Blog da disciplina de Mídias Globais. Aqui você encontrará o conteúdo necessário para a realização do curso. Em caso de dúvidas, entrar em contato com: lleo@puc-rio.br (Luiz Léo) e maripalm@puc-rio.br (Mariana Palmeira)
AT&T indicated Friday that it no longer intends to make allegations of political bias as part of its defense against the Justice Department's lawsuit to block its purchase of Time Warner, CNN's parent company.
When the DOJ filed the lawsuit in November, AT&T and Time Warner claimed as one element of their public defense that the government was "selectively enforcing" antitrust law in targeting the deal, and that it was motivated to do so because of President Donald Trump's animus toward CNN.
But a brief filed by lawyers for AT&T on Friday evening outlining the arguments they will make when the case goes to trial later this month contains no reference to that defense, or to Trump's attitude toward the network. A separate brief filed by the DOJ said the government does not expect AT&T to argue selective enforcement. Now the case will likely focus solely on whether the merger will raise prices, stifle competition and harm consumers.
Shortly after the merger was announced in October of 2016, Makan Delrahim -- who was a law professor at the time, but is now the head of the DOJ's antitrust division -- said in an interview with a Canadian radio outlet that he saw no antitrust problems with the deal. Soon after he was confirmed to the DOJ in 2017, the government sued to block the merger.
The DOJ has said in court that there was no abrupt change in tactics, and that asking for structural remedies and suing to block the merger had always been possibilities. But AT&T had argued that Delrahim's earlier comments, plus Trump's public statements about CNN and comments he'd made during the campaign saying he felt the deal should be blocked raised the possibility of selective enforcement.
Now it's likely Trump's comments about the merger and CNN won't even be mentioned during trial.
Last year AT&T asked for logs of any written and oral communications related to AT&T, Time Warner and CNN between the White House and the attorney general's office, between the White House and the DOJ's antitrust division, and between the attorney general's office and the antitrust division. While the government provided logs of communications between the White House and the antitrust division, which they said showed no "untoward" communications, it declined to provide the other two types of communications logs.
Though the government declined to say whether or not such communications with the White House existed, Delrahim said in an affidavit filed by the DOJ that at no time did he "receive orders, instructions, or directions." AT&T's lawyers tried to argue that Delrahim never mentioned whether any conversations about the case happened, and the government did not confirm or deny that they may have taken place.
During a status conference hearing last month, the DOJ told the judge overseeing the case, Richard J. Leon, that the request for communications logs was too broad and was "a naked assertion with no facts." AT&T, the DOJ said, was using Trump's comments about CNN as "a 'get out of jail free' card for their illegal merger."
In deciding last month to block discovery of the White House communications, Leon warned that the parties could not afford the time that would have been required to litigate the matter, and that AT&T had failed to prove that the government had never before prosecuted such an antitrust case. "So while [this case] may, indeed be a rare breed of horse, it is not exactly a unicorn!" Leon wrote.
On Friday a group of former DOJ officials including former U.S. Attorney Preet Bharara and President Richard Nixon's White House counsel John Dean (both of whom are CNN contributors), filed an amicus brief asking the judge to reconsider allowing AT&T to obtain discovery and testimony related to any possible "White House interference" in the case.
"When the president specifically threatens to use the power of DOJ to punish a perceived opponent, it raises serious constitutional concerns," the former officials wrote in the filing, which was organized by the Protect Democracy Project. "Public confidence in the rule of law demands a full inquiry, if for no other reason than to ensure the public that the Department continues to adhere to its obligation of ensuring the fair and impartial administration of justice for all Americans."
Regardless, AT&T will now focus on trying to disprove the government's claims that the merger will stifle competition, raise prices and harm consumers.
AT&T has previously said it had offered the DOJ the same behavioral remedies that the government agreed to in the 2011 Comcast and NBCUniversal merger, the conditions of which were approved by Leon. One was a consent decree under which AT&T would submit to mandatory arbitration of carriage deals and would not black out any distributor of its channels during a dispute over such a deal. But soon after Delrahim was confirmed, the DOJ told AT&T that it would have to spin off either satellite provider DirectTV or Turner (the unit of Time Warner that includes CNN) in order to gain approval for the deal.
The trial is set to begin March 19 and to last three weeks. The judge is expected to make a decision sometime in April.
CNNMoney (New York)First published March 9, 2018: 10:10 PM E
Prestes a fazer 90 anos, acaba de abandonar o MIT. Ali revolucionou a linguística moderna e se transformou na consciência crítica dos EUA. Visitamos o grande intelectual em seu novo destino, no Arizona
Noam Chomsky (Filadélfia, 1928) superou faz tempo as barreiras da vaidade. Não fala de sua vida privada, não usa celular e em um tempo onde abunda o líquido e até o gasoso, ele representa o sólido. Foi detido por opor-se à Guerra do Vietnã, figurou na lista negra de Richard Nixon, apoiou a publicação dos Papéis do Pentágono e denunciou a guerra suja de Ronald Reagan. Ao longo de 60 anos, não há luta que ele não tenha travado. Defende tanto a causa curda como o combate à mudança climática. Tanto aparece em uma manifestação do Occupy Movement como apoia os imigrantes sem documentos.
Mergulhado na agitação permanente, o jovem que nos anos cinquenta deslumbrou o mundo com a gramática gerativa e seus universais, longe de descansar sobre as glórias do filósofo, optou pelo movimento contínuo. Não se importou com que o acusassem de antiamericano ou extremista. Sempre seguiu em frente com valentia, enfrentando os demônios do capitalismo − sejam os grandes bancos, os conglomerados militares ou Donald Trump. À prova de fogo, sua última obra volta a confirmar sua tenacidade. Em Réquiem para o sonho americano (editora Bertrand Brasil),ele põe no papel as teses expostas no documentário homônimo e denuncia a obscena concentração de riquezae poder que exibem as democracias ocidentais. O resultado são 192 páginas de Chomsky em estado puro. Vibrante e claro.
Preparado para o ataque.
— O senhor se considera um radical?
— Todos consideramos a nós mesmos moderados e razoáveis.
— Defina-se ideologicamente.
“As pessoas se sentem menos representadas e levam uma vida precária. O resultado é uma mistura de aborrecimento e medo”
— Acredito que toda autoridade tem de se justificar. Que toda hierarquia é ilegítima enquanto não demonstrar o contrário. Às vezes pode se justificar, mas na maioria das vezes, não. E isso... isso é anarquismo.
Uma luz seca envolve Chomsky. Depois de 60 anos dando aulas no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), o professor veio viver nos confins do deserto de Sonora, no Arizona. Em Tucson, a mais de 4.200 quilômetros de Boston, ele se instalou e estreou um escritório no Departamento de Linguística da Universidade do Arizona. O centro é um dos poucos pontos verdes dessa cidade abrasadora. Freixos, salgueiros, palmeiras e nogueiras crescem em torno de um edifício de tijolos vermelhos de 1904 onde tudo fica pequeno, mas tudo é acolhedor. Pelas paredes há fotos de alunos sorridentes, mapas das populações indígenas, estudos de fonética, cartazes de atos culturais e, no fundo do corredor, à direita, o escritório do maior linguista vivo.
O lugar não tem nada a ver com o espaço inovador do Frank Gehry que o abrigava em Boston. Aqui, mal cabe uma mesa de trabalho e outra para sentar-se com dois ou três alunos. Recém-estreado, o escritório de um dos acadêmicos mais citados do século XX ainda não tem livros próprios, e seu principal ponto de atenção recai em duas janelas que inundam a sala de âmbar. Chomsky, de calças jeans e longos cabelos brancos, gosta dessa atmosfera calorosa. A luz do deserto foi um dos motivos que o levaram a se mudar para Tucson. “É seca e clara”, comenta. Sua voz é grave e ele deixa que se perca nos meandros de cada resposta. Gosta de falar longamente. Pressa não é com ele.
Pergunta. Vivemos uma época de desencanto?
Resposta. Já faz 40 anos que o neoliberalismo, liderado por Ronald Reagan e Margaret Thatcher, assaltou o mundo. E isso teve um efeito. A concentração aguda de riqueza em mãos privadas veio acompanhada de uma perda do poder da população geral. As pessoas se sentem menos representadas e levam uma vida precária, com trabalhos cada vez piores. O resultado é uma mistura de aborrecimento, medo e escapismo. Já não se confia nem nos próprios fatos. Há quem chama isso de populismo, mas na verdade é descrédito das instituições.
R. A desilusão com as estruturas institucionais levou a um ponto em que as pessoas já não acreditam nos fatos. Se você não confia em ninguém, por que tem de confiar nos fatos? Se ninguém faz nada por mim, por que tenho de acreditar em alguém?
P. Nem mesmo nos veículos de comunicação?
R. A maioria está servindo aos interesses de Trump.
P. Mas há alguns muito críticos, como The New York Times, The Washington Post, CNN…
R. Olhe a televisão e as primeiras páginas dos jornais. Não há nada mais que Trump, Trump, Trump. A mídia caiu na estratégia traçada por Trump. Todo dia ele lhes dá um estímulo ou uma mentira para se manter sob os holofotes e ser o centro da atenção. Enquanto isso, o flanco selvagem dos republicanos vai desenvolvendo sua política de extrema direita, cortando direitos dos trabalhadores e abandonando a luta contra a mudança climática, que é precisamente aquilo que pode acabar com todos nós.
P. O senhor vê em Trump um risco para a democracia?
R. Representa um perigo grave. Liberou de forma consciente e deliberada ondas de racismo, xenofobia e sexismo que estavam latentes, mas que ninguém tinha legitimado.
P. Continua apoiando o senador democrata Bernie Sanders?
R. É um homem decente. Usa o termo socialista, mas nele significa mais um New Deal democrata. Suas propostas, de fato, não seriam estranhas a Eisenhower[presidente dos EUA pelo Partido Republicano de 1953 a 1961]. Seu sucesso, mais que o de Trump, foi a verdadeira surpresa das eleições de 2016. Pela primeira vez em um século houve alguém que esteve a ponto de ser candidato sem apoio das corporações nem dos veículos de comunicação, só com o apoio popular.
“Trump liberou deliberadamente ondas de racismo, xenofobia e sexismo que estavam latentes mas não legitimadas”
P. Houve um deslizamento para a direita do espectro político?
R. Na elite do espectro político sim, ocorreu esse deslizamento, mas não na população em geral. Desde os anos oitenta se vive uma ruptura entre o que as pessoas desejam e as políticas públicas. É fácil ver isso no caso dos impostos. As pesquisas mostram que a maioria quer impostos mais altos para os ricos. Mas isso nunca se leva a cabo. Frente a isso se promoveu a ideia de que reduzir impostos traz vantagens para todos e que o Estado é o inimigo. Mas quem se beneficia da reduzir [verbas para] estradas,hospitais, água limpa e ar respirável?
P. Então o neoliberalismo triunfou?
R. O neoliberalismo existe, mas só para os pobres. O mercado livre é para eles, não para nós. Essa é a história do capitalismo. As grandes corporações empreenderam a luta de classes, são autênticos marxistas, mas com os valores invertidos. Os princípios do livre mercado são ótimos para ser aplicados aos pobres, mas os muito ricos são protegidos. As grandes indústrias de energia recebem subvenções de centenas de milhões de dólares, a economia de alta tecnologia se beneficia das pesquisas públicas de décadas anteriores, as entidades financeiras obtêm ajuda maciça depois de afundar… Todas elas vivem com um seguro: são consideradas muito grandes para cair e são resgatadas se têm problemas. No fim das contas, os impostos servem para subvencionar essas entidades e com elas, os ricos e poderosos. Mas além disso se diz à população que o Estado é o problema e se reduz seu campo de ação. E o que ocorre? Seu espaço é ocupado pelo poder privado, e a tirania das grandes corporações fica cada vez maior.
R. Até Orwell estaria assombrado. Vivemos a ficção de que o mercado é maravilhoso porque nos dizem que está composto por consumidores informados que adotam decisões racionais. Mas basta ligar a televisão e ver os anúncios: procuram informar o consumidor para que tome decisões racionais? Ou procuram enganar? Pensemos, por exemplo, nos anúncios de carros. Oferecem dados sobre suas características? Apresentam informes realizados por entidades independentes? Porque isso sim que geraria consumidores informados capazes de tomar decisões racionais. Em vez disso, o que vemos é um carro voando, pilotado por um ator famoso. Tentam prejudicar o mercado. As empresas não querem mercados livres, querem mercados cativos. De outra forma, colapsariam.
P. Diante dessa situação, não é muito fraca a contestação social?
R. Há muitos movimentos populares muito ativos, mas não se presta atenção neles porque as elites não querem que se aceite o fato de que a democracia pode funcionar. Isso é perigoso para elas. Pode ameaçar seu poder. O melhor é impor uma visão que diz a você que o Estado é seu inimigo e que você tem de fazer o que puder sozinho.
P. Trump usa frequentemente o termo antiamericano. Como o senhor entende esse termo?
“As grandes corporações empreenderam a luta de classes, são marxistas mas com os valores invertidos”
R. Os Estados Unidos são o único país onde, por criticar o Governo, te chamam de antiamericano. E isso representa um controle ideológico, acendendo fogueiras patrióticas por toda parte.
P. Em alguns lugares da Europa também ocorre isso.
R. Mas nada comparável ao que ocorre aqui, não há outro país onde se vejam tantas bandeiras.
P. O senhor teme o nacionalismo?
R. Depende. Se significa estar interessado em sua cultura local, é bom. Mas se for uma arma contra outros, sabemos aonde pode conduzir, já vimos e experimentamos isso.
P. Acha possível que se repita o que ocorreu nos anos trinta?
R. A situação se deteriorou. Depois da eleição de Barack Obama se desencadeou uma reação racista de enorme virulência, com campanhas que negavam sua cidadania e identificavam o presidente negro com o anticristo. Houve muitas manifestações de ódio. No entanto, os EUA não são a República de Weimar[democracia alemã anterior ao nazismo]. Precisamos estar preocupados, mas as probabilidades de que se repita algo assim não são altas.
P. Seu livro começa lembrando a Grande Depressão, uma época em que “tudo estava pior que agora, mas havia um sentimento de que tudo iria melhorar”.
R. Eu me lembro perfeitamente. Minha família era de classe trabalhadora, estava desempregada e não tinha educação. Objetivamente, era uma época muito pior que agora, mas havia um sentimento de que todos estávamos juntos naquilo. Havia um presidente compreensivo com o sofrimento, os sindicatos estavam organizados, havia movimentos populares… Tinha-se a ideia de que juntos podíamos vencer a crise. E isso se perdeu. Agora vivemos a sensação de que estamos sozinhos, de que não há nada a fazer, de que o Estado está contra nós…
P. Ainda tem esperanças?
R. Claro que há esperança. Ainda há movimentos populares, gente disposta a lutar… As oportunidades estão aí, a questão é se somos capazes de aproveitá-las.
Chomsky termina com um sorriso. Deixa vibrando no ar sua voz grave e se despede com extrema cortesia. Em seguida, sai do escritório e desce as escadas da faculdade. Fora, esperam-lhe Tucson e a luz seca do deserto de Sonora.
A tecnologia não serve para mudar a sociedade, apesar de o senso comum acreditar nessa ideia e de muitos comerciais usarem a palavra “revolução” para anunciar seus produtos
Nossa resposta aos meios e veículos de comunicação – ou seja, o que conta é o modo como são usados – tem muito da postura alvar do idiota tecnológico.
Marshall McLuhan.
Aparentemente parece ser complicado começar pelo fim, mas não é. Aliás, foi o matemático polonês Polya que disse: “Comece pelo fim!”. Esse conselho nos fez começar pelo último parágrafo de um artigo escrito por Adauto Novaes para o Le Monde Diplomatique Brasil: “Assim, com as promessas da ciência da técnica que jamais se realizam (sempre uma espera), o progresso entra em eterno processo, linear e infinito, mas também mecânico e circular, criando as próprias condições de perpetuação”. Assim, hoje a tecnologia se tornou uma espécie de aparelho ideológico do Estado que funciona mais ou menos como a Igreja em tempos medievais que, por meio da promessa do paraíso, mantinha o controle dos indivíduos reproduzindo incessantemente os mecanismos tradicionais de dominação.
O filme O círculo, estrelado por Emma Thompson e Tom Hanks, é exemplar para ilustrar essa questão. Uma mega corporação constrói uma câmera no formato de uma pequena bola de silicone que consegue a proeza de transmitir imagens (entre outras funcionalidades) via satélite. Ela pode ser colocada em qualquer lugar sem que o indivíduo que esteja sendo vigiado perceba. O discurso criado em torno do aparelho assevera a utilidade da nova tecnologia para caçar fugitivos da polícia, encontrar pessoas desaparecidas etc. “Não há mais esconderijos para os terroristas”, diz o diretor da empresa. No fim, a moral do filme traz à tona a ideia instigante de que a vigilância é um problema quando aqueles que vigiam passam a ser os vigiados. Eles não aceitariam isso jamais.
Hollywood é sempre superficial em roteiros que poderiam ser explorados mais profundamente. Seria interessante se, por exemplo, nos perguntássemos qual seria “realmente” a utilidade desse tipo de tecnologia para as nossas vidas? Trocar informações com grande velocidade, imagens com alta definição, vídeos em tempo real compartilhados, etc., estão contribuindo para no projeto de construção de uma sociedade melhor? A proposta iluminista que encara o conhecimento como uma ferramenta para se alcançar a felicidade mediante a destituição da ignorância ficou apenas no discurso? Discurso que, por sua vez, embora cada vez mais pálido pelo culto excessivo da prática, é mantido para a permanência das relações capitalistas de produção?
O cotidiano cibernético
A tecnologia não serve para mudar a sociedade, apesar de o senso comum acreditar nessa ideia e de muitos comerciais usarem a palavra “revolução” para anunciar seus produtos. Uma técnica é fruto de uma cultura e, no máximo, condiciona uma sociedade, jamais a determina, nos mostra Pierre Levy.[1] Não podemos dizer que a invenção da imprensa determinou as Reformas Religiosas, mas sem dúvida contribuiu para o seu andamento.
A Revolução Tecnológica (uma revolução que se resume em si mesma) atual tem início nos anos 1970 com a invenção do microprocessador. No entanto, essa foi a época do ressurgimento do capitalismo que, por sua vez, buscava fórmulas para solucionar sua mais recente crise. Ou seja, como destaca Manuel Castells, “a nova sociedade emergente desse processo de transformação é capitalista e também informacional”.[2]
Por isso, é necessário repetir que a tecnologia é fruto da sociedade, da cultura na qual é produzida, jamais o oposto disso. O capitalismo modelou o tipo de tecnologia que excita os jovens de hoje. Nossa cultura narcisista e individualista vai se preocupar em desenvolver técnicas que a fortaleça. Todo dia um novo produto para o mesmo uso, e assim vamos nos (in)satisfazendo. Mercadorias cada vez mais “modernas” para se usar em casa, “na comodidade do lar”. Até a cura para as doenças acaba sendo em escala individual, a não ser que seja de interesse das classes dominantes usá-la para conter um surto que poderia prejudicar a quantidade de suas vendas, ou quando inventa novos transtornos para vender seus psicotrópicos.
Por outro lado, as pessoas usam seus equipamentos tecnológicos, que podem guardar nos bolsos, para compartilhar o seu cotidiano, não para alterá-lo, ou refletir sobre ele. Nas favelas, as crianças compartilham as torturas que traficantes empreendem para punir um devedor ou um X-9 (dedo-duro, no código das comunidades cariocas). A classe média compartilha a tortura de policiais ou vídeos pornográficos pelo whattsapp. Cada nicho social usa a tecnologia para compartilhar seu próprio cotidiano, nada mais. Na internet há um mundo, mas os indivíduos só acessam o que está relacionado ao seu dia a dia. O “conhecimento” de sua realidade é ampliado. Pesquisa-se no Youtube maneiras de fazer comida ou de como se instalar um chuveiro, mas não vai além disso. Não há evolução nem progresso de nada no mundo real, tudo insiste em permanecer igual por meio de novas técnicas virtuais. É o cotidiano cibernético.
O vislumbre que temos pela tecnologia é, em parte, alimentado pela ficção científica que torna possível as hipóteses da física teórica por meio de viagens interestelares, onde a vida extraterrestre e a viagem no tempo fomentam o imaginário moderno. Mas não é muito diferente dos viajantes que desvendavam terras desconhecidas nos finais da Idade Média. Diversos elementos do imaginário tornavam-se possíveis (como monstros e lugares encantados), e temos, como prova disso, os relatos maravilhosos de diversos exploradores.
Foi pela internet que o subcomandante Marcos, líder dos zapatistas de Chiapas, comunicou-se com o mundo e com a mídia, do interior da floresta de Lacandon. Ela também serviu para reunir multidões em Seattle em 1999 e no Cairo em 2010. Mas a cultura da convergência é fragmentária, tornando a revolta eufórica, efêmera, como a natureza da sociedade que construiu o ciberespaço. Além disso, as corporações da mídia ainda possuem uma grande força, pois temos acesso ao subcomandante Marcos, às Farcs (quando eram guerrilhas) ou à realidade da Venezuela, mas nada supera a interpretação dos grandes conglomerados midiáticos sobre esses movimentos. O acesso a múltiplas realidades é algo real, mas o que está entre nós e elas é o que deve ser pensado. O ser humano é disciplinado a ver somente aquilo que quer ver. O consumidor pode encontrar o que quiser na web, mas o que desperta nele o desejo pela procura? E mais, o que ele produz com o que consome (pergunta chave para compreender a obra do historiador Michel de Certeau, “A invenção do cotidiano”)?
Por isso, da maneira como se constitui na atualidade, a tecnologia não tem nada de revolucionária, a não ser para resolver seus próprios problemas (e os do capitalismo). Ela está mais preocupada em superar as barreiras entre o público e o privado do que diminuir as desigualdades sociais do mundo. Está preocupada em compartilhar o cotidiano, uma característica da sociedade de consumo, que se excita muito mais em exibir as coisas que compra que na utilidade prática das mesmas.
Há uma necessidade de discutir o uso social da tecnologia. Não digo isso no sentido da sociedade de risco, como o faz a série Black Mirror, onde vira-se as costas para os conflitos de classe que o lixo tecnológico fomenta. Milhões são gastos para desenvolver tablets e celulares, não só em sua produção, mas – no que é pior – na sua propaganda, nas formas de convencimento que juram ser fundamental eu ter um aparelho de celular que custa R$ 4 mil. E há pessoas que se engalfinham em filas por isso…
*Raphael Silva Fagundes é doutorando em História Política da Uerj e professor da rede municipal do Rio de Janeiro e de Itaguaí.
[1] LEVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed 34, 1999, p.26
[2] CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011, v.1, p.43.