Mente lúcida e fala contundente o acompanham em quase um século de vida. Edgar Morin (Paris, 1921) passou estes longos anos apegado à sua fecunda obra filosófica e sociológica, sendo testemunha presencial de guerras, regimes hegemônicos, agitações políticas, explosões sociais, revoluções tecnológicas. E agora, de uma pandemia.
A reportagem é de Mariela León, publicada por Cambio 16, 16-11-2020. A tradução é do Cepat.
Morin, um dos intelectuais mais destacados da Europa, continua colaborando com ideias para o debate coletivo. Desta vez, sob os sinais de uma crise sanitária sem precedentes, que deixa rastros ainda não mensurados.
Autor da Teoria do Pensamento Complexo e de ao menos outros trinta e cinco títulos, Morin incorpora um a mais nestes tempos difíceis. Com o selo da editora Paidós, coloca no mercado Cambiemos de vía: lecciones de la pandemia, um texto reflexivo acerca dos ensinamentos que a calamidade gerada pelo SARS-CoV-2 deixa para a humanidade.
“Esta crise aberta pela pandemia me surpreendeu enormemente. Mas não surpreendeu minha forma de pensar, ao contrário, a confirmou. No final das contas, sou filho de todas as crises que meus 99 anos passaram. O leitor compreenderá, então, que eu considere normal esperar o inesperado e prever que o imprevisível pode acontecer”, comentou.
Estas páginas se somam a Rumo ao abismo? (2008), A via: para o futuro da humanidade (2011) e Penser global. L’humain et son univers (2015), para citar seus livros mais recentes.
Em Cambiemos de vía, Morin retira lições da crise que vivemos e da inimaginável quarentena de mais da metade do planeta. A partir de sua visão filosófica, deixa em seu texto uma sequência de considerações sobre a existência, a condição humana, a incerteza de nossas vidas. Também sobre a nossa relação com a morte, nossa civilização, o despertar da solidariedade e a desigualdade social no confinamento.
Também adverte sobre a diversidade de situações e a gestão da epidemia no mundo, a ciência e a medicina. Assim como sobre a falta de pensamento e ação política, a crise na Europa, a crise global.
A pandemia vista por Edgan Morin
Um vírus muito minúsculo, como todos, procedente de uma longínqua cidade da China colocou o mundo de pernas para o ar. “É evidente que a história conheceu muitas pandemias. Mas a novidade da Covid-19 é que provocou uma policrise mundial de componentes, interações e incertezas múltiplas e inter-relacionadas”, aponta.
Enfrentamos novas perspectivas: grandes incertezas e um futuro imprevisível. E a humanidade atual, que vive em um fluxo de tensões, não se preparou. “É o momento de mudarmos de via pela proteção do planeta e uma humanização da sociedade”.
Em uma entrevista publicada pelo jornal Le Monde, o filósofo e escritor argumenta que “a pós-pandemia será uma aventura incerta, na qual se desenvolverão as forças do pior e do melhor. Ainda que estas últimas ainda sejam frágeis e dispersas. Mas o pior não está dado, e o improvável pode acontecer”.
Para Edgar Morin, é difícil saber o que acontecerá após a pandemia. “Se depois da quarentena, as condutas e ideias inovadoras serão mantidas com seu impulso ou a ordem será reestabelecida, após a sacudida. Podemos ter o grande temor do retrocesso da democracia, triunfo da corrupção e a demagogia, regimes neoautoritários, iniciativas nacionalistas, xenófobas, racistas”.
Sugere que “todas os retrocessos (e no melhor dos cenários, estagnação) são prováveis, enquanto não surgir a nova via política-ecológica-econômica-social conduzida por um humanismo regenerado. Esta nova via multiplicaria as verdadeiras reformas que não se limitam a reduções orçamentárias, mas que são reformas da civilização, sociedade, vinculadas às reformas da vida”.
O bom, o ruim, o inimaginável
Desta crise, que agora acumula sua segunda onda, deve ser retirada várias lições. Edgar Morin sugere que se deve tomar consciência a respeito da existência de pessoas que viveram a pandemia na escassez e na pobreza. Daqueles que não puderam ter acesso ao supérfluo e frívolo, e que merecem chegar ao estágio no qual se dispõe do desnecessário.
Esta brutal pandemia mudou repentinamente nossa relação com a morte. “De repente, o coronavírus provocou a irrupção da morte pessoal, até então postergada para o futuro na parte imediata da vida cotidiana”. Recordou a contagem de mortes, dia a dia, e a desoladora ação de enterrar os nossos, sem ao menos uma despedida.
No entanto, apontou algumas boas lições trazidas pela pandemia. Despertou a memória (ao ser todo-poderoso, o “homem” pensou que havia dominado a natureza e esqueceu das grandes epidemias da Idade Média, as graves crises econômicas). E despertou a solidariedade, iluminadas sobre a diversidade de situações e desigualdades humanas, sobre as incertezas científicas”.
Hoje, devemos enfrentar os novos desafios do ser humano. “O desafio de uma globalização em crise, existencial, político, digital, ecológico, econômico. O perigo, caso não enfrentemos estes desafios, será um grande retrocesso intelectual, moral e democrático”.
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