domingo, 12 de junho de 2011

Amoeba, principal loja de discos dos EUA, comemora 20 anos resistindo à ditadura dos 'downloads'


RIO - Para qualquer apaixonado por música, ir à Amoeba é como chegar ao nirvana, encontrar Shangri-lá, visitar Meca, entrar no paraíso, subir aos céus ou colocar os pés na terra prometida. Classificada pela revista "Rolling Stone", com muita justiça, como a melhor loja de discos do planeta, ela faz jus ao culto e à paixão que exerce no público, que passeia pelos seus corredores como crianças em uma fábrica de chocolate. Suas prateleiras vivem abarrotadas de vinis ou CDs, de praticamente todos os gêneros, novos ou usados. Dos mais recentes lançamentos do rock à mais obscura raridade do jazz, passando por eletrônica, hip-hop, blues, salsa, sons africanos, MPB e trilhas sonoras, além de uma vasta seção de DVDs (inclusive não musicais), é difícil pensar em algo que não possa ser encontrado em suas três unidades, todas na Califórnia - em Berkeley, São Francisco e Los Angeles (a maior de todas, um galpão com 42 mil metros quadrados).
Criada por Marc Weinstein e seus três sócios, essa "catedral da música", como disse o cantor Beck, chega agora aos 20 anos, nadando bravamente contra a maré. Enquanto grandes cadeias, como Virgin e Tower Records, desabaram frente à concorrência com as lojas on-line, e outras, como a HMV, se mantêm por um fio, a independente da Califórnia segue firme e forte, em sintonia com os novos tempos (seu site vai se transformar em loja on-line), mas sem perder a ligação com uma tradição que Paul McCartney - que já fez um histórico pocket-show na loja de LA, em 2007 - classificou de "glamourosa". Na Amoeba, a música é, literalmente, para ser tocada.
- O conceito de nuvem, de acumular música em provedores na internet, é interessante, sem dúvida, e aprendemos todos os dias com essas novidades. Tanto que vamos aperfeiçoar nosso site, com ênfase na venda de discos independentes - diz Weinstein, por telefone, falando dos escritórios da loja de Berkeley, a primeira que fundou. - Mas eu, particularmente, vou preferir sempre pegar um disco de vinil de Miles Davis em minhas mãos e ouvir as músicas vendo a capa e lendo o encarte. Não é uma questão de nostalgia. É simplesmente paixão pela música. Tanto que o vinil representa 25% de nossas vendas, e esse percentual não para de crescer.
Para Weinstein - um fã de jazz e rock experimental -, é essa paixão, aliada à sensação de coletivo e à adrenalina de não saber o que pode ser encontrado na próxima prateleira, que faz com que a experiência de estar numa boa loja de discos real seja, ainda hoje, imbatível, mesmo frente à concorrência da internet.
- Vejo outras lojas de discos fechando com tristeza, mas acredito que a Amoeba se mantém forte porque temos consumidores apaixonados, que cultivam uma relação especial com a música. E não nos limitamos a um estilo ou segmento. Temos de tudo em nossas prateleiras - diz ele, que trabalhou por 15 anos em uma loja até conseguir fundar a sua própria. - Na Amoeba celebramos a música, seu toque, seus artefatos, a capa do vinil, a caixa de CDs, a camiseta, o livro e, acima de tudo, o contato entre as pessoas, a possibilidade de poder gritar com o amigo ao seu lado quando você encontrar um disco raro. A Amoeba é uma loja com soul (alma).
Para manter essa usina musical funcionando, Weinstein não fica estático, esperando as grandes gravadores enviarem os seus "produtos". Ele mantém olheiros por todo o país, capazes de farejar um bom acervo à venda em feiras de discos ou nas mãos de colecionadores.
- Temos os últimos lançamentos, é claro, inclusive das grandes gravadoras, mas não é só isso que nos alimenta - conta. - Nosso time de colaboradores vive procurando acervos nos cantos mais remotos dos Estados Unidos. Além disso, toda hora aparece alguém nas nossas lojas, com uma sacola debaixo do braço, querendo vender algum disco. Temos, aliás, histórias divertidíssimas sobre isso. Teve um cara que nos vendeu o vinil de "At the Fillmore East", dos Allman Brothers, um disco clássico. Quando abrimos o encarte, descobrimos fotos dele, pelado, ao lado da namorada. Foi bizarro.
Como guias em um museu, os funcionários da Amoeba têm que exibir apurado conhecimento sobre esse acervo, para guiar o público. Assim, diz Weinstein, a seleção desse staff acaba, naturalmente, privilegiando aqueles que são também apaixonados por música - como o personagem de Nick Hornby no filme "Alta fidelidade".
- Temos verdadeiras enciclopédias em cada área. Mais uma vez, é esse contato humano que nos diferencia das lojas on-line. Faço verdadeiros questionários sobre música para cada pessoa que se oferece para trabalhar conosco. Temos, por isso, os melhores nerds do mercado. Não há Google que se compare a isso - brinca.
Uma parte valiosa do que Weinstein chama de "experiência Amoeba" - que inclui ativismo ecológico ou ações de caridade, para as vítimas do furacão Katrina, por exemplo - passa pelas ocasionais apresentações ao vivo nas lojas de São Francisco e Los Angeles. Por lá, já passaram artistas e grupos como Patti Smith, Elvis Costello, Black Flag, Jimmy Page & Robert Plant, TV On The Radio e Iggy Pop.
- O show do Black Flag foi incrível, arrepiante, mas a apresentação que mais me marcou foi a de Paul McCartney. Quando o vi, tocando seu baixo cercado de discos de vinil por todos os lados, não tive como não me emocionar.
Weinstein garante se emocionar também quando pega nas mãos o primeiro disco que comprou na vida.
- Meu pai era um disc-jockey e trabalhava numa rádio. Por isso, sempre trazia discos para casa - lembra ele. - Mas nunca esqueci do primeiro disco que eu comprei, quando tinha 12 anos. Foi "Are you experienced", de Jimi Hendrix. Ele fica aqui, no meu escritório em Berkeley, me olhando todos os dias. Acho que é por isso que falo tanto que estar na Amoeba é uma experiência.


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