Prosa e Verso, 11/02/21012
Livros discutem mudanças cognitivas, econômicas e políticas provocadas pela comunicação fragmentária da web
"Eu costumava mergulhar em um livro ou artigo extenso”, escreve Nicholas Carr nas primeiras páginas de “A geração superficial: o que a internet está fazendo com os nossos cérebros” (Agir, tradução de Mônica Gagliotti Fortunato Friaça), recém-lançado no Brasil. “Passava horas percorrendo longos trechos de prosa. Agora, raramente isso acontece. Minha concentração começa a se extraviar depois de uma ou duas páginas”. O livro chega ao país dois anos após seu lançamento nos EUA e quase quatro depois de Carr ter aberto este debate, em agosto de 2008, nas páginas da tradicional revista de ensaios “The Atlantic Monthly”, num artigo de título provocante: “O Google está nos deixando burros?”.
Leia mais: Entrevista com Nicholas Carr, autor de "A geração superficial"
A sensação de que estamos perdendo a capacidade de nos concentrar na leitura de textos de fôlego é desconcertante, quase um embaraço. E a tese de que o crescente hábito de nos informarmos pela internet tem alguma responsabilidade nisso é tão tentadora quanto antiga. Em 1996, Steve Wozniak, o excêntrico cofundador da Apple, falava disso em entrevista a um jovem repórter brasileiro: “meus alunos leem diferentemente de nós”, dizia. Milionário, Woz dedicava longas horas a ensinar pré-adolescentes a usar o computador numa escola pública do Vale do Silício. “Nós lemos de forma linear, uma frase após a outra, uma página após a outra, absorvendo lentamente a informação. A garotada, habituada com o mundo online, é mais eficiente. Lê um trecho, pula para outro, absorve a informação em fragmentos”.
Entre a democratização e a superficialidade
O título brasileiro do livro de Carr, “A geração superficial”, pode dar a impressão de que o autor se queixa dessa turma educada num mundo pós-internet. É a tradução que distorce a ideia original. Ele próprio se inclui no pacote de quem vê o próprio cérebro se transformando, embora, nascido em 1959, já estivesse na universidade quando os primeiros computadores criados por Woz saíram da fábrica. Carr, porém, não crê que a leitura fragmentada incentivada pela web seja “mais eficiente”.
De tanto repetir o bordão “A mídia é a mensagem”, perdemos a ideia que o intelectual pop Marshall McLuhan queria transmitir com a frase. Especialista em literatura medieval, McLuhan chegou ao estudo dos efeitos da mídia intrigado com mudanças que ele próprio via num mundo cada vez mais pós-literário de rádio e TV. Prestamos tanta atenção no conteúdo que chega pelos vários dispositivos e não percebemos que as ferramentas que nos informam afetam mais nossa percepção do mundo do que a própria informação que carregam. O livro impresso pós-Gutenberg organizou o raciocínio, permitiu argumentos complexos nascidos de um longo encadeamento de ideias. Inventou um jeito de pensar que não existia antes. Rádio e TV começavam a inventar outros novos jeitos de pensar.
Segundo Carr, a web radicaliza o processo. Quando quebramos a linearidade e começamos a juntar cacos nem sempre conexos de informação, ficamos mais superficiais. Inúmeros estudos indicam que o link perturba a concentração.
Quando um grupo lê um texto de forma linear e outro lê o mesmo texto interligado por hiperlinks, a segunda turma reclama de confusão, umas tantas vezes não consegue lembrar do que leu. E o uso continuado da internet literalmente treina o cérebro a se informar de forma diferente. A exposição contínua à web cria a expectativa de que uma novidade tem que aparecer a cada minuto: clique, clique. O mesmo assunto interminável cria tédio.
“Ninguém lê ‘Guerra e Paz’”, diz outro intelectual, o professor Clay Shirky, da Universidade de Nova York. “É longo demais e não é tão interessante”. Seu libelo contra dois baluartes da cultura literária, Liev Tolstói e Marcel Proust, sugere que supervalorizamos um tipo de cultura em detrimento de outra. Há muito mais na internet que possa nos enriquecer de uma forma distinta. A declaração de Shirky está no livro de Carr, que a considera “teatral demais para ser levada a sério”. Talvez, mas os leitores brasileiros poderão julgar por si mesmos sem o filtro de Carr. “Lá vem todo mundo: o poder de organizar sem organizações”, o mais debatido livro de Shirky, também está chegando ao país, editado pela Zahar (em tradução de Maria Luiza X. de A. Borges).
Ambos são nomes proeminentes em um intenso debate que vem ocorrendo nos EUA faz pouco menos de uma década a respeito dos efeitos gerados pela internet. Nicholas Carr e Clay Shirky pertencem à classe que os americanos chamam de intelectuais públicos. O próprio McLuhan foi um dos pais fundadores desse grupo. Ao contrário de professores dedicados ao debate protegidos pelas paredes da academia, intelectuais públicos travam suas discussões perante todo mundo. Na tradição acadêmica brasileira, um tanto inspirada pela francesa, textos de intelectuais são muitas vezes intransponíveis. Já britânicos e americanos escrevem bem. Em seu livro, Clay Shirky se debruça sobre o aspecto colaborativo da internet.
A sensação de que estamos perdendo a capacidade de nos concentrar na leitura de textos de fôlego é desconcertante, quase um embaraço. E a tese de que o crescente hábito de nos informarmos pela internet tem alguma responsabilidade nisso é tão tentadora quanto antiga. Em 1996, Steve Wozniak, o excêntrico cofundador da Apple, falava disso em entrevista a um jovem repórter brasileiro: “meus alunos leem diferentemente de nós”, dizia. Milionário, Woz dedicava longas horas a ensinar pré-adolescentes a usar o computador numa escola pública do Vale do Silício. “Nós lemos de forma linear, uma frase após a outra, uma página após a outra, absorvendo lentamente a informação. A garotada, habituada com o mundo online, é mais eficiente. Lê um trecho, pula para outro, absorve a informação em fragmentos”.
Entre a democratização e a superficialidade
O título brasileiro do livro de Carr, “A geração superficial”, pode dar a impressão de que o autor se queixa dessa turma educada num mundo pós-internet. É a tradução que distorce a ideia original. Ele próprio se inclui no pacote de quem vê o próprio cérebro se transformando, embora, nascido em 1959, já estivesse na universidade quando os primeiros computadores criados por Woz saíram da fábrica. Carr, porém, não crê que a leitura fragmentada incentivada pela web seja “mais eficiente”.
De tanto repetir o bordão “A mídia é a mensagem”, perdemos a ideia que o intelectual pop Marshall McLuhan queria transmitir com a frase. Especialista em literatura medieval, McLuhan chegou ao estudo dos efeitos da mídia intrigado com mudanças que ele próprio via num mundo cada vez mais pós-literário de rádio e TV. Prestamos tanta atenção no conteúdo que chega pelos vários dispositivos e não percebemos que as ferramentas que nos informam afetam mais nossa percepção do mundo do que a própria informação que carregam. O livro impresso pós-Gutenberg organizou o raciocínio, permitiu argumentos complexos nascidos de um longo encadeamento de ideias. Inventou um jeito de pensar que não existia antes. Rádio e TV começavam a inventar outros novos jeitos de pensar.
Segundo Carr, a web radicaliza o processo. Quando quebramos a linearidade e começamos a juntar cacos nem sempre conexos de informação, ficamos mais superficiais. Inúmeros estudos indicam que o link perturba a concentração.
Quando um grupo lê um texto de forma linear e outro lê o mesmo texto interligado por hiperlinks, a segunda turma reclama de confusão, umas tantas vezes não consegue lembrar do que leu. E o uso continuado da internet literalmente treina o cérebro a se informar de forma diferente. A exposição contínua à web cria a expectativa de que uma novidade tem que aparecer a cada minuto: clique, clique. O mesmo assunto interminável cria tédio.
“Ninguém lê ‘Guerra e Paz’”, diz outro intelectual, o professor Clay Shirky, da Universidade de Nova York. “É longo demais e não é tão interessante”. Seu libelo contra dois baluartes da cultura literária, Liev Tolstói e Marcel Proust, sugere que supervalorizamos um tipo de cultura em detrimento de outra. Há muito mais na internet que possa nos enriquecer de uma forma distinta. A declaração de Shirky está no livro de Carr, que a considera “teatral demais para ser levada a sério”. Talvez, mas os leitores brasileiros poderão julgar por si mesmos sem o filtro de Carr. “Lá vem todo mundo: o poder de organizar sem organizações”, o mais debatido livro de Shirky, também está chegando ao país, editado pela Zahar (em tradução de Maria Luiza X. de A. Borges).
Ambos são nomes proeminentes em um intenso debate que vem ocorrendo nos EUA faz pouco menos de uma década a respeito dos efeitos gerados pela internet. Nicholas Carr e Clay Shirky pertencem à classe que os americanos chamam de intelectuais públicos. O próprio McLuhan foi um dos pais fundadores desse grupo. Ao contrário de professores dedicados ao debate protegidos pelas paredes da academia, intelectuais públicos travam suas discussões perante todo mundo. Na tradição acadêmica brasileira, um tanto inspirada pela francesa, textos de intelectuais são muitas vezes intransponíveis. Já britânicos e americanos escrevem bem. Em seu livro, Clay Shirky se debruça sobre o aspecto colaborativo da internet.
Sua tese é de que a informação picada observada por Carr pode ser vista por outro ângulo: é um diálogo ocorrendo simultaneamente em todo o mundo. Esse diálogo não só conecta pessoas como modifica a sociedade de uma forma profunda. Lançado nos EUA em fevereiro de 2008, o livro não incluiu alguns dos melhores exemplos desse fenômeno. Incluam-se na lista a surpreendente eleição de Barack Obama para a presidência e o chacoalhar ainda sem término à vista de ditaduras árabes.
O Partido Democrata é uma máquina azeitada há décadas. É preciso conhecer os chefetes locais do partido em cada canto, porque são eles que mobilizam eleitores para votar num ou noutro candidato nas primárias. Da mesma forma, é preciso ser íntimo dos simpatizantes mais ricos para conseguir doações que banquem a campanha. Em 2008, estava tudo nas mãos de Hillary Clinton. Usando a internet, Obama mobilizou
O Partido Democrata é uma máquina azeitada há décadas. É preciso conhecer os chefetes locais do partido em cada canto, porque são eles que mobilizam eleitores para votar num ou noutro candidato nas primárias. Da mesma forma, é preciso ser íntimo dos simpatizantes mais ricos para conseguir doações que banquem a campanha. Em 2008, estava tudo nas mãos de Hillary Clinton. Usando a internet, Obama mobilizou
um público que não pertencia à máquina do partido para votar nas primárias e conseguiu, de centavo em centavo doados pela população em geral, angariar dinheiro suficiente. George W. Bush era tão impopular que qualquer candidato democrata seria eleito presidente. Estava tudo combinado para ter sido Hillary. Foi Obama.
A internet descentraliza o acesso à informação, facilita diálogos entre pessoas com interesses comuns e, assim, desconstrói centros de poder. Organiza, como sugere o subtítulo do livro, sem a necessidade de organizações.
Outro dos intelectuais públicos nesse debate, Cass Sunstein, professor de Direito da Universidade de Chicago, vê o fenômeno de Shirky por outro ângulo. Ao facilitar o diálogo entre pessoas com interesses comuns, a internet cria comunidades fechadas. Gente de esquerda só conversa e lê seus pares; gente de direita, idem. O resultado pode ser um embrião de democracia no Egito, mas também um debate cada vez mais radicalizado entre PT e PSDB, Republicanos e Democratas, PSOE e PP na Espanha, Trabalhistas e Conservadores no Reino Unido. Construir pontes entre grupos com opiniões distintas é cada vez mais difícil. Há intolerância no ar. As democracias estão se polarizando.
Um debate travado em livros e blogs
Mas não deixa de ser irônico que boa parte deste debate público esteja sendo travado em livros. A Carr e Sunstein, céticos da internet, juntam-se pensadores como um dos pais da realidade virtual, Jaron Lanier, e Andrew Keen. Em seu “O culto do amador” (Zahar), Keen afirma que a mesma criação coletiva defendida por Shirky tem pouca qualidade e, ao ser igualada à produção profissional, ameaça eliminar o modelo econômico que financia qualidade.
Tampouco Shirky está sozinho. A seu lado estão dois professores da Universidade da Cidade de Nova York (CUNY), Jeff Jarvis e Jay Rosen, e o diretor de redação da revista “Wired”, Chris Anderson. É Anderson que propõe, em “A cauda longa” e “Free: o futuro dos preços” (ambos da Editora Campus), que um novo modelo econômico pode sustentar tanto a produção profissional quanto a amadora.
Debates intelectuais à moda antiga, com ambos os lados costurando argumentos muitas vezes intrigantes, muitas vezes novos, em várias páginas de livros, continuam a ocorrer. Assim como ocorrem, também, na internet. O próprio Nicholas Carr é autor de um blog provocador atualizado com frequência, “Rough Type”.
Como diz o rabino da piada após ouvir cauteloso os dois lados, ambos têm razão.
A internet descentraliza o acesso à informação, facilita diálogos entre pessoas com interesses comuns e, assim, desconstrói centros de poder. Organiza, como sugere o subtítulo do livro, sem a necessidade de organizações.
Outro dos intelectuais públicos nesse debate, Cass Sunstein, professor de Direito da Universidade de Chicago, vê o fenômeno de Shirky por outro ângulo. Ao facilitar o diálogo entre pessoas com interesses comuns, a internet cria comunidades fechadas. Gente de esquerda só conversa e lê seus pares; gente de direita, idem. O resultado pode ser um embrião de democracia no Egito, mas também um debate cada vez mais radicalizado entre PT e PSDB, Republicanos e Democratas, PSOE e PP na Espanha, Trabalhistas e Conservadores no Reino Unido. Construir pontes entre grupos com opiniões distintas é cada vez mais difícil. Há intolerância no ar. As democracias estão se polarizando.
Um debate travado em livros e blogs
Mas não deixa de ser irônico que boa parte deste debate público esteja sendo travado em livros. A Carr e Sunstein, céticos da internet, juntam-se pensadores como um dos pais da realidade virtual, Jaron Lanier, e Andrew Keen. Em seu “O culto do amador” (Zahar), Keen afirma que a mesma criação coletiva defendida por Shirky tem pouca qualidade e, ao ser igualada à produção profissional, ameaça eliminar o modelo econômico que financia qualidade.
Tampouco Shirky está sozinho. A seu lado estão dois professores da Universidade da Cidade de Nova York (CUNY), Jeff Jarvis e Jay Rosen, e o diretor de redação da revista “Wired”, Chris Anderson. É Anderson que propõe, em “A cauda longa” e “Free: o futuro dos preços” (ambos da Editora Campus), que um novo modelo econômico pode sustentar tanto a produção profissional quanto a amadora.
Debates intelectuais à moda antiga, com ambos os lados costurando argumentos muitas vezes intrigantes, muitas vezes novos, em várias páginas de livros, continuam a ocorrer. Assim como ocorrem, também, na internet. O próprio Nicholas Carr é autor de um blog provocador atualizado com frequência, “Rough Type”.
Como diz o rabino da piada após ouvir cauteloso os dois lados, ambos têm razão.
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Entrevista
Nicholas Carr: ‘Precisamos olhar criticamente a tecnologia’
Autor de ‘A geração superficial’, escritor americano diz que internet estimula ‘uma forma primitiva’ de leitura.
A ansiedade que vivemos hoje sobre os efeitos da internet sobre nossa cognição não é nova. Essa parece ser uma marca de toda grande transformação das tecnologias de informação, ao menos desde o livro impresso (que muitos na época temiam ser uma forma de “diluição” do conhecimento). Como a situação atual se distingue das mudanças tecnológicas do passado?
NICHOLAS CARR: Toda nova tecnologia importante, se passa a ser amplamente usada, gera tanto euforia quanto ansiedade. Mas o caso da internet é diferente de todos os anteriores, no escopo e na intensidade de seu uso. É a primeira tecnologia de mídia que as pessoas podem carregar o dia todo, usando-a no trabalho, na vida social, para entretenimento e comunicação. Também é a primeira tecnologia de mídia interativa que transmite textos, imagens, sons e filmes, além de rodar softwares e aplicativos. Isso é algo novo no mundo — uma tecnologia que está constantemente influenciando a maneira como pensamos e nos comunicamos. Por isso, precisamos olhar criticamente para essa tecnologia e perguntar: como ela influencia nossos hábitos mentais? Muitas pesquisas sobre mídias digitais mostram que nosso uso da internet tende a nos colocar em um estado de distração perpétua, bombardeado por interrupções constantes. Isso faz com que tenhamos mais dificuldade para nos engajar em pensamentos contemplativos e reflexivos e também para armazenar memórias ricas e ter insights conceituais profundos. Há muitas qualidades na internet — por isso a usamos tanto — mas acredito que ela nos transforma em pensadores mais superficiais.
Você argumenta que, enquanto o livro impresso originou uma evolução nos hábitos de leitura (da leitura em voz alta para a silenciosa, mais reflexiva), a internet favorece “uma forma mais primitiva de leitura”. Por quê?
A leitura não é uma habilidade nata nos humanos, como a fala, por exemplo. Temos que aprender a ler, e por isso as ferramentas que usamos para ler vão influenciar a qualidade de nossa leitura. O livro impresso, como tecnologia, nos protege de distrações e foca nossa atenção nas palavras do autor, no argumento ou na história. Estimulando a atenção e a calma, a página impressa encoraja uma forma mais profunda de leitura, na qual somos capazes de usar o máximo de nossa imaginação e nossa habilidade interpretativa para compreender o texto. A tela do computador não tem a calma da página impressa. As palavras do autor são forçadas a competir com outros estímulos que chegam através do computador. O leitor distraído não lê com profundidade; ele passa os olhos no texto, lê na diagonal. A leitura se torna um simples ato de decodificação, em vez de um sofisticado ato de interpretação e imaginação.
Como essa mudança nos hábitos de leitura pode influenciar a fruição da literatura?
Com o tempo, a forma como as pessoas leem vai influenciar a forma como escrevem. Acredito que a chegada do livro impresso, criando um grupo muito mais amplo de leitores atentos, encorajou os autores a expandir as fronteiras da literatura, a experimentar novas formas e gêneros, por exemplo. Se a internet e os livros eletrônicos encorajam a leitura distraída, os autores não serão mais capazes de assumir que escrevem para leitores atentos, profundos. Por consequência, acredito que teremos menos experimentação, menos complexidade, menos aventura na escrita. A grande literatura exige não apenas escritores talentosos, mas leitores atentos.
Em um artigo recente, você diz que as editoras deviam distribuir e-books de graça. Por quê?
Sugeri isso como uma estratégia de mercado para as editoras. Muitas pessoas com Kindles, Nooks e iPads podem querer comprar o livro impresso, mas vão preferir o e-book para suas máquinas. Se as editoras dessem um exemplar eletrônico junto com o exemplar impresso, isso encorajaria as pessoas a comprar mais livros impressos. Essa estratégia também combateria a Amazon, que, na minha opinião, está ganhando muito poder no mercado editorial.
NICHOLAS CARR: Toda nova tecnologia importante, se passa a ser amplamente usada, gera tanto euforia quanto ansiedade. Mas o caso da internet é diferente de todos os anteriores, no escopo e na intensidade de seu uso. É a primeira tecnologia de mídia que as pessoas podem carregar o dia todo, usando-a no trabalho, na vida social, para entretenimento e comunicação. Também é a primeira tecnologia de mídia interativa que transmite textos, imagens, sons e filmes, além de rodar softwares e aplicativos. Isso é algo novo no mundo — uma tecnologia que está constantemente influenciando a maneira como pensamos e nos comunicamos. Por isso, precisamos olhar criticamente para essa tecnologia e perguntar: como ela influencia nossos hábitos mentais? Muitas pesquisas sobre mídias digitais mostram que nosso uso da internet tende a nos colocar em um estado de distração perpétua, bombardeado por interrupções constantes. Isso faz com que tenhamos mais dificuldade para nos engajar em pensamentos contemplativos e reflexivos e também para armazenar memórias ricas e ter insights conceituais profundos. Há muitas qualidades na internet — por isso a usamos tanto — mas acredito que ela nos transforma em pensadores mais superficiais.
Você argumenta que, enquanto o livro impresso originou uma evolução nos hábitos de leitura (da leitura em voz alta para a silenciosa, mais reflexiva), a internet favorece “uma forma mais primitiva de leitura”. Por quê?
A leitura não é uma habilidade nata nos humanos, como a fala, por exemplo. Temos que aprender a ler, e por isso as ferramentas que usamos para ler vão influenciar a qualidade de nossa leitura. O livro impresso, como tecnologia, nos protege de distrações e foca nossa atenção nas palavras do autor, no argumento ou na história. Estimulando a atenção e a calma, a página impressa encoraja uma forma mais profunda de leitura, na qual somos capazes de usar o máximo de nossa imaginação e nossa habilidade interpretativa para compreender o texto. A tela do computador não tem a calma da página impressa. As palavras do autor são forçadas a competir com outros estímulos que chegam através do computador. O leitor distraído não lê com profundidade; ele passa os olhos no texto, lê na diagonal. A leitura se torna um simples ato de decodificação, em vez de um sofisticado ato de interpretação e imaginação.
Como essa mudança nos hábitos de leitura pode influenciar a fruição da literatura?
Com o tempo, a forma como as pessoas leem vai influenciar a forma como escrevem. Acredito que a chegada do livro impresso, criando um grupo muito mais amplo de leitores atentos, encorajou os autores a expandir as fronteiras da literatura, a experimentar novas formas e gêneros, por exemplo. Se a internet e os livros eletrônicos encorajam a leitura distraída, os autores não serão mais capazes de assumir que escrevem para leitores atentos, profundos. Por consequência, acredito que teremos menos experimentação, menos complexidade, menos aventura na escrita. A grande literatura exige não apenas escritores talentosos, mas leitores atentos.
Em um artigo recente, você diz que as editoras deviam distribuir e-books de graça. Por quê?
Sugeri isso como uma estratégia de mercado para as editoras. Muitas pessoas com Kindles, Nooks e iPads podem querer comprar o livro impresso, mas vão preferir o e-book para suas máquinas. Se as editoras dessem um exemplar eletrônico junto com o exemplar impresso, isso encorajaria as pessoas a comprar mais livros impressos. Essa estratégia também combateria a Amazon, que, na minha opinião, está ganhando muito poder no mercado editorial.
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