terça-feira, 28 de junho de 2011

A nova divisão internacional do mundo


Por Marcio Pochmann


Até a metade do século XVIII, o espaço geográfico que compreende os países asiáticos respondia pela maior parte da produção mundial, tendo em vista a combinação de sua grande dimensão populacional e territorial. Com o surgimento da primeira Revolução Industrial (motor a vapor, ferrovias e tear mecânico), a partir de 1750, o centro dinâmico do mundo deslocou-se para o Ocidente, especialmente para a Inglaterra, que rapidamente se transformou na grande oficina de manufatura do mundo por conta de sua original industrialização.
A divisão internacional do trabalho, que resultou do movimento de deslocamento da estrutura da produção e exportação na manufatura inglesa em relação aos produtos primários exportados pelo resto do mundo, sofreu modificações importantes somente com o avanço da segunda Revolução Industrial (eletricidade, motor a combustão e automóvel) no último quartel do século XIX. Naquela época, a onda de industrialização retardatária em curso nos Estados Unidos e Alemanha, por exemplo, protagonizou as principais disputas em torno da sucessão da velha liderança inglesa. A sequência de duas grandes guerras mundiais (1914 e 1939) apontou não apenas para o fortalecimento estadunidense como permitiu consolidar o novo deslocamento do centro dinâmico mundial da Europa (Inglaterra) para a América (EUA).
Com a Guerra Fria (1947 – 1991), prevaleceu a polarização mundial entre o bloco de países liderados pelos Estados Unidos e pela antiga União Soviética. Na década de 1970, com a crise capitalista impulsionada pela elevação dos preços de matéria-prima e petróleo, a economia dos EUA apresentou sinais de enfraquecimento, simultaneamente ao fortalecimento da produção e exportação japonesa e alemã. Especialmente com a adoção das políticas neoliberais pelos EUA, o mundo novamente voltou a se curvar ao poder norte-americano, sobretudo nos anos 1990, com o desmoronamento soviético que favoreceu o exercício unipolar da dinâmica econômica mundial.
A manifestação da grave crise global desde 2008 tornou mais claro o conjunto de sinais da decadência relativa dos Estados Unidos. A ineficácia das políticas neoliberais e o poder concentrado e centralizado das grandes corporações transnacionais adonaram-se do Estado em grande parte dos países desenvolvidos, sendo responsável pela adoção de políticas caracterizadas como “socialismo dos ricos”. Enquanto os trabalhadores pagam com a perda de seus empregos e a precarização das ocupações, os grandes grupos econômicos se ajustam com grandes somas do orçamento público, este, incapaz de recuperar a dinâmica produtiva, priorizando a financeirização da riqueza.
Simultaneamente, percebe-se o reaparecimento da multicentralidade geográfica mundial com um novo deslocamento do centro dinâmico da América (EUA) para a Ásia (China). Ao mesmo tempo, países de grande dimensão geográfica e populacional voltaram a assumir maior responsabilidade no desenvolvimento mundial, como no caso da China, Brasil, Índia, Rússia e África do Sul, que já respondem atualmente pela metade da expansão econômica do planeta. São cada vez mais chamados de “países baleia”, que procuram exercer efeitos sistêmicos no entorno de suas regiões, fazendo avançar a integração supra-regional, como no caso do Mercosul e Asean, que se expandem com maior autonomia no âmbito das relações Sul-Sul. Não sem motivos, demandam reformulações na ordem econômica global (reestruturação do padrão monetário, exercício do comércio justo, novas alternativas tecnológicas, democratização do poder e sustentabilidade ambiental).
Uma nova divisão internacional do trabalho se vislumbra associada ao desenvolvimento das forças produtivas assentadas na agropecuária, mineração, indústria e construção civil nas economias “baleia”. Também ganham importância as políticas de avanço do trabalho imaterial conectado com a forte expansão do setor de serviços. Essa inédita fase do desenvolvimento mundial tende a depender diretamente do vigor dos novos países que emergiram cada vez mais distantes dos pilares anteriormente hegemônicos do pensamento único (equilíbrio de poder nos Estados Unidos, sistema financeiro internacional intermediado pelo dólar e assentado nos derivativos, Estado mínimo e mercados desregulados), atualmente desacreditados.
Nestes termos, percebe-se que a reorganização mundial desde a crise global em 2008 vem se apoiando numa nova estrutura de funcionamento que exige coordenação e liderança mais ampliada. Os “países baleia” podem contribuir muito para isso, tendo em vista que o tripé da nova expansão econômica global consiste na alteração da partilha do mundo derivada do policentrismo, associado à plena revolução da base técnico-científica da produção e do padrão de consumo sustentável ambientalmente.
A conexão dessa totalidade nas transformações mundiais requer o resgate da cooperação e integração supranacional em novas bases. A começar pela superação da antiga divisão do trabalho entre países assentada na reprodução do passado (menor custo de bens e serviços associado ao reduzido conteúdo tecnológico e valor agregado dependente do uso trabalho precário e da execução em longas jornadas sub-remuneradas). Com isso, o desenvolvimento poderia ser efetivamente global, evitando combinar a riqueza de alguns com a pobreza de outros.
As decisões políticas de hoje tomadas pelos países de grandes dimensões territoriais e populacionais podem asfaltar, inexoravelmente, o caminho do amanhã voltado à constituição de um novo padrão civilizatório global. Quem sabe faz acontecer, como se pode observar pelas iniciativas brasileiras recentes. Todavia, elas ainda precisam ser crescentemente aprimoradas, avançando no enfrentamento dos problemas de ordem emergencial, como valorização cambial e elevada taxa de juros, que comprometem a competitividade, para as ações estratégicas que atuam sobre a nova divisão internacional do trabalho.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Conheça os principais magnatas da mídia no mundo

 



O escândalo provocado pela revelação de que o tabloide News of The World, pertencente ao bilionário australiano Rupert Murdoch, teria grampeado celulares de milhares de pessoas aumentou a preocupação sobre o nível de controle exercido por uma só empresa na mídia britânica.

No entanto, em todo o mundo, empresas de mídia – seja veículos impressos ou de telecomunicações – são dominadas por magnatas que ostentam grandes fortunas e exercem influência considerável.

Conheça alguns dos principais nomes da mídia em diversos países:

Brasil

O mercado de mídia no Brasil é dominado por um punhado de magnatas e famílias.

Na indústria televisiva, três deles têm maior peso: a família Marinho (dona da Rede Globo, que tem 38,7% do mercado), o bispo da Igreja Universal do Reino de Deus Edir Macedo (maior acionista da Rede Record, que detém 16,2% do mercado) e Silvio Santos (dono do SBT, 13,4% do mercado).

A família Marinho também é proprietária de emissoras de rádio, jornais e revistas – campo em que concorre com Roberto Civita, que controla o Grupo Abril (ambos detêm cerca de 60% do mercado editorial).

Famílias também controlam os principais jornais brasileiros – como os Frias, donos da Folha de S.Paulo, e os Mesquita, de O Estado de S. Paulo (ambos entre os cinco maiores jornais do país). No Rio Grande do Sul, a família Sirotsky é dona do grupo RBS, que controla o jornal Zero Hora, além de TVs, rádios e outros diários regionais.

Famílias ligadas a políticos tradicionais estão no comando de grupos de mídia em diferentes regiões, como os Magalhães, na Bahia, os Sarney, no Maranhão, e os Collor de Mello, em Alagoas.

América Latina

No México, o grupo Televisa tem três canais de TV nacionais, duas operadoras de TV a cabo e um ramo editorial, além de ser dono de três clubes de futebol. O grupo ainda tem 5% das ações da Univisión, o maior canal hispânico dos Estados Unidos.

O diretor-executivo do grupo, Emilio Azcarraga Jean, é um dos mais influentes empresários do país.

Os programas da Televisa concentram 70% do mercado publicitário televisivo mexicano. O restante fica com a principal concorrente, a TV Azteca.

Na América Central, o mais importante magnata da mídia é o mexicano Ángel González, baseado em Miami e que controla 26 canais de TV e 82 estações de rádio em 12 países. Ele é acusado de usar as chamadas "empresas fantasmas" para contornar leis que restringem estrangeiros no comando dessas empresas, o que lhe rendeu o apelido de "Fantasma".

Na Colômbia, o segundo homem mais rico do país segundo a revista Forbes, Julio Mario Santo Domingo, tem participação nos negócios mais variados, de cervejarias a companhias aéreas. Ele se destaca, no entanto, por ser o dono da TV Caracol (com 58% da audiência e 52% do mercado publicitário, em dados de 2004) e do segundo jornal do país, o El Espectador.

O principal concorrente é o Casa Editorial El Tiempo, dono do maior jornal do país, o El Tiempo, além de várias revistas e de um canal de TV a cabo. A empresa é controlada pelo grupo espanhol Prisa.

Europa Ocidental

O velho continente é lar de um dos maiores opositores de Murdoch, o primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, proprietário do conglomerado de mídia Mediaset.

Em 2009, a Sky Italia, uma empresa de TV a cabo pertencente a Rupert Murdoch, levou a Mediaset aos tribunais porque a rival vinha se recusando a vender espaço de anúncios para a concorrente.

O conflito ainda está de pé. O mais recente embate entre as maiores empresas de mídia privada da Itália se deu neste mês. A Sky Italia retirou de um dos pacotes oferecidos a seus assinantes um canal pertencente à Mediaset. A medida fez com que a Mediaset entrasse na justiça contra a concorrente com um pedido de indenização.

O Mediaset, criado por Berlusconi na década de 1970, forma, juntamente com a RAI (a empresa de TV estatal italiana), um duopólio de mídia na Itália.

O conglomerado conta com quatro emissoras de TV e com uma fatia do mercado equivalente a 41,3%. A RAI conta com um montante relativo a 36,9% do mercado.

Berlusconi também tem negócios em TV por assinatura, dois canais na Espanha e investimentos em companhias de TV e de publicidade. Ele conta ainda com ações da Endemol, uma companhia que produz conteúdo para mais de 20 países.

Na Alemanha, maior conglomerado de mídia é o Axel Springer, que conta com filiais em mais de 30 países. A empresa possui 230 jornais e revistas e também está presente nos setores de rádio e TVs.

O grupo possui o tabloide Bild, que tem uma tiragem de cerca de 3,5 milhões de exemplares por dia, a maior diária de um jornal em toda a Europa

Outro importante conglomerado de mídia é o grupo espanhol Prisa, que tem diversos investidores entre seus proprietários. Entre os acionistas majoritários estão o grupo americano Liberty e a família Polanco, que fundou o conglomerado.

Entre as posses do Prisa estão também o jornal El País, o canal de televisão Canal + e rádio Cadena Ser.

A empresa tem presença em mais de 20 países (principalmente na América Latina), onde tem investimentos em jornais, rádio e TV, entre outras indústrias de mídia.

Rússia

O governo russo continua a ser o maior controlador da mídia local desde que o ex-presidente e atual primeiro-ministro Vladimir Putin reestatizou o maior canal de TV do país, o ORT, em 2000. Ele também transferiu o controle privado do canal NTV para a petrolífera estatal Gazprom.

Além disso, o governo comanda o grupo Rossia, controlador das três únicas TVs de cobertura nacional, além de canais a cabo e dezenas de emissoras locais. Atualmente, o Kremlin controla todas as principais TVs russas.

A mídia impressa é menos concentrada. O principal jornal, o Kommersant, é propriedade do magnata Alisher Usmanov, um dos donos do time inglês Arsenal.

Outro magnata, o ex-espião da KGB Alexander Lebedev, é dono do principal jornal de oposição, o Novaya Gazeta. Ele também tem negócios no Reino Unido, onde controla os jornais The Independent e The Evening Standard.

África

A Nation Media Group (NMG) é a maior empresa de mídia do leste da África, com braços de mídia eletrônica e impressa. Aga Khan - o líder espiritual da comunidade ismaelita, um ramo do islamismo xiita - é o maior acionista da empresa, com 49% das ações.

No Quênia, o grupo é dono do jornal diário de maior circulação, o Daily Nation, além de outras duas publicações diárias e uma semanal, duas estações de rádio e uma emissora de TV.

Em Uganda, o NMG tem um jornal, o Daily Monitor, uma estação de rádio e uma emissora de TV. Na Tanzânia, Aga Khan se diz proprietário de duas publicações diárias.

O grupo também planeja sua expansão em Ruanda, onde tem planos de comandar um jornal diário e uma emissora de TV. Aga Khan tem o objetivo de estabelecer um conglomerado de mídia pan-africano.

Estados Unidos

A americana Anne Cox Chambers, 91 anos, controla o maior grupo de mídia do país, chamado Cox Enterprises, fundado por seu pai em 1898.

O império controla jornais, emissoras de rádio e TV e canais a cabo em diversos Estados americanos.

Segundo a revista Forbes, o patrimônio de Anne em 2010 estava em US$ 12,4 bilhões, duas vezes maior que o de Rupert Murdoch, dono da News Corporation, que controla, entre outros veículos, o jornal Wall Street Journal e a rede de TV Fox.

Sudeste asiático

Homem mais rico da Malásia, o empresário de origem chinesa Tiong Hiew King controla cinco jornais diários e 30 revistas nas comunidades de língua chinesa na Malásia, Hong Kong, Estados Unidos e Canadá.

O grupo também é dono do quarto maior jornal de Hong Kong e pretende agora ampliar seus negócios para o Camboja.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Bill Keller é um cético, mídia prefere badaladores

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NÃO DEU NO NYT


Alberto Dines em 14/06/2011 na edição 646

Amina Abdallah Arraf está há algumas semanas no noticiário identificada como blogueira, gay, inspiradora da revolta contra a ditadura de Bashar Hafez. Nas fotos é linda e misteriosa, no noticiário mais recente informa-se que foi capturada pelo governo.
A história da musa gay dos rebeldes sírios nada tem a ver com a troca de nomes na portaria do “New York Times”. Mas serve para identificar um padrão de jornalismo que a grande mídia impressa está importando sem qualquer reserva das novas mídias digitais.
Nos jornais de segunda-feira, 13/6, descobre-se que Amina não é musa, não é gay e não existe. É uma fraude inventada por um americano de 40 anos, casado, que vive na Escócia e chama-se Tom MacMaster.
O jornalismo impresso também se alimentou de fraudes, falsificações, mistificações e invencionices. Ayellow press (aqui tingida de marrom) foi a matriz do sensacionalismo cujos paradigmas são cultuados em todos os quadrantes do mundo ao longo de um século, até hoje. As malfeitorias só começaram a ceder quando encontraram nas redações e nas escolas de jornalismo os media critics, os críticos de mídia.
O Caso da Musa Gay da Síria é multiplicado ad infinitum no ciberespaço digital com o endosso da mídia impressa e eletrônica (rádio e TV). Será impossível vencê-lo porque as fraudes e velhacarias transformaram-se em armas para satirizar e avacalhar a própria instituição jornalística.
Bill Keller foi o Managing Editor, editor executivo do NYTimes ao longo de oito anos, justamente quando a corporação midiática mundial participou festivamente do gigantesco haraquiri existencial ao reconhecer e conformar-se com a sua derrota diante das mídias digitais. É um profissional à antiga, para quem a atividade jornalística resume-se a escrever. O resto é secundário. Escrever e contemplar. Escrever e reagir. Escrever e ser.
Começou a assinar uma coluna na revista semanal do próprio NYTimes e aos poucos foi-se especializando na defesa das velhas mídias, o inefável jornalismo impresso.
O texto “A armadilha do Twitter” publicado poucos dias antes do anúncio da sua substituição por Jill Abramson revela a dimensão das suas diferenças com o mainstream e o establishment jornalístico americano e, graças ao mimetismo, mundial. Diferentemente de José Saramago, Bill Keller não diz que o Twitter é a etapa anterior ao grunhido, ele reconhece sua utilidade, também a do Facebook.
O que o coloca na contramão do Pensamento Único Tecnológico é que as novas tecnologias não reconhecem o direito de alguém manter-se na contramão. Acontece que o jornalismo fundamenta-se primordialmente no ceticismo, na capacidade de duvidar. Jornalismo é uma forma de idealismo e o idealismo é essencialmente rebelde, inconformado.
Um bom jornalista da escola antiga mesmo sendo jovem não publicaria uma história sobre a musa gay da Síria antes de obter um mínimo de dados concretos sobre a sua existência.
A armadilha do Twitter, do Facebook e de seus sucessores consiste em oferecer um fabuloso arsenal de facilidades para atender desafios rasteiros, raramente edificantes. Este casamento produz uma onda simplificadora altamente reacionária cujos efeitos só podem ser percebidos e antecipados por figuras abdicadoras, rijas e tranquilas como Bill Keller.

domingo, 12 de junho de 2011

Amoeba, principal loja de discos dos EUA, comemora 20 anos resistindo à ditadura dos 'downloads'


RIO - Para qualquer apaixonado por música, ir à Amoeba é como chegar ao nirvana, encontrar Shangri-lá, visitar Meca, entrar no paraíso, subir aos céus ou colocar os pés na terra prometida. Classificada pela revista "Rolling Stone", com muita justiça, como a melhor loja de discos do planeta, ela faz jus ao culto e à paixão que exerce no público, que passeia pelos seus corredores como crianças em uma fábrica de chocolate. Suas prateleiras vivem abarrotadas de vinis ou CDs, de praticamente todos os gêneros, novos ou usados. Dos mais recentes lançamentos do rock à mais obscura raridade do jazz, passando por eletrônica, hip-hop, blues, salsa, sons africanos, MPB e trilhas sonoras, além de uma vasta seção de DVDs (inclusive não musicais), é difícil pensar em algo que não possa ser encontrado em suas três unidades, todas na Califórnia - em Berkeley, São Francisco e Los Angeles (a maior de todas, um galpão com 42 mil metros quadrados).
Criada por Marc Weinstein e seus três sócios, essa "catedral da música", como disse o cantor Beck, chega agora aos 20 anos, nadando bravamente contra a maré. Enquanto grandes cadeias, como Virgin e Tower Records, desabaram frente à concorrência com as lojas on-line, e outras, como a HMV, se mantêm por um fio, a independente da Califórnia segue firme e forte, em sintonia com os novos tempos (seu site vai se transformar em loja on-line), mas sem perder a ligação com uma tradição que Paul McCartney - que já fez um histórico pocket-show na loja de LA, em 2007 - classificou de "glamourosa". Na Amoeba, a música é, literalmente, para ser tocada.
- O conceito de nuvem, de acumular música em provedores na internet, é interessante, sem dúvida, e aprendemos todos os dias com essas novidades. Tanto que vamos aperfeiçoar nosso site, com ênfase na venda de discos independentes - diz Weinstein, por telefone, falando dos escritórios da loja de Berkeley, a primeira que fundou. - Mas eu, particularmente, vou preferir sempre pegar um disco de vinil de Miles Davis em minhas mãos e ouvir as músicas vendo a capa e lendo o encarte. Não é uma questão de nostalgia. É simplesmente paixão pela música. Tanto que o vinil representa 25% de nossas vendas, e esse percentual não para de crescer.
Para Weinstein - um fã de jazz e rock experimental -, é essa paixão, aliada à sensação de coletivo e à adrenalina de não saber o que pode ser encontrado na próxima prateleira, que faz com que a experiência de estar numa boa loja de discos real seja, ainda hoje, imbatível, mesmo frente à concorrência da internet.
- Vejo outras lojas de discos fechando com tristeza, mas acredito que a Amoeba se mantém forte porque temos consumidores apaixonados, que cultivam uma relação especial com a música. E não nos limitamos a um estilo ou segmento. Temos de tudo em nossas prateleiras - diz ele, que trabalhou por 15 anos em uma loja até conseguir fundar a sua própria. - Na Amoeba celebramos a música, seu toque, seus artefatos, a capa do vinil, a caixa de CDs, a camiseta, o livro e, acima de tudo, o contato entre as pessoas, a possibilidade de poder gritar com o amigo ao seu lado quando você encontrar um disco raro. A Amoeba é uma loja com soul (alma).
Para manter essa usina musical funcionando, Weinstein não fica estático, esperando as grandes gravadores enviarem os seus "produtos". Ele mantém olheiros por todo o país, capazes de farejar um bom acervo à venda em feiras de discos ou nas mãos de colecionadores.
- Temos os últimos lançamentos, é claro, inclusive das grandes gravadoras, mas não é só isso que nos alimenta - conta. - Nosso time de colaboradores vive procurando acervos nos cantos mais remotos dos Estados Unidos. Além disso, toda hora aparece alguém nas nossas lojas, com uma sacola debaixo do braço, querendo vender algum disco. Temos, aliás, histórias divertidíssimas sobre isso. Teve um cara que nos vendeu o vinil de "At the Fillmore East", dos Allman Brothers, um disco clássico. Quando abrimos o encarte, descobrimos fotos dele, pelado, ao lado da namorada. Foi bizarro.
Como guias em um museu, os funcionários da Amoeba têm que exibir apurado conhecimento sobre esse acervo, para guiar o público. Assim, diz Weinstein, a seleção desse staff acaba, naturalmente, privilegiando aqueles que são também apaixonados por música - como o personagem de Nick Hornby no filme "Alta fidelidade".
- Temos verdadeiras enciclopédias em cada área. Mais uma vez, é esse contato humano que nos diferencia das lojas on-line. Faço verdadeiros questionários sobre música para cada pessoa que se oferece para trabalhar conosco. Temos, por isso, os melhores nerds do mercado. Não há Google que se compare a isso - brinca.
Uma parte valiosa do que Weinstein chama de "experiência Amoeba" - que inclui ativismo ecológico ou ações de caridade, para as vítimas do furacão Katrina, por exemplo - passa pelas ocasionais apresentações ao vivo nas lojas de São Francisco e Los Angeles. Por lá, já passaram artistas e grupos como Patti Smith, Elvis Costello, Black Flag, Jimmy Page & Robert Plant, TV On The Radio e Iggy Pop.
- O show do Black Flag foi incrível, arrepiante, mas a apresentação que mais me marcou foi a de Paul McCartney. Quando o vi, tocando seu baixo cercado de discos de vinil por todos os lados, não tive como não me emocionar.
Weinstein garante se emocionar também quando pega nas mãos o primeiro disco que comprou na vida.
- Meu pai era um disc-jockey e trabalhava numa rádio. Por isso, sempre trazia discos para casa - lembra ele. - Mas nunca esqueci do primeiro disco que eu comprei, quando tinha 12 anos. Foi "Are you experienced", de Jimi Hendrix. Ele fica aqui, no meu escritório em Berkeley, me olhando todos os dias. Acho que é por isso que falo tanto que estar na Amoeba é uma experiência.


Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2011/06/11/amoeba-principal-loja-de-discos-dos-eua-comemora-20-anos-resistindo-ditadura-dos-downloads-924665819.asp#ixzz1ToIsCOQj 
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segunda-feira, 6 de junho de 2011

Não é nuvem passageira

O GLOBO - RJ                                                                                              06/06/2011


Mundo on-line, com potencial de US$ 1,4 trilhão, terá 15 bilhões de conexões em 2015
 
André Machado
Embora ainda nos agarremos a nossos HDs locais e arquivos que acumulamos ao longo dos anos, como músicas, textos e vídeos, já estamos todos voando dentro da grande nuvem de internet, derivada do conceito de computação em cloud. Nossas vidas pessoais e profissionais se misturam em arquivos no webmail, em redes sociais e blogs/microblogs, serviços de mensagens instantâneas e mesmo viajando nas redes wireless de smartphones e tablets. A cloud já é tida por experts como um mercado potencialmente trilionário.

O e-universo social e corporativo comporta hoje 2 bilhões de usuários que acessam a internet por computadores. Os portadores de dispositivos móveis já são 5,3 bilhões de pessoas. Serviços que já estão aí há algum tempo, todos baseados em nuvem, têm números milionários: Skype, com 663 milhões de usuários; Facebook, com 629 milhões; Windows Live Hotmail, com 384 milhões; Messenger, com 330 milhões; Twitter, com 200 milhões; Gmail, com 193 milhões; e um grande etc.

— Na verdade, nós estamos na nuvem há mais de 15 anos, e se você contar só as ferramentas Microsoft, tudo começou quando adquirimos o Hotmail. E o Messenger também é nuvem — lembra Paula Bellizia, gerente de Marketing e Negócios da Microsoft Brasil. A empresa lançou há pouco seu serviço de nuvem para pequenas empresas, o Windows Intune.

Amit Singh, vice-presidente mundial de Vendas e Negócios da Google, que já tem 30 milhões de empresas usando seu serviço de aplicativos on-line Google Apps, diz que esse é um mercado para lá de gigante.

— O potencial do mercado de nuvem é de US$1,4 trilhão (ao ano), o dobro do mercado de publicidade on-line — afirma Singh.

Vulnerabilidade num caminho sem volta 
Pesquisa divulgada na semana passada pela Cisco projeta que, em pouco mais de três anos, os internautas serão 3 bilhões no mundo, e o número de equipamentos com conexão à rede chegará a 15 bilhões — com pelo menos duas conexões a essa nuvem por pessoa. De acordo com o estudo, no mesmo prazo atingiremos 1 zettabyte — ou um trilhão de gigabytes. Já de acordo outro estudo, da Avanade, esse zettabyte se multiplicará por 35 em 2020, segundo Tyson Hartman, diretor de Tecnologia da empresa.

E esses 35 zettabytes de nuvem poderiam ser comparados a quê? O professor de Linguística Mark Liberman, da Universidade da Pensilvânia, fez uma conta: uma versão digital de tudo o que a humanidade já falou desde o início dos tempos exigiria um armazenamento de 42 zettabytes. Ou seja, estamos chegando lá... Esse é justamente o grande potencial da nuvem: guardar uma quantidade quase infinita de informação (textos, dados, músicas, fotos, vídeos) e acessá-la de onde estivermos, via PC ou celular.

— A nuvem de internet já se encontra num estágio tal que não tê-la equivale a não ter um internet banking disponível. Não dá mais para viver sem isso — diz Gustavo Robichez de Carvalho, gerente de Tecnologia do Laboratório de Engenharia de Software (LES) da PUC-Rio. — Na verdade, nós já a usamos sem saber, mesmo que ainda não haja um amadurecimento, principalmente por parte das empresas, para gerir riscos corretamente dentro da nuvem. Mas o desconforto de não tê-la é pior do que a insegurança de tê-la.

De fato, a questão da segurança é um fator inquietante no conceito de nuvem, já que, se você pode acessar seus arquivos de qualquer lugar, eles também podem ser atacados de qualquer lugar. Entre os exemplos estão o ataque à rede do PlayStation, da Sony, e o “pau” na nuvem da Amazon com milhões de usuários solicitando a compra com desconto do disco de Lady Gaga.

— Novas tecnologias criam novas vulnerabilidades, e com a nuvem não seria diferente — diz Rafael Sampaio, presidente-executivo da Future Security. — A cloud computing de fato é sem volta, e botar informação sensível nela é como contar um segredo a alguém numa praça pública. É preciso se cercar de cuidados nessa praça: falar numa língua diferente (isto é, usar criptografia), não ficar parado num ponto da praça (isto é, fragmentar os dados), e por aí vai.

No Brasil, mais empresas estão usando a nuvem. Estudo da Impacta Tecnologia com 155 profissionais de 143 grandes e médias empresas do país mostrou que mais de 81,5% deles já estavam familiarizados com o conceito (quase 30% a mais que em 2010) e que houve um aumento de 50% no uso do armazenamento de dados on-line.

— Assim como os provedores de serviços puseram mais aplicativos e configurações direto na rede para os usuários finais, as empresas passaram a perceber as vantagens da nuvem — diz Nilson Ramalho, gerente de Tecnologia da Impacta.

Segundo Ramalho, algumas empresas ainda querem que seus dados fiquem hospedados em servidores no Brasil ou exigem saber onde eles estão geograficamente — mesmo que na nuvem possam ser acessados literalmente do mundo todo.

— Mas, à medida que adotam os serviços pagos, que têm cláusula que os obriga a garantir a segurança, a disponibilidade das informações passa a ser a maior preocupação.

Apesar de toda a badalação em torno da computação em cloud, um computador com tudo na nuvem ainda é uma experiência relativamente aflitiva. O Chrome OS, sistema operacional on-line do Google, recentemente testado pelo GLOBO, é totalmente baseado no navegador Chrome e não dá colher de chá para salvar nada localmente, só no Google Docs. No início, o usuário fica teclando Alt+Tab para voltar a uma área de trabalho que não existe. Melhor solução parece ter encontrado a Motorola, que usa o smartphone Atrix como alimentador do acessório-notebook Lapdock. Os serviços continuam na nuvem, mas com o conforto visual dos ícones do sistema Android. E isso sem falar do iPad e do iPad 2, da Apple, os tablets líderes do mercado (já foram vendidos mais de 15 milhões em 2010 e, segundo a consultoria Gartner, chegarão a quase 50 milhões este ano). Os tablets combinam nuvem com downloads locais, mas sua chave é, novamente, a disponibilidade da informação.

Mistura de vida pessoal e trabalho 
Para Paula Bellizia, da Microsoft, com a conexão ubíqua à internet, nossas vidas profissionais e pessoais ficarão cada vez menos separadas.

— Já uso minha rede social para funções de trabalho, e meu e-mail profissional para algumas coisas pessoais — diz. — E a comunicação entre as diferentes gerações vai se transformar, mudará a forma de dialogar e de escrever (de novo). E isso não quer dizer que nos tornaremos mais superficiais, pelo contrário.

Segundo Edison Borges, gerente de Marketing do Windows Intune, aos poucos o desenvolvimento do mercado de telecom e das tecnologias móveis só incrementará os serviços da nuvem. E ela nos levará de modo mais eficaz ao que sempre foi o coração da rede: o compartilhamento.