terça-feira, 14 de junho de 2011

Bill Keller é um cético, mídia prefere badaladores

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NÃO DEU NO NYT


Alberto Dines em 14/06/2011 na edição 646

Amina Abdallah Arraf está há algumas semanas no noticiário identificada como blogueira, gay, inspiradora da revolta contra a ditadura de Bashar Hafez. Nas fotos é linda e misteriosa, no noticiário mais recente informa-se que foi capturada pelo governo.
A história da musa gay dos rebeldes sírios nada tem a ver com a troca de nomes na portaria do “New York Times”. Mas serve para identificar um padrão de jornalismo que a grande mídia impressa está importando sem qualquer reserva das novas mídias digitais.
Nos jornais de segunda-feira, 13/6, descobre-se que Amina não é musa, não é gay e não existe. É uma fraude inventada por um americano de 40 anos, casado, que vive na Escócia e chama-se Tom MacMaster.
O jornalismo impresso também se alimentou de fraudes, falsificações, mistificações e invencionices. Ayellow press (aqui tingida de marrom) foi a matriz do sensacionalismo cujos paradigmas são cultuados em todos os quadrantes do mundo ao longo de um século, até hoje. As malfeitorias só começaram a ceder quando encontraram nas redações e nas escolas de jornalismo os media critics, os críticos de mídia.
O Caso da Musa Gay da Síria é multiplicado ad infinitum no ciberespaço digital com o endosso da mídia impressa e eletrônica (rádio e TV). Será impossível vencê-lo porque as fraudes e velhacarias transformaram-se em armas para satirizar e avacalhar a própria instituição jornalística.
Bill Keller foi o Managing Editor, editor executivo do NYTimes ao longo de oito anos, justamente quando a corporação midiática mundial participou festivamente do gigantesco haraquiri existencial ao reconhecer e conformar-se com a sua derrota diante das mídias digitais. É um profissional à antiga, para quem a atividade jornalística resume-se a escrever. O resto é secundário. Escrever e contemplar. Escrever e reagir. Escrever e ser.
Começou a assinar uma coluna na revista semanal do próprio NYTimes e aos poucos foi-se especializando na defesa das velhas mídias, o inefável jornalismo impresso.
O texto “A armadilha do Twitter” publicado poucos dias antes do anúncio da sua substituição por Jill Abramson revela a dimensão das suas diferenças com o mainstream e o establishment jornalístico americano e, graças ao mimetismo, mundial. Diferentemente de José Saramago, Bill Keller não diz que o Twitter é a etapa anterior ao grunhido, ele reconhece sua utilidade, também a do Facebook.
O que o coloca na contramão do Pensamento Único Tecnológico é que as novas tecnologias não reconhecem o direito de alguém manter-se na contramão. Acontece que o jornalismo fundamenta-se primordialmente no ceticismo, na capacidade de duvidar. Jornalismo é uma forma de idealismo e o idealismo é essencialmente rebelde, inconformado.
Um bom jornalista da escola antiga mesmo sendo jovem não publicaria uma história sobre a musa gay da Síria antes de obter um mínimo de dados concretos sobre a sua existência.
A armadilha do Twitter, do Facebook e de seus sucessores consiste em oferecer um fabuloso arsenal de facilidades para atender desafios rasteiros, raramente edificantes. Este casamento produz uma onda simplificadora altamente reacionária cujos efeitos só podem ser percebidos e antecipados por figuras abdicadoras, rijas e tranquilas como Bill Keller.

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