com cientistas políticos, sociólogos, para ouvir deles suas reflexões. E o que ouvimos é uma variante das velhas teorias: encontre os líderes e encontrarás as motivações. Não são apenas os políticos que não perceberam.
Hora de recorrer ao sociólogo espanhol Manuel Castells, um nome que anda incrivelmente ausente de todas as análises até agora. Nos EUA, Occupy Wall Street, na Espanha, Indignados. No Egito ou Tunísia, Primavera Árabe. Em inúmeros outros lugares do mundo, com outros nomes. A primeira característica destes movimentos é que começam na internet e depois se movem para o cenário urbano. No mundo real, celulares à mão, repetem a estrutura das redes sociais para se informar. A informação e os acordos são construídos assim, em rede. Lição número um: não há líderes.
Insatisfação difusa e generalizada
Outra característica: não há uma pauta clara nos protestos. Pertenço à geração que pintou a cara para derrubar um presidente da República. Nós tínhamos um desejo claro que podia ser manifestado em um slogan: Fora Collor. Eles, não. Porque o que os move é uma insatisfação difusa e generalizada. Um não sentir-se representado. A impressão de que as prioridades dos governantes, estejam na situação ou na oposição, não são as suas.
Eles têm razão. Nas últimas duas décadas, congelados entre a discussão macroeconômica e seus projetos de poder, políticos abriram mão de encarar no Parlamento temas sociais como o casamento gay e o aborto. Temas como as necessárias reformas política e fiscal. O país precisa de uma revolução na infraestrutura de transporte e energia. Saúde e educação não são questões resolvidas. E a classe média, hoje, é maior. Classe média, diferentemente do que sugerem alguns reacionários de esquerda, é quem cobra na sociedade. Não se trata de fazer aqui um discurso anti-político, apenas o de constatar que a política brasileira está inoperante.
Segundo Castells, movimentos como este que chegou às ruas brasileiras reiteram para a sociedade que o sistema partidário é incapaz de responder os dilemas do país. Na Espanha, não é todo mundo que protesta. Mas 70% dos espanhóis apoiam. A circunstância econômica brasileira é distinta.
Aqui há pleno emprego, um difusor potente de insatisfação. Mas a insatisfação está ali na esquina. Mais um ano de pibinho, pode estourar. Se é que já não estourou.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

China cobra explicações dos EUA sobre programas de espionagem


Governo chinês pede a Washington atenção às preocupações da comunidade internacional

Snowden sugere que empresas de tecnologia não foram sinceras ao explicar pedidos de acesso do governo a contas de usuários
COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS

Uma mulher segura uma foto do presidente Barack Obama com áudio no ouvido em protesto em apoio a Edward Snowden
Foto: PHILIPPE LOPEZ / AFP
Uma mulher segura uma foto do presidente Barack Obama com áudio no ouvido em protesto em apoio a Edward Snowden PHILIPPE LOPEZ / AFP
PEQUIM - A China cobrou pela primeira vez explicações dos Estados Unidos sobre programas de vigilância secretos da Agência de Segurança Nacional (NSA) que rastreiam dados telefônicos e de internet de milhões de cidadãos americanos e estrangeiros. O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Hua Chunying, exigiu nesta segunda-feira que Washington dê atenção às preocupações da comunidade internacional. Enquanto isso, o americano responsável pelo vazamento da espionagem, Edward Snowden, voltou a alfinetar o governo dos EUA dizendo que foi motivado pela decepção com o governo de Barack Obama e que não teria um julgamento justo caso fosse extraditado para seu país. Ele sugere ainda que as empresas de tecnologia não deram respostas sinceras ao explicarem o acesso do governo a dados de usuários.
Até agora, o governo chinês não havia comentado diretamente o caso, limitando-se a repetir sua posição habitual de que a China é um dos países mais vitimados por ciberataques. No domingo, o jornal britânico “The Guardian” informou que a prática de espionagem não se restringe ao governo americano, revelando que o Reino Unido monitorou funcionários e delegados de países do G-20 em 2009.
- Acreditamos que os Estados Unidos devem prestar atenção às preocupações e demandas da comunidade internacional e dar à comunidade internacional a explicação necessária - afirmou Chunying.
Uma fonte ligada à liderança do Partido Comunista disse que a China optou pelo silêncio porque não quis ameaçar a recente melhora nas suas relações com o Ocidente. Autoridades na Alemanha e de outros países já haviam pressionado os EUA a fornecer mais detalhes sobre os programas ultrassecretos do governo. O sistema de espionagem foi revelado pelo ex-técnico da CIA Edward Snowden que, antes de entregar documentos secretos do governo americano aos jornais “The Guardian” e “Washington Post”, voou para Hong Kong, onde tem seu paradeiro desconhecido.
Também a partir de vazamentos de Snowden, o diário britânico informou que o Reino Unido interceptou ligações telefônicas e monitorou computadores utilizados por participantes de duas reuniões financeiras internacionais de alto nível do G-20 em Londres, em 2009. Além disso, Snowden informou na semana passada ao jornal “South China Morning Post”, o principal jornal de língua inglesa de Hong Kong, que os americanos tinham espionado computadores de civis na China e em Hong Kong.
A Rússia e a Turquia reagiram com revolta às novas denúncias e pediram explicações ao Reino Unido após as revelações de que políticos e funcionários foram espionados durante o encontro do G-20. Em Moscou, autoridades russas disseram que a revelação do diário britânico iria prejudicar ainda mais as relações entre EUA e Rússia e lançar uma sombra sobre a cúpula do G-8 na Irlanda do Norte, realizada nesta segunda e terça-feira.
Snowden diz que não teria julgamento justo nos EUA
Num fórum online com leitores do jornal “Guardian”, o ex-técnico da CIA Edward Snowden disse que não teria chances de ser julgado de forma justa nos EUA. Segundo ele, sua intenção ao divulgar a espionagem era proteger civis, e não ameaçar operações legítimas do serviço de inteligência. Snowden assegurou que o governo dos EUA já o considera culpado e que seria condenado por traição e outras ações imperdoáveis.
“O governo dos EUA, assim como fez com outros que vazaram informações sigilosas, imediatamente destrói qualquer possibilidade de um julgamento justo em casa, declarando abertamente que sou culpado de traição, de divulgação de segredos e de atos inconstitucionais imperdoáveis. Isso não é justiça”, escreveu no site do “Guardian”. “Eu não revelei operações da CIA contra legítimos alvos militares. Eu apontei onde a NSA invadiu sistemas civis como universidades, hospitais e negócios privados porque isso é perigoso”, se defendeu.
Perguntado se acreditava que Google e Facebook não estivessem a par do programa Prism, Snowden respondeu:
“Suas negações passaram por várias revisões, deixando cada vez mais claro que estavam enganando, e incluíram linguagem idêntica e específica. Elas são obrigadas a manter silêncio sobre detalhes do programa, mas isso não as isenta da obrigação moral. Se, por exemplo, Facebook, Google, Microsoft e Apple se recusassem a cooperar com a comunidade de inteligência, o que o governo faria? As fecharia?”
Quando questionado sobre suspeitas de que ele teria revelado dados da inteligência dos EUA para o serviço secreto chinês, Snowden brincou, dizendo que isso era uma forma de o governo americano desviar a atenção das denúncias: “Se eu fosse um espião chinês, porque eu não fugi diretamente para Pequim? Eu estaria vivendo em um palácio e tendo uma fênix como bicho de estimação.”
a conversa com os internautas durou duas horas, e foi feita a partir de um ponto não revelado de Hong Kong. Snowden não respondeu diretamente se ainda tem mais material não revelado, mas disse que agora era impossível deter a verdade.
“Tudo o que posso dizer agora é que o governo americano não será capaz de encobrir isso me prendendo ou me assassinando. A verdade está chegando e ela não pode ser detida.”
O autor dos vazamentos viajou para Hong Kong, uma região autônoma chinesa, em 20 de maio e acredita-se que ainda esteja lá. A China não fez nenhuma declaração sobre a possibilidade de deportá-lo, enquanto autoridades americanas pressionam os EUA a pedirem sua extradição.
Um editorial do jornal “Global Times” defendeu nesta segunda-feira que extraditar Snowden representaria uma “perda de autoridade”, tanto para Hong Kong quanto para Pequim.
“As consequências de extraditar Snowden para os Estados Unidos seriam mais problemáticas, porque a reação local traria mais conflito para Hong Kong e para a China continental”, diz o texto, que ressalta que o americano não fez mal a ninguém.
Segundo o diário, o “único crime” de Snowden foi revelar a violação do governo dos EUA aos direitos civis, uma ação que, segundo o jornal, tem sido aplaudida por todo o mundo. Os EUA têm defendido os programas de vigilância como essenciais para o controle e a prevenção de ataques terroristas.

Entrevista do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, ao TeleSíntese

*Entrevista realizada pelas jornalistas Lia Ribeiro Dias e Miriam Aquino, do portal TeleSíntese. Publicada em 17 de junho de 2013. Clique aqui para ler no site original.

 Ministro(Foto: Herivelto Batista)
O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, não vê o ingresso do português Zeinal Bava na Oi como um indício de desnacionalização da operadora brasileira, como avalia o mercado. Para ele, um plano de captação que dê mais recursos para a operadora é bem-vindo. Ressalta que o BNDESpar e os fundos de pensão das estatais vão continuar no controle.
Nesta entrevista, Paulo Bernardo fala também da possibilidade de contar as concessionárias de energia elétrica para apoiarem a segunda etapa do Plano Nacional de Banda larga, que está em discussão no governo e pretende levar a velocidade rápida da internet para mais de 90% dos lares brasileiros em 10 anos. Fala também de sua preocupação com a quebra do sigilo da internet, do Marco Civil e da ampliação do serviço celular para os distritos municipais.


Tele.Síntese – Ministro, a maioria dos bancos analisa que a vinda de Zeinal Bava para a Oi é mais um passo na direção de a Portugal Telecom ou comprar a operadora nacional ou promover uma fusão de ativos. Nos dois casos, há um componente político, visto que o governo do PT se movimentou para criar a super tele nacional, e neste caso, ela ficaria desnacionalizada. Como o sr. vê esta questão?
Paulo Bernardo – Fomos informados que esta mudança não é apenas mudar o presidente. Há sim um plano de captação de recursos. E nós respondemos a eles que não temos óbices. Não nos compete dizer “faça” ou “não faça”.
Tele.Síntese – O governo não tem preocupação de perder o controle nacional?
Bernardo – Não, porque o BNDESPAR e os fundos vão manter a sua participação, não sei se vão aumentar, mas vão mantê-las.
Tele.Síntese – A dúvida: não há uma posição de governo de querer manter sócios brasileiros no controle da Oi?
Bernardo – Não discutimos isso. Os sócios privados não nos falaram nada sobre qualquer intenção de sua parte. Assim, não há o que discutir.
Tele.Síntese – Como o sr. vê esta proposta de reestruturação da Oi?
Bernardo – Entendo que a Oi precisa de injeção de recursos e precisa acelerar a adoção de uma agenda de inovação. A Portugal Telecom, embora seja uma empresa menor que a Oi, inegavelmente tem uma bagagem inovadora. Puseram fibra no país inteiro, tem tecnologia e gestão. E precisam de recursos. Se conseguirem alavancar recursos é importante. Sem querer me meter na discussão interna da saída do Valim ou não, mas também acho que precisa ter mais investimento. Do nosso ponto de vista, se caminhar neste sentido, vamos ajudar e apoiar.

Tele.Síntese – Ministro, o que o governo brasileiro está fazendo em relação à recentes denúncias de que o governo norte-americano está monitorando as contas de “não residentes?”
Bernardo – Uma coisa é a vida interna nos Estados Unidos, não temos nada com isto. O governo brasileiro não vai se meter, sabemos o zelo que os americanos têm com a segurança. Mas cada vez está se confirmando que essas informações afetam cidadãos do mundo inteiro. Acho particularmente grave a concentração da internet muito pesada nessas empresas e também o fato de as notícias afirmarem que essas empresas estavam colaborando com o governo, chegando a mudar os seus sistemas corporativos. Teve um funcionário que afirmou que “nós não estamos monitorando os americanos”. Só os outros seis bilhões de pessoas.
Tele.Sintese – Ministro, isto não levanta também a questão do PTT?
Bernardo – Liguei, quando as notícias começaram a ser publicadas, para o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Acho que não temos que discutir a situação dos Estados Unidos. Isto não é na nossa conta. Mas a situação do Brasil. O que está acontecendo lá mostra que temos carência de políticas mais consolidadas a respeito da internet. Por exemplo: o Google foi condenado em um processo de lavagem de dinheiro e disse que não entregaria os dados, alegando que seu data center está nos Estados Unidos, e teria que obedecer à lei norte-americana. Ora, é evidente que o STJ não podia concordar com isto e a ministra Laurita Vaz deu parecer que a empresa atua no Brasil e tem que obedecer às leis brasileiras. Não queremos e-mails de cidadãos americanos.
Tele.Síntese – Como o sr. acha que pode ser resolvida esta questão?
Bernardo – Acho que no mínimo devemos ter de cópia de guarda dos dados brasileiros em solo brasileiro. Não posso exigir que eles não guardem lá, mas posso exigir que tenham um espelho no Brasil. Pode guarda em Saturno ou na Lua, mas se a gente precisar, tem que fornecer. Há outras questões, como o projeto que trata da segurança de dados pessoais, onde a coordenação é do ministério da Justiça. A guarda de dados combina com este projeto e com o Marco Civil. O Marco Civil permite que as empresas “Over the Top” guardem as informações, mas não especifica onde. Acho que precisamos definir que deve ser guardado no território brasileiro.
Tele.Síntese – O sr. acha que esse movimento afeta o conceito do Marco Civil?
Bernardo – Acho que não. Nós somos a favor na neutralidade da rede e de guardar o dados aqui. O que não pode é alegar que está guardado em outro lugar e por isto não pode se submeter à lei brasileira. Há notícias de que o Google já é o segundo maior recebedor de publicidade no Brasil, só perde para a Globo. Como não tem nada a ver com o Brasil?
Outra questão que podemos discutir, é a do Direito Autoral. Precisamos ver também o direito do consumidor. Primeiro, precisamos estabelecer os direitos do cidadão. Depois ver o direito do consumidor.

Tele.Síntese – E como estão as discussões para se ter um PTT (Ponto de troca de tráfego) aqui?

Bernardo – Esta é uma questão importante. Conversei com o presidente do CGI, e ele já acha que precisamos ter mesmo é um servidor raiz. Para ele, só o PTT não vai resolver. Quando falei em Dubai ( na reunião da UIT ), e defendemos a governança multilateral para a internet. Não dá para achar que ela deve ficar deste jeito.
Tele.Síntese – Mas o sr. acha que o fórum é a UIT, devido à última reunião de Dubai, onde houve muita divergência?
Bernardo – Acho que a UIT tem seu papel, mas não é realista pensar que a Internet não deveria ficar no Icann. O Icann precisa de uma nova forma de trabalhar. Ele é submetido à lei da Califórnia, nem à legislação americana é. Isso precisa mudar.
Tele.Síntese – Ministro, conforme o Sr. observou, o Google já é o segundo maior captador de anúncio no Brasil. Diferentes governos na Europa estão agindo para evitar a evasão de divisas de empresas como a dele. Aqui, isto não preocupa o governo?

Bernardo – Embora isto não seja um tema do ministério das Comunicações, esta questão me preocupa. A empresa paga ISS, que está afeto aos municípios. Mas posso falar com meu colega da Fazenda para ver como está o seu recolhimento sobre o lucro, por exemplo.
Tele.Síntese – A Espanha fez um vasto levantamento do faturamento do Google em seu país e na Irlanda, e constatou que ele faturou muito mais na Irlanda, com produtos espanhóis. Os países perdem receita grande.

Bernardo – O senado dos Estados Unidos questionaram também o seu planejamento tributário. Na França, acusaram o Google de estar fazendo “duplo irlandês invertido”. Ou seja, não pagava o nosso INSS e também não apurava lucro, e não pagava Imposto de Renda. Isso não é do MiniCom, mas o governo está olhando.
Tele.Síntese – As empresas estão agora na nuvem, e isto se tornou uma preocupação de todo o mundo.

Bernardo – Mas o dinheiro não vai para a nuvem, ele passa por uma conta. E é isto que precisamos ver. Lá em Dubai, o Google soltou um documento muito virulento. Acusando a nós e aqueles que assinaram o tratado da Conferência de estarmos no “eixo do mal”. E agora descubro que eles e as demais empresas estão com uma relação de quase “anexo” do governo. Eles precisam dar algumas explicações. É surpreende que as pessoas não estão falando nada neste episódio.

Tele.Síntese – A antecipação das metas da telefonia rural está meio confusa. Em que pé que está isto, ministro?

Paulo Bernardo - Com o leilão da 4G e a inclusão das frequências de 450 MHz, as empresas têm obrigação contratada de oferecer internet na área rural em 2014 e 2015. Nós aventamos a possibilidade de encurtar o calendário. Evidentemente, se tiver comprovadamente algum custo, teremos que discutir. Para fazer o que eles têm obrigação, é claro que nós não vamos dar nada. E também não pode ser um custo muito alto. Até porque elas têm obrigação de fazer 60% da cobertura no próximo ano, sendo que 30% até junho de 2014, 30% em dezembro e os 40% restantes em 2015. Podemos antecipar um pouco, ou então deixar do jeito que está, já que a maior parte vai ser feito no próximo ano.
Mas o que estamos negociando é a grande demanda que existe por telefonia móvel nos distritos. Como isto nunca foi colocado em edital da Anatel, nós podemos colocar esta obrigação no edital de venda da faixa de 700 MHz.

Tele.Síntese – O sr desistiu de conseguir esta medida por parte das operadoras privadas?
Bernardo – Não. Conversei com a presidenta Dilma e ela lembrou das restrições fiscais. Se ficar em um custo aceitável é possível, mas terei que conversar com a Fazenda. Mas acho que se não der para fazer com todo o setor, poderemos seguir o modelo do Espírito Santo.
Tele.Síntese – Leilão reverso?

Bernardo – Arranjo um imobilizado de recursos e faço uma concorrência este ano. Mas tudo tem que ficar resolvido este ano, se não, não adianta nada. Mesmo que o percentual não seja muito diferente – de 60% de cobertura, a gente consiga antecipar para 70, 75%, o importante é que o cidadão foi atendido mais cedo.
Tele.Síntese – Mas porque iria encarecer o projeto, se é só antecipação de metas, no caso da cobertura rural, sem o celular?
Bernardo – Exatamente isto que eu falei aos empresários. Se tiver algum custo extra decorrente desta antecipação, o governo pode ajudar com alguma desoneração. Agora, custo alto não é possível.
Tele.Síntese – Mas o celular no distrito deve ser mais caro, não?

Bernardo – Sim, este, com certeza tem um custo. Mas neste caso podemos modular, onde tivermos pernas para ir, podemos ir. No restante, vamos colocar obrigação no edital da 700 MHz.

Tele.Síntese – E o novo PNBL. Sai?
Bernardo – Temos dois problemas: o primeiro é a restrição fiscal. Como é um plano para 10 anos, é possível equacionar. O outro problema é a questão dos empréstimos, porque as teles parecem não ter capacidade de maior endividamento. E não estou falando só da OI, não, mas de todas. Então, podemos pensar em outras empresas, como por exemplo, as elétricas. É um assunto para ser olhado.

Tele.Síntese – Como está o compartilhamento com as elétricas?
Bernardo – Falei com a presidente e ela falou que vai mandar fazer. Vai ter que chamar todo mundo. Vamos ter que fazer o meio termo para deixar todo mundo confortável. Terei que convencer o ministério das Minas Energia. Mas tem que ser uma reunião chamada pela Casa Civil. Alguém vai ter que arbitrar. O Transporte concorda com tudo, mas quando digo que não ele vai cobrar nada pelos cabos de telecom, aí ele não topa.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Para programadores norte-americanos, mudanças da era digital trouxeram benefícios

TELA VIVA

Cable 2013

Em debate com programadores na abertura do evento Cable 2013, que acontece esta semana em Washington, alguns dos principais grupos atuantes no mercado norte-americano procuraram mostrar que o processo de mudanças pelo qual o mercado de TV paga (e de distribuição de conteúdos em geral) tem passado nos últimos anos tem sido positiva para empresas que atuam na área de programação, ainda que isso não ganhe o destaque nos noticiários. Matthew Blank, CEO da Showtime, sintetizou da seguinte forma essa situação. "Em geral as pessoas gostam muito de discutir sobre novidades que não têm receita e não têm margem, um pouco sobre coisas que têm receita mas não têm margem, mas não gostam muito de falar daquilo que tem receita e tem margem", disse ele, enfatizando que esse é um dos melhores momentos da indústria de conteúdos.

Para Joshua Sapan, CEO da AMC, as novas plataformas de entrega de conteúdo, seja na forma de conteúdos sob demanda, seja na forma de distribuição online, têm ajudado no aumento da audiência dos canais, ajudado no engajamento dos telespectadores durante as temporadas e garantido uma sobrevida a conteúdos de acervo, já exibidos. "Hoje, temos audiências muito altas em temporadas já exibidas na véspera do início de novas temporadas".

Mas os programadores também apontaram uma mudança profunda na forma como as pessoas assistem. No caso do Showtime, por exemplo, entre 60% e 70% da audiência dos novos programas já não acontece no ato da estreia, mas sim posteriormente, na forma de catch-up (como conteúdo recuperado sob demanda) ou por meio de DVR.

Para a presidente da Disney/ABC, Anne Sweeney, a grande mudança enfrentada no mercado de programação é a "perda de controle" sobre a programação. "Hoje, os consumidores conseguem nos dizer de maneira muito mais efetiva aquilo que eles querem, porque imediatamente conseguem buscar nas plataformas digitais aquilo que não estão conseguindo pela forma tradicional", diz ela, ressaltando também o papel fundamental que as redes sociais têm na formatação dos hábitos de audiência.

Samuel Possebon, de Washington
Contribuição: Juliana Loyola

Existe uma crise nos impressos ? Nada a declarar, respondem os jornais

Empresas brasileiras negam que haja crise no setor; segundo sindicato, a portas fechadas, representantes reconhecem que negócios vão mal



Por Camila Rodrigues, Bruno Fonseca, Luiza Bodenmüller e Natalia VianaCirculação de jornais no Brasil segue tendência de crescimento



Os mesmos jornalistas que trabalham no dia-a-dia por transparência em todos os setores da sociedade ficam no escuro quando se trata da indústria em que trabalham. “Eu acho tudo muito estranho, pois, ao mesmo tempo em que acontecem esses passaralhos, somos informados, por meio de mensagens internas, que o número de venda de jornais aumentou, que o site bateu recorde etc. Ou seja, algo está fora da ordem, não!?”, resume um jornalista do Grupo Folha, recentemente demitido, que prefere não ter seu nome revelado.
“O argumento das empresas depende do interlocutor”, diz Paulo Zocchi, do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. “A gente chega numa negociação de campanha salarial, e os jornais sempre dizem que o negócio está indo mal. Mas para o público externo eles falam que está indo muito bem”. Presente em diversas das negociações referentes à atual revoada de passaralhos – demissões em massa de jornalistas – Zocchi descreve que até tem quem admita, na sala de negociações, que o discurso é duplo. “Os caras falam: ‘O que você quer que a gente fale pro mercado? Mas cá entre nós, está indo mal’. É dificílimo saber com detalhes a situação real das empresas”, diz Paulo.
De fato, enquanto anunciava o corte de 24 funcionários, a Folha culpou o “fraco desempenho da economia e seu reflexo na publicidade” pelas demissões; mas dois anos atrás o Grupo Folha celebrava ter triplicado seu faturamento na primeira década deste século, chegando a R$ 2,7 bilhões em 2010 – com um lucro, antes de impostos, de R$ 600 milhões no mesmo ano.
“A situação econômica da Folha é boa, a empresa não tem dívidas”, comentou, na sua coluna, a ombudsman Suzana Singer. Na Abril, a reestruturação – e os cortes, que podem atingir centenas de funcionários – vieram apenas dois meses depois da empresa exibir sua saúde financeira, anunciando receita líquida de R$ 2,98 bilhões em 2012, sendo R$ 1,03 bilhão proveniente de publicidade. A empresa também investiu na área Abril Educação, que absorveu marcas como Ática e Scipione, e o sistema Anglo Vestibulares.
Em seu site, a Associação Nacional dos Jornais (ANJ) também se apresenta otimista: “Publicidade em jornais brasileiros deve aumentar 5% em 2013”, anuncia. “Apesar do pequeno crescimento do PIB em 2012, os investimentos em publicidade em jornal no Brasil devem aumentar 5%, conforme as previsões da Warc, um centro de pesquisa voltado ao levantamento das tendências do mercado publicitário mundial”. Usando outra fonte, a pesquisa Inter-Meios, uma iniciativa do jornal Meio & Mensagem com “os principais meios de comunicação do Brasil”, a ANJ mostra por A mais B que os anúncios em jornais têm aumentado ano a ano – foram de R$ 3,36 bilhões em 2011 para R$ 3,38 bilhões em 2012.
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Procurada pela Pública, a ANJ disse que não comenta casos específicos de demissões – e, sobre a famigerada crise nos meios, limita-se a indicar as otimistas análises de seu site. O diretor do Estadão disse que não se pronunciaria sobre o assunto; a Folha de S. Paulo e o Valor Econômico também foram procurados mas não responderam até o fechamento da matéria. Apenas o diretor da Editora Trip – uma editora de médio porte – Paulo Lima, conversou abertamente com a reportagem sobre as 19 demissões ocorridas em sua empresa.
MAS AFINAL, O QUE ESTÁ ACONTECENDO?
A inglesa Susy Young, diretora de estatísticas do centro de pesquisas britânico Warc, é uma das vozes mais confiáveis quando se trata de receita publicitária. Entusiasta do aumento de publicidade – que, em escala mundial, está concentrada na Ásia e na América Latina, contra uma decadência na Europa e nos EUA – ela verifica que não houve queda na publicidade de impressos, mas uma perda de espaço para outros setores. “Em 2012, o que nós previmos foi um crescimento modesto em gastos de anúncios para jornais e revistas. Mas previmos também que os meios impressos iriam perder em termos de fatia, nos gastos publicitários gerais”.
O fato é que, embora digam aos quatro ventos que a crise dos jornais não chegou ao Brasil, os conglomerados estão vendo os anúncios migrarem – de maneira irreversível.
“Existe a crise”, diz – em off – um alto executivo da indústria editorial. “O que não se sabe é dividir entre o que é estrutural e o que é conjuntural”. Embora a circulação dos jornais continue crescendo um pouco – o aumento foi de 2,7% em 2012– ela está sendo “puxada” pelos jornais populares como o Extra, do Rio, e Super Notícias, de Belo Horizonte. Já a circulação de revistas caiu 4,6% em 2012. Quanto à questão “conjuntural”, os jornais reclamam do fraco desempenho da economia – já que, em tempos de crise, os anunciantes recorrem à TV para se livrar dos seus produtos em estoque mais rapidamente. Não que isso seja uma novidade no panorama brasileiro.
“Hoje continua fazendo sentido investir em impressos. Agora, se tiver uma migração de publicidade mais agressiva, é algo que vamos ter que pensar daqui a um tempo”, diz o executivo.  Para ele, a internet, “ao mesmo tempo que democratizou o acesso à informação, está tirando parte do financiamento das publicações, das empresas de comunicação”.
O grande problema são os anúncios online – daí a velha bronca da indústria de notícias com o Google, que tem faturado uma grande parte da publicidade na internet. A briga é feia, e levou alguns dos maiores jornais do país a retirarem seu conteúdo da busca do Google News, exigindo o pagamento de “royalties”. Aos poucos, estão voltando.
Outros sites de buscas diretas de carros ou imóveis, por exemplo, também acabaram pulverizando um mercado que antes era concentrado nas mãos dos poucos grupos de comunicação.

INTERNET SUPEROU JORNAIS ENTRE OS ANUNCIANTES

Segundo um relatório do IAB Brasil (Interactive Advertising Bureau), a receita publicitária da Internet superou a dos jornais no primeiro trimestre de 2012, tornando-se a segunda mídia com maior receita publicitária no Brasil, depois da TV. Embora uma boa parte desses anúncios vá parar nos grupos de comunicação tradicionais – como no portal UOL, o maior da América Latina, que pretence ao Grupo Folha –, outra gigantesca fatia vai para os sites de busca.
Os dados da IAB apontam que, do total de R$ 4,57 bilhões arrecadados em 2012, R$ 2,2 bi foram investidos em publicidade display (como banners) e R$ 3,82 bilhões em ferramentas de busca – esse último modelo de anúncio cresceu 39%, sendo o que mais cresce nos últimos dois anos.
“Os anúncios em impressos irão decrescer, mas os digitais vão aumentar”, diz Susy. “Olhando os dados de nossas previsões, vejo que o total de ganhos de anúncios com a internet vai superar os meios impressos (jornais e revistas) em 2014”. Mas ela faz uma ressalva: “É difícil falar em termos de declínio de anúncios de jornais, já que muitos deles também têm uma presença digital” – e, portanto, também estão lucrando com a proganda online, mesmo que seja menos que o Google. .
Em resumo, diz o executivo, “o que está acontecendo no mundo é o mesmo que tá acontecendo no Brasil”.

QUEDA MUNDIAL NO NÚMERO DE JORNALISTAS EMPREGADOS

E o que está acontecendo no mundo é claro: os jornais têm optado por reduzir a mão de obra, aumentar a carga de trabalho e, assim, manter os lucros. Segundo a ASNE, Associação Americana de Editores de Notícia, em 2012 havia 40,6 mil jornalistas empregados em redações nos EUA; o número é o menor desde que o levantamento anual passou a ser feito, em 1973, quando havia 43 mil jornalistas empregados. “É um risco que a indústria corre”, diz o executivo, ao ser perguntado sobre o impacto dessas demissões no produto.
Para alguns jornalistas, porém, como Paulo Zocchi, o problema é mais profundo: trata-se da consolidação de um estilo gerencial que privilegia metas ambiciosas e lucros altos. “Estamos vivendo no momento uma certa pressão econômica sobre as empresas. Elas trabalham com um padrão de rentabilidade muito alto hoje, uma rentabilidade de banco. Traçam metas altas e quando ficam abaixo dessa metas está longe de dar prejuízo, mas fazem cortes. Evidentemente isso significa um aumento da exploração do trabalho. Hoje em dia, em relação há 20, 30 anos, o ritmo está muito mais acelerado”. Quando Zocchi consulta os dados da Inter-Meios – os mais confiáveis sobre a indústria – com outros olhos, o que os dados revelam é que “a receita tem aumentado muito mais que o salário dos jornalistas nos últimos 10, 15 anos”.
Para ele, é comum o discurso da indústria atribuir esse novo ritmo à informatização das redações. “É como se isso fosse resultado do avanço da técnica: tem mais tecnologia, é tudo virtual, então se trabalha mais. Na verdade, a empresa se apropria dessa tecnologia que permite unificar funções jornalísticas, e usa isso totalmente voltado para as necessidades dela, para aumentar a rentabilidade. Isso sacrifica as pessoas”.

A VOZ DO DONO E O DONO DA VOZ

No final de maio, a revista “Trip”, que se destaca por produzir conteúdo jovem, demitiu 19 pessoas, o que, segundo o editor e fundador Paulo Lima, representa menos de 8% do total de funcionários. Foram três jornalistas, quatro da área de publicidade, dois designers, quatro da área de produção de moda e ensaio sensual, e o restante de áreas de apoio, como TI (tecnologia da informação) e almoxarifado. Em entrevista à Pública, ele conta que os cortes foram resultado de uma consultoria realizada pela Falconi Consultores de Resultado, uma das principais consultorias de gestão do país. “Por isso que eu digo que essas demissões tem menos a ver com a crise momentânea e mais com um movimento planejado da empresa”, explica o publisher.
Segundo ele, a Trip cresceu em média 30% ao ano nos últimos 10 anos. “Então, é quase inevitável que você termine um ciclo como esse com algumas questões de ineficiência. Vou dar alguns exemplos: a Trip tem ensaio sensuais femininos, a TPM tem ensaios sensuais masculinos e o site também tem uma sessão de ensaios. A gente tinha em um mesmo núcleo três equipes para fazer ensaios sensuais. É evidente que havia um excesso de pessoas para fazer a mesma atividade”. Essa equipe a que se refere é de produção, já que os fotógrafos já eram terceirizados. Para poupar ainda mais recursos, Lima conta que a empresa centralizou as divisões de revistas e de produtos customizados em um só núcleo. Além disso, ele aposta na terceirização. “A forma de fazer conteúdo está mudando. A tendência, como a gente pode ver recentemente com a Record, é terceirizar a produção e trabalhar com produtores independentes. Acho que é esse o processo que a gente está perseguindo. É adequar a nossa gestão ao nosso tempo”.

O FUTURO, INCERTO

A grande maioria dos analistas que tratam do futuro do jornalismo – em especial, nos EUA – fala de “mudança de paradigma”, com o fim da indústria das notícias. Os pesquisadores C.W. Anderson e Emily BelleClay Shirky, da Universidade de Columbia, assumem esse desfecho no relatório “O Jornalismo Pós-industrial: adaptando-se ao presente”:
“Não existe mais uma indústria de notícias. (…) Antes a indústria era mantida pelas condições que determinam o que é uma indústria: métodos similares dentre um grupo relativamente pequeno e coeso de empresas, e uma inabilidade competitiva da produção de todo o resto daqueles que estavam fora deste grupo. Essas condições não são mais verdadeiras”.
Isso não significa, é claro, que o jornalismo em si esteja à beira do precipício. Como diz Paulo Zocchi, a crise ocorre porque, justamente, “o negócio de comunicação está em franca expansão”. “Nada indica, na minha opinião, que o trabalho do jornalista vai acabar. Estamos, em primeiro lugar, lutando para que as condições de trabalho não piorem mais”.
Existe, ao mesmo tempo diversas iniciativas que procuram realizar jornalismo de outras maneiras – como é o caso desta Agência Pública, uma organização sem fins lucrativos – mas, para a maioria dos jornalistas, resta a incerteza de como será o seu próprio futuro. “Eu acho que as pessoas estão vendo que vão ter que se adaptar, mas nem todo mundo, eu inclusive, ainda não sabe exatamente como se encaixar nesta nova realidade. A piada é ‘vou montar um blog e ficar rico’” – brinca uma jornalista da editora Abril que, ainda num cenário de possibilidades restritas, prefere não se identificar para não arriscar seu ganha-pão.

sábado, 8 de junho de 2013

Obama: ‘Ninguém está escutando as suas conversas telefônicas’


Presidente americano tenta acalmar polêmica sobre obtenção de dados telefônicos de milhões de pessoas
Em discurso, Obama defende programas de vigilância do governo Evan Vucci / AP
WASHINGTON - Tentando acalmar a polêmica sobre a obtenção do governo de dados telefônicos e de internet de milhões de pessoas, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, garantiu nessa sexta-feira que agentes da inteligência não escutaram conversas de clientes da companhia telefônica Verizon. Em um esforço para defender a ação da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês), ele afirmou que os dados ajudaram a prevenir ataques terroristas contra o país e que as medidas foram autorizadas pelo Congresso.
- Ninguém está escutando as suas conversas - assegurou. - Na minha avaliação, isso fez a diferença na nossa capacidade de prevenir ataques terroristas. Os programas estão sob uma supervisão restrita dos três poderes e não envolvem escutas de ligações telefônicas - reforçou.
O presidente também afirmou que monitoramento de dados de internet tem como alvo estrangeiros e não cidadãos americanos, mas ressaltou que algumas salvaguardas já estão postas em prática para o sistema de vigilância em geral. Ele também comentou sobre a dificuldade em encontrar um equilíbrio entre a segurança nacional e os direitos individuais.
- Você não pode ter 100% de segurança e ter também 100% de privacidade e 0% de inconveniência - salientou. - Nós temos que fazer algumas escolhas como uma sociedade.
Sem se estender, ele criticou brevemente o vazamento dos programas para jornalistas do “Washington Post” e do “Guardian”, afirmando que a divulgação põe em risco pessoas envolvidas e em situações perigosas.
- E isso acaba vazando à toa sem levar em conta os riscos para o programa, os riscos para as pessoas envolvidas, e, em alguns casos, outros riscos de vazamentos de informações de pessoas em situações muito perigosas. Então, fica muito difícil para nós sermos tão eficazes para proteger o povo americano.
Acossado por forte críticas após a revelação pela imprensa dos programas secretos de vigilância, o governo foi forçado a divulgar informações-chave sobre o sistema que coletou dados de ligações telefônicas e navegações na internet. O diretor nacional de Inteligência, James Clapper, afirmou que a medida ajudará a entender melhor como funciona o programa Prism, mas advertiu que a divulgação de documentos secretos pela mídia, como a ocorrida na quinta-feira, ameaça causar um dano irreversível e duradouro, afetando a segurança dos EUA.
O diretor disse ter determinado a liberação de algumas informações sobre o Prism, implantado em 2007. Ele reconheceu os riscos em discutir publicamente detalhes do programa de registros de ligações telefônicas, mas disse que queria corrigir a “impressão enganosa” criada pela imprensa.
“A divulgação não autorizada de documentos de um tribunal federal secreto ameaça prejudicar potencialmente a longo prazo e de maneira irreversível a nossa capacidade de identificar e responder aos muitos desafios que enfrentam a nossa nação”, afirmou Clapper, em uma rara declaração emitida após a revelação dos documentos. “Eu acho importante que o povo americano entenda os limites desse programa antiterrorista específico e os princípios que regem a sua utilização”.
Clapper explicou que o Prism, que nunca havia sido divulgado, não pode ser usado para espionar qualquer americano intencionalmente ou qualquer pessoa nos Estados Unidos. Ele acrescentou que o programa é supervisionado por um tribunal especial, pelo Congresso e pelo Poder Executivo, e que a retenção e a disseminação das informações coletadas sobre os cidadãos ocorrem de forma mínima.
O programa é conduzido sob autorização do Congresso e do Tribunal de Vigilância de Inteligência Estrangeira, que determina a sua legalidade, e a informação adquirida é supervisionada pelo Departamento de Justiça e pelo Tribunal FISA, segundo o diretor. Ele explicou que apenas uma pequena parte dos registros são examinados, porque a maioria não tem nenhuma conexão com investigações de atividades terroristas, e o programa é revisado a cada 90 dias.
“Os dados recolhidas pelo programa estão entre as informações de inteligência estrangeira mais importantes e valiosas que coletamos e são usados para proteger nossa nação de uma ampla variedade de ameaças”, afirmou Clapper.
A NSA recolhe os dados amplamente, pois coletá-los de forma específica tornaria mais difícil a identificação de comunicações relacionadas com o terrorismo, de acordo com diretor. Ele acrescentou que a informação permite que o governo, ao longo do tempo, faça conexões sobre as atividades terroristas. Clapper esclareceu que o programa não permite o acesso ao conteúdo das ligações das pessoas, mas só inclui informações como duração, números discados e local.
Os programas de monitoramento do governo americano foram condenados por grupos civis e por alguns parlamentares, apesar de lideranças do Senado terem garantido que o Congresso tinha conhecimento sobre o assunto. Em um tom duro, o jornal americano “New York Times” afirmou que esse tipo de prática afeta a credibilidade do Executivo.
“O governo já perdeu toda a credibilidade sobre o assunto. Obama está mostrando que o Poder Executivo irá usar qualquer poder e muito provavelmente abusar dele. Essa é uma das razões pelo qual sustentamos que a Lei Patriótica, promulgada após o calor de medo do 11 de setembro de 2001, foi imprudente em sua missão de vigilância, desnecessária e que ultrapassa limites de poder”, publicou o jornal americano nesta sexta-feira.
O jornal britânico “The Guardian” revelou na quinta-feira a existência de uma ordem judicial que exige à companhia telefônica Verizon entregar registros de chamadas de seus clientes, incluindo local, duração e número, mas não o conteúdo e a identidade dos assinantes. Poucas horas depois, o diário “The Washington Post” informou a existência de um outro programa utilizado pela Agência de Segurança Nacional NSA e pelo FBI que supervisiona as principais empresas de internet no país para extrair informações de áudio, vídeo, e-mails e outros dados dos usuários.