sexta-feira, 29 de novembro de 2013

O lado escuro da força, por Nelson Motta


O avô do Jabor era uma figuraça. Quando o neto lhe contava entusiasmado uma boa novidade, o velho logo o advertia: “Cuidado, Arnaldinho, nada é só bom.” Sim, tudo também tem um lado ruim, o das coisas boas que vão ter fim.
A máxima do velho antecipava o irônico paradoxo da era digital: nunca na história deste planeta houve algo tão bom para aproximar as pessoas — e nada que as dividisse tanto — como a internet, onde todos se encontram e cada um pode mostrar, escondido pelo anonimato, o seu pior.
Chico Buarque, que um dia já foi chamado de maior unanimidade do Brasil, disse que sempre acreditou que era amado, até descobrir, na internet, que era odiado. Qualquer assunto ou pessoa que vá ao ar tem logo dois lados trocando insultos e acusações, dividindo o que poderia ser multiplicado.
No pesadelo futurista, a diversidade e a diferença são soterradas pela ignorância e o ódio irracional, que impedem qualquer debate produtivo, assim como os black blocks impedem qualquer manifestação pacífica.


Na última semana li vários editoriais de jornais e artigos de diversas tendências sobre o mesmo tema: a internet como geradora e ampliadora de um virulento e empobrecedor Fla x Flu, ou pior, de um PT x PSDB em que todos saem perdedores. E como disse o Pedro Dória: só vai piorar.
Todas as paixões e excessos que são permitidos, e até divertidos e catárticos, nas discussões de futebol só produzem discórdia, mentiras e mais intolerância no debate político e cultural. Simpatizantes de qualquer causa ou ideologia só leem os que dizem o que eles querem ouvir, nada aprendem de novo, chovem no molhado.
Mas até esse lado ruim também tem um lado bom, de revelar as verdades secretas, expondo os piores sentimentos de homens e mulheres, suas invejas e ressentimentos, sua malignidade, que nenhum regime político pode resolver. Sem o crescimento da consciência individual, como melhorar coletivamente?
Como Freud explicaria no seu Facebook, os comentários odiosos revelam mais sobre quem comenta do que sobre o odiado. Ou, como já dizia a minha avó, a boca fala (e agora digita) as abundâncias do coração.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Estratégias para a internet

Coluna Opinião O Globo

Peter Knight

O governo precisa atualizar a legislação e reduzir a excessiva tributação dos serviços de telecomunicações


  • O furor sobre o Marco Civil da internet no Brasil e as revelações de Edward Snowden quanto à espionagem sistemática praticada pela NSA trouxeram a internet às manchetes. Mas estas controvérsias não enfocam as principais questões que devem ser debatidas. Por que a internet veloz é fundamental para o desenvolvimento do Brasil no século 21? Por que os serviços de internet e telefonia móvel custam mais e têm menos qualidade do que em outros países? O que se pode fazer e o que está sendo feito para melhorar esses serviços e reduzir os custos ao consumidor?

  • A importância é estratégica. Hoje a internet é uma infraestrutura crítica da economia cada vez mais globalizada baseada no conhecimento. Outras tecnologias avançadas, como biotecnologia e nanotecnologia, dependem das tecnologias de informação e comunicação (TICs), especialmente da internet. Estratégias para realizar o enorme potencial dessas tecnologias tornaram-se fundamentais para determinar a competitividade de indivíduos, empresas, cidades e nações. Surfar nessa onda tecnológica significa dar um salto à frente de competidores que não adotam tais estratégias. As TICs permitem reduzir custos em toda a economia, transformar instituições, enxugar o Estado e facilitar a participação política.

  • Velocidade e qualidade são deficientes. Três fatores contribuem para o alto custo de serviços de telecomunicações no Brasil: tributação excessiva (as telecomunicações têm a maior carga tributária de todos os setores), altas taxas para interconexões e regulamentações sobre uso de componentes nacionais. Os serviços, especialmente os móveis, são insatisfatórios, com a frequente queda de conexões e relações deficientes com os consumidores.

  • O que fazer? O governo precisa atualizar a legislação e reduzir a excessiva tributação dos serviços de telecomunicações. Não é admissível que, no limiar de uma nova era dominada pela internet e pela telefonia móvel, a Lei Geral das Telecomunicações mantenha o anacronismo de priorizar a telefonia fixa. Taxas e impostos elevados, embora fáceis de recolher, são regressivos, contrários ao objetivo de inclusão digital e podem até encolher a receita. Tais cobranças limitam o poder da tecnologia digital de reduzir desigualdades e acelerar o desenvolvimento.

  • A única tentativa oficial de elaborar uma estratégia nacional para aproveitar a capacidade transformadora das TICs foi um relatório intitulado “Livro Verde da Sociedade da Informação no Brasil”, de 2000, escrito por uma equipe do Ministério da Ciência e Tecnologia, apoiado por centenas de especialistas. O documento propôs ações de planejamento, execução e monitoramento do plano. Nunca foram implementados. Em 2010 o Governo Lula lançou o Programa Nacional de Banda Larga, para melhorar a essencial infraestrutura de fibra ótica. Mas o Brasil continua carecendo de uma estratégia nacional mais abrangente para a transformação que impacta todos os setores e evita políticas não coordenadas e até contraditórias. É urgente elaborar e implementar essa estratégia.