Serviços de mensagens populares no Oriente podem indicar o caminho para Facebook
faturar com o app
Sérgio Matsuura
RIO - Quando uma empresa faz um investimento, normalmente espera recuperar o capital
em alguns anos. O WhatsApp, com 450 milhões de usuários, é sem dúvida um ativo
interessante, mas seu modelo de negócio — cobrança anual de US$ 0,99 de quem se
registrou após a taxa ser instituída, em março de 2012 — levanta questionamentos
sobre como o Facebook terá de volta os US$ 19 bilhões que colocou no negócio. No ano
passado, o faturamento do app foi estimado em US$ 20 milhões.
A resposta lógica seria a publicidade, mas o WhatsApp é fundamentalmente contrário à
exibição de anúncios. No site da companhia e no aplicativo, está o aviso: “quando a
publicidade está envolvida, você, o usuário, é o produto”. O próprio Mark
Zuckerberg, diretor executivo do Facebook, reforçou que essa não é a melhor solução.
— Eu não acredito que anúncios são a forma correta de monetizar mensagens — afirmou
após o anúncio do acordo. — Nossa estratégia explícita para os próximos anos é focar
no crescimento e na conectividade de todos no mundo. (…) Quando o serviço alcançar 1
bilhão, 2 bilhões de pessoas, existirão formas claras de como monetizar.
O rápido crescimento da ferramenta explica, em parte, o valor exorbitante do
negócio. Humberto Matsuda, sócio do fundo brasileiro de venture capital Performa
Investimentos, destaca que a base de usuários do WhatsApp é maior que a do Twitter
(241 milhões de usuários ativos), cujo valor de mercado é de US$ 31,8 bilhões. A
plataforma de troca de mensagens é a que cresceu mais rapidamente na indústria de
tecnologia e conquista atualmente 1 milhão de novos registros por dia.
— É impossível dizer se é justo pagar US$ 19 bilhões, mas existem motivos fortes
para acreditar que sim. A expectativa é que a base de usuários chegue rapidamente a
1 bilhão, com um diferencial: grande parte do público está fora dos EUA e Europa,
zonas de conforto para companhias de tecnologia. Chegar primeiro em mercados da
Ásia, África, América do Sul e Oceania dá uma vantagem muito grande ao Facebook —
explica Matsuda. — E o Facebook já mostrou que tem capacidade de transformar bases
grandes de usuários em dinheiro.
Mas nem todos estão otimistas. O consultor de tecnologia Mário Jorge Passos lembra
da compra do Skype pela Microsoft em 2011, por US$ 8,5 bilhões. Mesmo com proposta
de monetização mais elaborada, com a venda de créditos para ligações via IP, o
investimento não foi recuperado.
— A minha aposta é que ninguém vai ganhar dinheiro com isso (serviços de mensagens)
— afirma.
Karl Whitfield, analista da Portio Research, dá pistas de como a rede social pode
explorar financeiramente o serviço de troca de mensagens: “olhe para o Oriente”,
escreve em artigo no site da consultoria. Há dois anos ele previa que os serviços de
mensagens over-the-top cresceriam tanto que seriam disputados por gigantes como
Google, Apple e Facebook. Agora, algumas dessas plataformas não apenas têm muitos
usuários, como geram receitas com a venda de stickers (ilustrações animadas ou não
de personagens conhecidos) e jogos.
“No curto prazo, o Facebook deveria olhar para Line, WeChat e KakaoTalk para
entender como estão monetizando esses aplicativos. Na Ásia, esses serviços são
usados pelos consumidores mais como redes sociais e canais de venda de conteúdo.
Aplicativos premium, jogos e serviços são vendidos gerando receita significativa”,
afirmou.
O japonês Line, com 340 milhões — sendo 50 milhões no Japão —, faturou US$ 338,4
milhões em 2013 graças a emoticons, stickers e jogos. O sul-coreano KakaoTalk segue
o mesmo modelo e faturou US$ 200 milhões em 2013. A chinesa Tencent inovou com o uso
do seu aplicativo, o WeChat, como plataforma de e-commerce, permitindo que
consumidores fizessem pesquisas e compras na loja virtual do grupo pelo app. A
Rakuten, maior empresa de comércio eletrônico do Japão, pretende fazer o mesmo com o
Viber, adquirido por US$ 900 milhões. Hiroshi Mikitani, presidente da companhia, já
afirmou que pretende “conectar a plataforma de mensagens com o e-commerce”.
Quatro horas fora do ar
O diretor do Viber no Brasil, Luiz Felipe Barros, considera elevado o valor pago
pelo Facebook pelo concorrente WhatsApp. Para ilustrar, o executivo faz uma simples
conta. Com base de 300 milhões de adeptos, a negociação do Viber foi de US$ 3
dólares por usuário, valor já considerado alto. No WhatsApp, o valor pago foi de US$
42 por usuário, sendo que o faturamento do Facebook no último trimestre de 2013 foi
de US$ 2,14 por usuário.
— Pelo modelo adotado pelo WhatsApp, eles precisariam de 19 bilhões de clientes para
pagar o investimento, três vezes o número de habitantes no planeta. Se eles
cumprirem o que disseram e não corromperem o modelo, eles vão ter que corromper os
dados dos usuários — prevê.
Barros explica que uma das saídas para gerar receitas com o app seria usar as
informações pessoais da base para aprimorar o sistema de publicidade do Facebook. O
investidor Humberto Matsuda e o diretor de estratégia da agência Frog, Roberto
Cassano, também consideram essa uma alternativa.
— Com desconhecidos que falam sua língua, você se conecta pelo Twitter; para os
conhecidos, usa o Facebook; mas com as pessoas que realmente importam, você usa o
WhatsApp — diz Cassano.
Além de descobrir como ganhar dinheiro com o WhatsApp, o Facebook terá também que
aprimorar a infraestrutura do app. No sábado, os usuários ficaram impossibilitados
de trocar mensagens durante quatro horas por causa de falha técnica em um roteador,
“nosso mais longo período fora do ar em anos”, admitiu o fundador Jan Koum.
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