sábado, 29 de setembro de 2012

Entrevista Andre Keen, autor do livro #vertigemdigital

Teórico britânico vai contra a maré e ataca a "ilusão" de ferramentas como o Twitter e o Facebook, critica Julian Assange e relativiza a força das redes na Primavera Árabe

André Miranda

andre.miranda@oglobo.com.br

Voz crítica. Andrew Keen: "Caí fora do Facebook, e eu me senti melhor"

Pedro Kirilos



Analista afirma que usuários deixam de ser cadáveres ao abandonar plataformas como o Facebook

O teórico britânico Andrew Keen, polêmico pensador sobre o mundo digital, acaba de lançar no Brasil o livro "#vertigemdigital" (editora Zahar). Keen conversou com O GLOBO sobre a influência das redes sociais na cultura atual.

Em seu livro "#vertigemdigital", o senhor diz que as redes sociais são uma ameaça às liberdades individuais. Mas os usuários não têm a opção de ignorá-las?

Acho que podemos. Mas não é tão simples. É óbvio que, de um lado, podemos tentar ser mais maduros, evitar o narcisismo e deixar de lado a sedução digital. Porém, quando a internet se torna a plataforma onde vivemos, responsável por construir marcas e fortalecer nossas redes de relacionamento, é extremamente difícil não estar nas redes sociais. Todos construímos nossas marcas nessas redes e acabamos varridos para esse mundo.

O senhor tem conta no Twitter, mas não está no Facebook. Nunca se interessou pela rede de Mark Zuckerberg?

Eu usei, mas acabei me tornando um dissidente do Facebook. Se eu estivesse no Facebook, a primeira pergunta que você me faria seria: como você escreve um livro para criticar as redes sociais e está no Facebook? Mas a questão é que, para entender as mídias sociais, você precisa estar nelas. Então usei o Facebook por um tempo, como pesquisa, mas caí fora antes de o livro ser publicado. E eu me senti melhor.

Tenho um amigo que cancelou sua conta no Facebook e ouviu da filha que ele tinha cometido suicídio.

Eu diria o contrário. Quando você cancela sua conta, você retorna à vida e não é mais um cadáver.

O senhor fala muito sobre Julian Assange, em boa parte criticamente. Fora as acusações de assédio sexual, qual o maior crime de Assange?

Acho que ele é um ideólogo da transparência radical. Só que é errada a ideia de que todos os governos devem ser inteiramente transparentes. É preciso haver um nível de segredo e privacidade. A transparência radical é impossível e perigosa. Ela destrói a autoridade do governo.

As redes sociais não podem aumentar o hábito de leitura nas crianças?

É, pode ser. Em meu livro, tento não ser tão reativo em dizer que as redes sociais estão destruindo o mundo. Eu uso a metáfora dos cadáveres, mas faço isso de uma maneira lúdica. As redes sociais têm seu valor, mas há muitos problemas. Um dos propósitos do livro é desmistificar essa dominância das redes sociais.

As rede sociais não foram importantes para eventos como a Primavera Árabe e o Ocupem Wall Street?

Concordo, mas acho que há alguma caricatura. Esses movimentos refletem os pontos fortes e os fracos das mídias sociais. O fraco é que eles não permitem agregar de verdade as pessoas.
Jornal: O GLOBOAutor:  
Editoria: EconomiaTamanho: 525 palavras
Edição: 1Página: 28
Coluna:Seção:
Caderno: Primeiro Caderno 

sábado, 22 de setembro de 2012

Crise existencial assola a Europa num mundo obcecado por competição


Entrevista Daniel Cohen


Para economista francês, Daniel Cohen, além do crescimento, também é preciso que se persiga a felicidade


Novas soluções . Para o economista Daniel Cohen, apenas “dispositivos técnicos” não farão a causa europeia avançar Foto: Divulgação
Novas soluções . Para o economista Daniel Cohen, apenas “dispositivos técnicos” não farão a causa europeia avançarDIVULGAÇÃO
PARIS - Estimulada pelo capitalismo financeiro, a crescente competição econômica encurralou o espírito de cooperação na sociedade contemporânea. O “homo economicus” expulsou da sala o homem moral e construiu labirintos que dificultam a busca da felicidade. Crescimento econômico não é necessariamente o caminho para o bem-estar, diz o economista Daniel Cohen, vice-presidente da Escola de Economia de Paris e diretor do Centro para a Pesquisa Econômica e suas Aplicações (Cepremap, na sigla em francês). Em seu mais recente ensaio lançado na França, “Homo economicus — profeta (errante) dos novos tempos” (ed. Albin Michel), ele desenvolve de forma intimista reflexões feitas em sua obra anterior, “A prosperidade do vício, uma viagem (inquieta) pela economia” (ed. Zahar).
Por que, em suas palavras, a Europa vive hoje uma “crise existencial” e o euro seria uma “prisão dourada”?
A Europa está quase na mesma página em branco de seu início. Constituiu-se como união monetária e econômica desde os anos 1950. Tudo isso foi feito à sombra da Segunda Guerra Mundial, e depois, na Guerra Fria, na ideia de criar o que Victor Hugo havia chamado de Estados Unidos da Europa. Isto é o que deveria ter sido feito. Victor Hugo dizia sonhar com uma Europa na qual a diferença entre um francês e um alemão fosse a mesma entre um parisiense e um bretão. E descobrimos, na crise, que um alemão não considera um grego ou um espanhol como um irmão de infortúnio. Essas questões não foram resolvidas e, na hora da crise, vimos de forma muito dolorosa provas de nenhuma indulgência em relação aos países em dificuldade: “Eles estão em crise por causa de seus erros”. Nos anos 2000, todo mundo incensava os modelos irlandês e espanhol, de forte crescimento e finanças públicas equilibradas. Depois, tudo veio abaixo.
O euro está em risco?
Vimos nos anos 1970 — mas pensava-se que não seria algo tão importante — que não havia mecanismos de resolução para crises bancárias e de finanças públicas. Se a Itália entra em falência e cai amanhã, o euro cai junto. Inversamente, quando o euro está frágil, é ruim para a Itália. Foi algo mal feito na sua origem. Houve progressos limitados, mas importantes do ponto de vista técnico, como as recentes decisões do Banco Central Europeu e da corte constitucional alemã, que autorizou o Mecanismo Europeu de Estabilidade. Mas são dispositivos técnicos, para solucionar problemas técnicos. Não creio que será assim que se fará avançar a causa europeia. Deve-se, via Parlamento Europeu, criar mecanismos que estabeleçam um espaço público europeu, com verdadeiros debates de sociedade, que interessem a todos os países.
Pode-se dizer que o tema central de seu novo ensaio é que o ‘homo economicus’ impôs a competição ante à cooperação no mundo moderno?
Há uma história na origem deste meu livro. O diretor de um centro de transfusão sanguínea queria aumentar seus estoques e decidiu dar um prêmio em dinheiro a quem doasse sangue, para que o número de doadores aumentasse. Mas o resultado foi contrário a suas expectativas. O número de doadores caiu muito. A explicação: ou simplesmente solicitamos o comportamento moral das pessoas, ou pagamos, e, nesse último caso, o estímulo financeiro não se soma ao moral, mas o destrói. A competição é própria do capitalismo. Mas essa competição nos mercados se articulou numa competição no seio das empresas. E pensar a economia apenas no registro da competição, sem cooperação, é um erro grave. Hoje, as pessoas vão ao trabalho com medo, não mais com a satisfação de encontrar uma comunidade humana.
Qual é a relação do crescimento econômico com a busca da felicidade?
Os trabalhos dos economistas tornam indiscutível uma constatação: a corrida pelo crescimento, própria de nossa sociedade há dois séculos, não tornou as pessoas mais felizes. Quando vemos os indicadores de bem-estar, tudo demonstra que a felicidade — a partir, obviamente, de certo nível de salário e de subsistência — não progride. Após ultrapassado certo estágio, nos vemos num novo nível de estagnação. A estagnação do bem-estar.
Essa situação existe hoje em países emergente como o Brasil?
Os emergentes são responsáveis hoje por 70% do crescimento mundial. O Brasil é muitos países em um. É o país em que o nível de desigualdade ainda é um dos mais elevados do mundo. E as desigualdades são um fator indiscutível de sofrimento. É o caso também dos EUA. As desigualdades quebraram em pedaços o sonho americano. Foi uma catástrofe sociológica. O equilíbrio entre uma sociedade individualista e comunitarista foi rompido nos anos 1960. A sociedade americana se tornou, paradoxalmente, mais tolerante, por exemplo, em relação à questão racial após a eleição de Barack Obama. Mas perdeu elos sociais que existiam antes. Restou apenas o individualismo. É uma situação de grande solidão nos EUA, e vemos isso nos indicadores: é o país em que os índices de bem-estar caíram mais rapidamente.
Como o senhor avalia o papel da educação e da saúde em relação à lógica da sociedade de mercado?
É o paradoxo que resume tudo. Nos países avançados, e será o caso em breve nos emergentes, entramos numa sociedade pós-industrial, na qual os grandes vetores do crescimento são educação, saúde e pesquisa científica, e também o mundo da internet. São mundos que não entram muito na lógica de mercado. Não se pode pagar os médicos por sua eficácia, ou eles vão deixar de lado os doentes incuráveis. O mesmo para a educação. Há o caso da internet, onde ainda é difícil ganhar dinheiro. O Facebook tem um bilhão de usuários e registra US$ 3 bilhões de volume de negócios por ano. Não é muito. Estamos numa situação paradoxal em que intensificamos a competição num momento em que a sociedade deveria tender numa outra direção
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sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Entrevista Venício Lima: "Regulação da mídia não tem nada a ver com censura"



Venício Lima
21.09.2012
 
Atualmente, Venício Artur de Lima é colunista dos sites Observatório da Imprensa e Carta Maior. Nesta entrevista, Venício traça um panorama das políticas de comunicação e defende a importância de um novo marco regulatório para o setor. O objetivo, segundo ele, é garantir a universalização da liberdade de expressão. Em suas palavras, o conceito foi apropriado pelos conglomerados de mídia, exatamente para impedir sua plena realização.

Um dos maiores especialistas brasileiros em políticas de comunicação analisa a forte monopolização do setor em nosso país. Segundo ele, a situação é um empecilho para a consolidação da democracia e um impedimento para que várias opiniões possam se manifestar no debate público. Venício Lima aponta a saída: uma nova legislação que regulamente os artigos da Constituição referentes ao tema, levando-se em conta os avanços tecnológicos existentes desde então. E observa:”Isso não tem nada a ver com censura”.

Alguns setores da sociedade defendem a necessidade de uma nova regulação do setor de comunicações em nosso país. Mas a proposta é atacada sob o argumento de que isso significaria um controle social da mídia, com risco de resultar em censura. Qual sua opinião a respeito?

Venício A. de Lima – A expressão “controle social da mídia” entrou na narrativa da grande mídia por ocasião do 3º Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH), elaborado em 2009. Desde então, o termo passou a ser frequentemente associado a intenções da gestão de Lula ou de seus apoiadores, embora sua origem venha da segunda versão do Plano, elaborada no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). A expressão “controle” é fartamente utilizada para outras políticas públicas inscritas na Constituição, como educação, saúde, assistência social, direitos dos idosos. Ela expressa um processo de descentralização da administração pública por meio da criação de conselhos com participação popular. A grande mídia satanizou a expressão e passou a identificá-la como tentativa de censura. Pergunto: em que proposta ou projeto essa expressão pode ser identificada com censura? Não existe isso.

Como isso se dá em outros países?

V.A.L. – A regulação da área não tem nada a ver com censura. Na Inglaterra, há não só um órgão estatal da radiodifusão, o Ofcom (Office of Communications), como uma agência de autorregulação, a PCC (Press Complaints Comission), que está sendo descontinuada para que surja outra com mais poder de interferência, depois do escândalo envolvendo o jornal News of the World, do grupo News Corporation [de Rupert Murdoch].

Mas por que os empresários de comunicação são contrários à regulação?

V.A.L. – Porque está em jogo a própria ideia de liberdade. E, por extensão, do conceito de liberdade de expressão. Na história brasileira, o liberalismo nunca foi democrático. Ele pensa a questão da liberdade apenas do ponto de vista da ausência de interferência do Estado. A liberdade é equacionada com a liberdade individual desde que o individuo não seja impedido de fazer o que quiser e a instituição adversária dessa liberdade é sempre o Estado. Quando você traduz isso para área de política pública, e em particular para a área dos meios de comunicação, qualquer interferência do Estado é identificada como ausência de liberdade.

A ideia de liberdade de expressão é um conceito encontrado na experiência democrática da Grécia de seis séculos antes de Cristo. Ela se realiza na medida em que há a participação do homem livre na elaboração das regras às quais ele deve se submeter. Ele é livre por participar da elaboração das regras que confirmam a sua liberdade. Não tem nada a ver com a ideia de ausência de interferência do Estado.

Qual seria a diferença entre liberdade de expressão e liberdade de imprensa?

V.A.L. – A primeira associação entre liberdade de expressão e liberdade de imprensa é totalmente inadequada. A liberdade de expressão aparece seis séculos antes de Cristo associada a uma capacidade de autogoverno, que hoje se aproximaria da ideia de cidadania. Já a liberdade de imprensa implica a existência da imprensa, que só aparece no final do século XV. Quando se estuda a história dos meios de comunicação, se pode ver como a ideia original de liberdade de expressão está longe dessa instituição que hoje se constitui de grandes conglomerados multimídia. O que há são as expressões das posições desses grupos empresariais. De forma nenhuma podem ser entendidas como portavozes da liberdade de expressão coletiva.

Isso muda com a internet?

V.A.L. – Sim, ela possibilita o surgimento de um espaço que pode ser acessado por qualquer um e se aproxima mais da ideia de universalização da liberdade de expressão do que a atuação de poucos grupos que fazem negócio com a atividade de mídia que reivindicam para si a expressão de uma opinião pública coletiva, a condição de representantes de uma diversidade de vozes. No caso brasileiro, na Constituição Federal, a expressão liberdade de imprensa só aparece uma vez, quando se trata da situação de Estado de Sítio. E inventaram essa da liberdade de expressão comercial, o que inclusive, do ponto de vista legal, é uma rebeldia contra a Carta de 1988. Os empresários que reivindicam esse conceito o fazem resistindo a normas constitucionais que preveem restrições à publicidade de alimentos nocivos à saúde, classificação indicativa para orientar horários de transmissão de programas e restrições à publicidade de cigarro e bebidas.

Então a regulação estaria mais associada à liberdade de expressão sob uma perspectiva coletiva?

V.A.L. – Quando você fala em regulação, no caso brasileiro, se fala em regulamentar primeiramente as normas da Constituição de 1988. A posição do governo Dilma parece ser clara em relação a isso. Os temas principais são a proibição da prática de monopólio e oligopólio e a prioridade à produção independente e regional. A segunda coisa é contemplar o avanço tecnológico imenso pelo qual passou a área depois da promulgação da Carta Magna. Esse avanço diluiu a divisão que havia entre telecomunicações e radiodifusão.

Quais os critérios para orientar a regulação?

V.A.L. – O grande critério deve ser aumentar o número de vozes que participam do debate público. Por isso, os conselhos [de comunicação social] são tão fundamentais. Eles possibilitam a ampliação da participação na gestão das políticas públicas.

As regras existentes conseguem garantir a liberdade de expressão?

V.A.L. – Para entender o modelo atual, é preciso discutir os vetos que o então presidente João Goulart havia feito ao projeto do Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT). Eles foram derrubados por pressão dos empresários no Congresso, em 1962. Havia uma disputa de poder entre concessionários do serviço público e o poder concedente, vale dizer, entre o Poder Executivo e os radiodifusores. Os vencedores queriam – e conquistaram – prazos dilatados para as concessões (10 e 15 anos), renovação automática delas, ausência de penalidade (mesmo após julgamento pelo Poder Judiciário) em casos de divulgação de notícias falsas e assimetria de tratamento em relação a outros concessionários de serviços públicos – alteração da lei de mandado de segurança. A derrubada dos vetos se constituiu na espinha dorsal da regulação da radiodifusão no Brasil. Algumas dessas normas os radiodifusores conseguiram incluir na Constituição de 1988. Assim, para a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Albert), não há necessidade de novo marco. É como se nada justificasse uma mudança das regras de meio século atrás. A necessidade de uma nova regulação hoje, entre as várias razões, passa pela atualização da legislação em razão das mudanças tecnológicas.

Quais são as principais insuficiências do modelo brasileiro?

V.A.L. – A regulação atual perpetua um problema histórico da sociedade brasileira, que é a exclusão da imensa maioria da população da gestão da coisa pública. As questões básicas têm a ver com a impossibilidade da universalização da liberdade de expressão. E aí há o paradoxo: exatamente os grandes meios de comunicação, que impedem essa universalização, empunham a bandeira da liberdade de expressão.

Que mecanismos o novo marco regulatório precisa criar?

V.A.L. – É fundamental definir uma agência autônoma para a área de radiodifusão, que expresse a separação entre telecomunicações e radiodifusão. Isso existe nas principais democracias liberais do mundo. Outro ponto importante é a criação de conselhos estaduais de comunicação, como órgãos auxiliares do Poder Executivo. São fundamentais para o exercício da liberdade de expressão. Isso está previsto na Constituição em nível federal. Temos de regulamentar o Artigo 221 da Constituição, que trata da comunicação social. É preciso lutar para que as garantias do Artigo 5o também sejam incluídas. O direito de resposta é uma delas e está descoberto desde a derrubada da Lei de Imprensa pelo Supremo Tribunal Federal.

Se a Constituição proíbe os monopólios, como os grandes grupos de mídia constituem seu poder?

V.A.L. – Este é um dos temas mais graves: a concentração da propriedade, que passa pela questão da propriedade cruzada. Ela se forma quando um mesmo grupo num mesmo mercado é proprietário de jornal, detém concessões de rádio AM e FM e de televisão e, em seguida, passa a ter uma operadora de TV por assinatura e um portal de internet. Tanto os grupos nacionais como os regionais se formaram a partir da propriedade cruzada. No Brasil, nunca houve controle dessa prática. Uma nova regulação – a exemplo do que existe nos Estados Unidos e na Argentina – deveria prever normas que valessem com prazos para a desconstrução de monopólios já constituídos. O prazo dilatado da concessão provoca uma distorção no entendimento dos concessionários. Eles se julgam proprietários da concessão. A proprietária é a União.

A formação de redes nacionais de TV e rádio aumenta o poder dos grandes grupos?

V.A.L. – Segundo a legislação do setor, um grupo concessionário, que no limite pode ter cinco concessões na faixa VHF em todo o território nacional, exerce, pelo processo de filiação, um controle de fato sobre um conjunto enorme de emissoras. Só que a caracterização de rede não é bem definida pela legislação. Apesar do decreto 236 de 1967 apresentar uma provisão específica sobre o tema, a interpretação do órgão controlador, o Ministério das Comunicações, nunca considerou a filiação exercida pelos grandes grupos de mídia como sendo formação de rede, tanto na área de rádio quanto na de TV. Isso é um absurdo. No Brasil, a ausência de controle tem levado a formas de produção inéditas no mundo inteiro. Vamos pegar o exemplo de uma novela. Um grupo poderoso, mantém sob contrato os autores, os atores e os técnicos.

Os artistas que produzem as trilhas sonoras têm suas músicas nas novelas divulgadas pelo selo musical e pelos jornais e revistas do próprio grupo. É uma integração tanto vertical quanto horizontal completa. E isso sufoca a possibilidade de manifestação de outras vozes.

Como é a relação dos grupos de mídia com o poder político e econômico?

V.A.L. – Há um modelo tradicional de barganha política, consolidado na ditadura militar. Os coronéis eletrônicos exercem uma influência na formação da opinião pública de duas formas. A primeira é direta, porque controlam o acesso ao debate público. A segunda é indireta por impedirem eventuais concorrentes em uma disputa eleitoral de terem acesso a esse debate. Há um desvirtuamento do processo democrático, que favorece a esses grupos políticos em vez de facilitar a universalização da liberdade de expressão. Um dos pontos críticos na legislação brasileira, que favorece essa apropriação, é o artigo 54 da Constituição, que trata da presença de eleitos para cargos públicos em concessões de rádio e TV. Como o Congresso Nacional ratifica as concessões definidas pelo Executivo, existe a situação absurda de concessionários interferirem diretamente no processo de aprovação das licenças. Uma mesma pessoa é poder concedente e concessionário. Isso não pode existir.

Como o sistema político de rádio e TV opera nesse universo?

V.A.L. – A Constituição instituiu o princípio da complementaridade entre os sistemas público, privado e estatal. Desde a década de 1930, quando o Estado priorizou a exploração pela iniciativa privada, as concessões têm sido dadas especialmente a grupos privados. Na Carta, há a intenção de se buscar um equilíbrio entre os setores. Até há poucos anos não existia a figura de uma empresa pública, o que acontece com a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC). O fortalecimento do sistema público busca cumprir um preceito constitucional. Só que ele nunca foi regulamentado por completo. A EBC, com todos os problemas e os emperramentos, tem avançado. É um modelo em construção.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Meio digital é caminho sem volta para jornais


TEMPOS MODERNOS

Reproduzido do Valor Econômico, 10/9/2012; intertítulos do OI
Por Vera Brandimarte e Raquel Balarin em 11/09/2012 na edição 711
Três dias de discussões e apresentações sobre experiências de veículos de comunicação de todo o mundo não deixam dúvida. Os jornais terão de investir mais e mais em inovações em meios digitais, a despeito de os resultados financeiros obtidos até agora nessas plataformas serem insuficientes para compensar as perdas de publicidade e receita de circulação nos jornais. Para dois terços de 150 veículos consultados em todo o mundo pela Associação Mundial de Jornais (WAN, na sigla em inglês), as plataformas digitais respondem por menos de 10% do faturamento com publicidade. O número foi divulgado durante o 64º Congresso Mundial dos Jornais e o 19º Fórum Mundial de Editores, realizados simultaneamente na semana passada em Kiev, na Ucrânia.
A conta dos investimentos em inovação e criação de plataformas e aplicativos de distribuição de conteúdo digital continua sendo paga pelas edições impressas. No ano passado, após um 2010 de declínio, a circulação de jornais (pagos e gratuitos) voltou a crescer. Metade da população adulta do mundo lê ao menos um jornal por dia. São 2,5 bilhões de exemplares diários, em comparação com 600 milhões de edições digitais. Uma análise mais detalhada dos números, porém, mostra que essa expansão está fortemente concentrada na Ásia (Índia e China), enquanto em países de economia madura as vendas de jornais continuam caindo. Na Europa Ocidental e América do Norte a circulação caiu 17% nos últimos cinco anos. Na América Latina, cerca de 3%. As vendas de publicidade em edições impressas também não são animadoras: entre 2007 e 2012, a receita publicitária em jornais caiu de US$ 128 bilhões para US$ 96 bilhões.
A difícil equação entre queda na receita publicitária e de venda de jornais impressos e a necessidade de investimentos maciços em inovação tem levado as empresas de comunicação a mudarem suas estratégias de negócios. O conteúdo, antes gratuito na web, está cada vez mais atrás de muros de pagamento, os chamadospaywalls. É uma maneira de equilibrar as receitas entre venda de publicidade – que é muito mais barata nos meios digitais – e venda de assinaturas. No The New York Times, que adotou no ano passado o paywall, inspirado por modelos do The Wall Street Journal e do Financial Times, já são 500 mil assinaturas puramente digitais, em comparação com 700 mil do impresso.
O lado bom
“Estamos chegando a um período em que os jornais não mais serão rentáveis. Em contrapartida, também estamos próximos de um novo modelo de negócio”, afirmou Greg Hywood, principal executivo da Fairfax Media Limited, da Austrália. Essa empresa decidiu reduzir de forma planejada as vendas da edição impressa e fechar a gráfica na qual havia investido US$ 500 milhões, há dez anos, para jogar as fichas na área digital. “Se se consegue aumentar a receita de publicidade e de assinatura digitais e se livrar dos custos de impressão e distribuição, o negócio torna-se viável”, disse Hywood, que prevê o dia em que não será mais rentável imprimir jornais.
A mudança de mentalidade em relação ao conteúdo gratuito nos meios digitais ganhou força com o lançamento do iPad, no início de 2010. O conceito de loja de aplicativos mostrou que há disposição das pessoas em pagar pelo conteúdo. Por outro lado, o tablet trouxe mobilidade de fato à edição impressa. Pesquisa apresentada no congresso da WAN indica, por exemplo, que os leitores veem os aplicativos muito mais como uma extensão do jornal impresso do que como extensão da web. “E quem vê os aplicativos dessa forma está disposto a pagar mais por ele”, disse Florian Bauer, fundador da Vocatus AG, da Alemanha.
A relação do tablet com a edição impressa também foi detectada pelo The Telegraph, que lançou sua primeira versão do aplicativo em setembro de 2010 e uma segunda em maio de 2011, paga. “Nos seis meses em que o aplicativo permaneceu gratuito, oferecido por um patrocinador, fizemos uma extensa pesquisa com os leitores. Eles nos disseram que queriam um produto mais próximo do jornal, que publicasse uma seleção das notícias mais importantes e que tivesse anúncios de página inteira, em vez dos tradicionais banners da internet.”
A análise dos dados de tráfego do aplicativo do Telegraph indica ainda que, no tablet, o hábito de consumo de notícias é diferente. Há um pico pela manhã e outro após as 6h da tarde, com o fim do expediente – um quadro reforçado por vários executivos em apresentações na Ukrainian House, no centro de Kiev. É um horário de leitura mais relaxado, que permite o consumo de textos mais longos e também de produtos anunciados em publicidade.
“Temos que entender como são consumidas as notícias”, afirmou Mario Garcia, CEO da Garcia Media, especializada em design de publicações. “Você vai tomar a sopa, tanto faz se de pé na cozinha ou na sala de jantar. O importante é como você vai apresentar a notícia em cada plataforma”, disse ele. Enquanto na internet e no celular as pessoas querem ler notícias resumidas, pois são plataformas para se ler de forma rápida, o tablet, à semelhança do jornal, é para a leitura de maior reflexão, ou para ler histórias que de alguma forma surpreendam.
tablet, porém, não é suficiente para indicar que os meios de comunicação encontraram a saída. Um ponto de atenção é o fato de que ele não é exatamente um produto para jovens. A idade média dos leitores do aplicativo de notícias do Telegraph, por exemplo, é de 50 anos, inferior à dos assinantes da versão impressa, mas ainda assim superior à do leitor do site (42) e dos aplicativos de smartphones (35). É por isso que, embora estejam felizes com os resultados que vêm obtendo com os tablets, os publishers estão com seus olhos voltados para os celulares com acesso à internet. Os smartphones são considerados a nova onda da revolução que vem ocorrendo na distribuição de conteúdo noticioso.
Em 2020, cerca de 3 bilhões de pessoas em todo o mundo estarão conectadas à internet via celulares, segundo Earl Wilkinson, presidente executivo da International Newsmedia Marketing Association (INMA), com base em dados do livro Abundance. Em poucos anos prevê-se que todo cidadão estará conectado com algum tipo de dispositivo móvel. Tor Jacobsen, CEO da VG Mobile, do grupo Schibsted, da Noruega, observa que o celular é muito importante para empresas de mídia porque “ele é de uso muito pessoal, está em todo lugar e é usado o dia todo”. Mas não basta transpor o modelo do tablet para o aplicativo do celular. No tablet, a leitura é mais imersiva. No celular, é de utilidade, de consumo rápido, fragmentado. Por conta dessa fragmentação, há quem acredite que o modelo de paywall não se aplica aos celulares. “Estamos gastando energia em colocar muros em plataformas móveis”, diz Raju Narisetti, editor executivo do americano The Wall Street Journal Digital Network. Mais uma vez, os jornais terão que investir para encontrar o modelo de negócio que pode ser aplicado aos celulares e também para capturar a atenção desse público de consumo de conteúdo fragmentado. O lado bom da história, diz Jacobsen, é que a experiência tem mostrado que os dispositivos móveis também são muito mais efetivos para os anunciantes do que o impresso e a internet.
Arte de montar combos
Com edições impressas, sites, aplicativos para tablets e também para celulares, os veículos de comunicação têm atingido uma audiência cada vez maior. Na Austrália, por exemplo, os produtos da Fairfax são consumidos por 40% da população do país, um recorde absoluto na história da companhia. Gerenciar esses produtos todos, porém, tornou-se muito mais complexo.
Conhecer quem consome o que, em qual horário, com que tipo de interação e com que resultados para os anunciantes são dados vitais para que empresas otimizem seus recursos e esforços. As áreas de análise desses dados, o data analytics, ganharam novo status nas companhias. As estratégias contribuem para aumentar a audiência e a fidelidade dos leitores, a transformá-los em assinantes e a torná-los consumidores pagantes de vários produtos, de acordo com Laura Evans, chefe da área de análise de dados da Dow Jones nos Estados Unidos. Um de seus trabalhos tem sido olhar os números não apenas para entender o passado, mas para fazer previsões – e estabelecer metas – para o futuro em vários segmentos das companhias de mídia, do editorial ao comercial.
A necessidade de conhecer profundamente seu consumidor para saber pelo que ele se interessa pode parecer óbvia para a maior parte dos setores industriais e comerciais. Para a indústria de jornais, entretanto, é mais uma mudança cultural enfrentada nos últimos anos. Quando o foco era exclusivamente nas edições impressas, a principal fonte de receita era a venda de anúncios. As assinaturas respondiam por uma parte bem menor do faturamento. Conhecer o público, portanto, era uma necessidade para poder vender publicidade. A qualificação do leitor indicava que tipo de anunciante poderia ser atraído. Agora, com o crescimento cada vez maior das assinaturas digitais e de sua importância no mix de faturamento, é preciso entregar exatamente o que ele precisa. O foco passa a ser o leitor e a experiência do usuário.
Conhecer como o leitor interage com o conteúdo, seja ele texto, foto, vídeo, comentário, infografia ou um post em uma rede social, é uma das grandes facetas dessa nova cultura. Mas a mudança vai além. Há consultores que têm ajudado as empresas de comunicação a entender como age psicologicamente um leitor ao escolher uma entre as várias opções atuais de pacotes de assinaturas. Bauer, da Vocatus, por exemplo, citou dados da revistaThe Economist para mostrar como a psicologia afeta a decisão de compra.
A revista inglesa fez dois testes. No primeiro, ofereceu sua versão digital (e-paper)por US$ 59 anuais, sua versão impressa por US$ 125 e um combo com os dois produtos por US$ 125 anuais. No fim, 84% dos leitores optaram pelo combo, 16% pela primeira opção, do e-paper, e nenhum pela assinatura apenas da edição impressa.
No segundo teste, entretanto, quando se excluiu a opção da edição exclusivamente impressa, já que ninguém havia optado por ela, o resultado foi completamente diferente: 68% dos leitores escolheram ficar com a alternativa mais barata, de US$ 59 apenas para o e-paper. Apenas 32% ficaram com o combo. “Isso mostra como montar os combos, os pacotes, passou a ser um dos principais desafios das companhias”, afirmou Bauer.
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Exemplos bem-sucedidos inspiram novas experiências
Iniciativa isolada de algumas empresas jornalísticas até um ano e meio atrás, a cobrança de assinatura digital, chamada de paywall (muro de pagamento), passou a ser a grande tendência na indústria em todo o mundo. Os bons resultados obtidos por veículos como The New York Times, dos EUA, Die Welt, do grupo alemão Axel Springer, e os jornais econômicos The Wall Street Journal e Financial Times, primeiros a cobrar pelo conteúdo digital, têm inspirado publishers dos cinco continentes.
No FT, as assinaturas digitais somaram 300 mil no fim de junho, ultrapassando as 299 mil assinaturas do impresso, com um aumento de 31% em relação ao fim do ano passado, segundo a publicação Innovations in Newspapers – 2012 World Report. No WSJ, são cerca de 600 mil assinaturas digitais pagas e no NYT, 500 mil. “Nossa meta agora não é aumentar a quantidade de assinantes. É melhorar a receita com as assinaturas digitais e do impresso, assim como ampliar a receita publicitária da web”, disse Michael Golden, vice-presidente do conselho de administração da The New York Times Company.
Embora não tenha sido o primeiro a adotar o muro de pagamento, o NYT é o jornal que mais tem despertado a atenção da indústria por seu tamanho, alcance internacional e por não ser um veículo de nicho, como o são WSJFT. A pergunta que os executivos se fazem é se há espaço para cobrar por notícias gerais, commodities que estão à disposição de todos. “Apenas de 5% a 17% das notícias publicadas nos meios digitais são exclusivas ou notícias urgentes e importantes. Para se cobrar pelo resto, é preciso melhorar a experiência do usuário”, disse Dietmar Schantin, fundador do Instituto de Estratégias para a Mídia, da Áustria.
Raju Narisetti, do The Wall Street Journal, tem a mesma opinião. Para ele, ter excelente conteúdo não é suficiente para ganhar a briga pela conquista de leitores. É preciso assegurar que o leitor terá uma experiência boa quando entrar em contato com esse conteúdo. Por conta disso, muitas redações têm absorvido programadores e designers digitais, como é o caso do NYT e do Today India Group. O Innovation Media Consulting Group, do Reino Unido, sugere que os desenvolvedores trabalhem dentro da redação, pensem e ajam como jornalistas, reportem-se aos editores, e não à área de tecnologia, produzam animações multimídia todos os dias e sejam parceiros de jornalistas e designers. “Nós dizemos que produzir conteúdo é simples e a arte está no código (programação dos sistemas). Os jornalistas veem o contrário”, disse Narisetti. (RB e VB)
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Mudanças requerem novo perfil de profissional
Se os desafios para que empresas jornalísticas se mantenham rentáveis no futuro são grandes, não são menores os dos profissionais que atravessam essa transição. Antes, boa formação intelectual, bom texto e argúcia eram atributos suficientes para qualificar o bom jornalista. Agora, é preciso ter novas habilidades, como o domínio de novas tecnologias e da produção instantânea de conteúdo. Foi-se também o tempo em que, depois de apurar e escrever suas matérias, o jornalista esperava para ver seus textos no jornal do dia seguinte. Hoje, ele produz e edita textos e vídeos em múltiplas plataformas e em tempo real, recebe a imediata reação dos leitores em comentários e interage com eles em redes sociais.
Uma das grandes dificuldades dos jornais está na contratação desse pessoal adequado, segundo conferencistas que participaram dos eventos da WAN em Kiev, na Ucrânia. A reação à produção de conteúdo para múltiplas plataformas começa nas próprias redações. Para Mario Garcia, da Garcia Media, quem está na redação segue planejando seu dia como fazia há 20 anos. “Não estamos fazendo jornalismo para web. Seguimos fazendo a notícia para jornal e depois as publicamos na web”, afirmou Raju Narisetti, editor-executivo do The Wall Street Journal Digital Network.
Um caminho que vem sendo trilhado por várias companhias de mídia é o de atrair talentos mais jovens e integrá-los às redações. Mas, para Earl Wilkinson, presidente da International Newsmedia Marketing Association, isso é bom, mas não é suficiente. É preciso dar treinamento interno e externo e mais acesso a informações sobre a própria indústria jornalística.
Companhias como a SUP Media, da Rússia, por exemplo, ensinam que a interação de jornalistas com redes sociais é importante porque elas se tornaram grandes distribuidoras de conteúdo, além, é claro, de fontes de informação. O jornalismo construído com a ajuda das redes sociais cria ainda laços com o leitor. Um tweet não pode ficar sem resposta, afirmou John Henley, redator do britânico Guardian, embora a mensagem recebida nunca deva ser retransmitida para a rede sem que ela seja checada.
A relevância das redes sociais para o jornalismo, entretanto, não é um consenso. Para Ryaad Mynty, chefe para mídias sociais da TV Al Jazeera, todos os cidadãos são produtores de notícia e as empresas têm de criar a cultura da participação. “Os meios não são os primeiros a dar as notícias; são as pessoas. Nós as recolhemos, organizamos e distribuímos para todo mundo.” A opinião, que reserva ao jornalista um papel secundário, não encontrou muito respaldo na plateia. (VB e RB)
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[Vera Brandimarte e Raquel Balarin, do Valor Econômico em Kiev (Ucrânia)]

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Colaboração: Pedro Bentes

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Além de inconstitucional, lei da publicidade favorece oligopólio da mídia



Representantes dos pequenos e médios veículos de comunicação alegam que lei que regulamenta a contratação de publicidade pelos órgãos públicos contribui para a concentração da verba nos grandes conglomerados. Os chamados bônus de volume, que suscitaram discórdias no julgamento do “mensalão”, são apontados como mecanismo que favorecem o oligopólio.

Leia também: STF reabre debate sobre publicidade e bônus de volume

Brasília - A alegada inconstitucionalidade da lei 12.232/2010, que regulamenta a contratação de publicidade pelos órgãos públicos, é apenas um dos aspectos que tem suscitado críticas à norma jurídica. Representantes dos pequenos e médios veículos de comunicação alegam que a lei prejudica também a pluralidade de vozes necessária à democracia, ao contribuir para a concentração da verba publicitária nos grandes conglomerados de mídia. O bônus de volume, que ela institucionaliza, é parte importante da polêmica. 

O acórdão 2.062 do TCU já apontava, em 2006, a dificuldade de controlar negociações envolvendo bonificações, uma vez que elas são de âmbito privado. E observava também que o bônus “favorece a concentração das inserções publicitárias em poucos veículos”. O diretor comercial da revista Caros Amigos, Wagner Nabuco, concorda. “O BV só reforça o oligopólio da mídia”, afirma. 

Segundo ele, no Brasil, a remuneração básica de uma agência de publicidade decorre da comissão fixa de 20% (conhecida como desconto-padrão) sobre o valor despendido na compra de espaços publicitário nos veículos de comunicação; de comissão sobre serviços prestados por terceiros (produtoras de vídeo, fotografia, eventos, etc); e do bônus de volume. “Somente as grandes corporações tem capacidade de abrir mão de parcela expressiva das receitas de publicidade e, em muitos casos, pagar o bônus às agências antes mesmo dos anúncios serem veiculados”, acrescenta. 

O diretor esclarece que existe também a possibilidade da agência receber taxas fixas (fees) pelos serviços que presta. Caso, por exemplo, das que atendem as Casas Bahia, cujo investimento em publicidade, em 2011, foi de R$ 3,37 bilhões, o maior do Brasil. Grandes anunciantes como as Casas Bahia tem deixado de pagar o desconto-padrão de 20% para remunerar os serviços por fees mensais ou anuais, em geral, muito abaixo dos valores obtidos com o desconto-padrão. Na prática, estão impedindo que as agências faturem por comissão duas vezes em cima do dinheiro do anunciante. Como consequência, cresce a importância do BV no lucro do setor publicitário.

É difícil saber qual o peso exato de cada uma dessas modalidades na receita das agências, visto que se trata de dados privados das empresas. Fontes do mercado consultadas pela reportagem estimaram que, atualmente, cerca de 60% ou 70% do faturamento das agências provenham do BV. A Rede Globo é a maior pagadora do bônus e especula-se que, em 2010, tenha repassado cerca de R$ 700 milhões às agências por meio deste mecanismo. A Editora Abril, que possui o maior faturamento na mídia impressa, teria desembolsado aproximadamente R$ 75 milhões.

Critérios técnicos?
Presidente da Associação dos Diários do Interior (ADI), Margareth Codraiz Freire acredita que, mais do que o bônus de volume, o que ocasiona a concentração de verba pública nos grandes veículos são os critério adotados para distribuição da publicidade. “As agências até podem preferir anunciar em poucos veículos para terem mais controle sobre o recebimento dos bônus, mas a escolha final é do cliente”, avalia.

Segundo ela, desde o governo Lula, a Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência, responsável pelo maior aporte de verbas públicas em publicidade, aumentou de forma expressiva o número de veículos aptos a dividir o bolo. Em 2000, eles eram 500. No ano passado, somaram 8.519, dos quais 4.281 foram contemplados com contratos. Entretanto, o percentual que chega aos jornais de pequeno e médio porte varia de 1% a 1,5% das receitas deles. “Melhorou muito porque não recebíamos nada, mas grosso da publicidade ainda fica com os grandes”, afirma ela. 

A Secom não divulga quanto destina a cada órgão. Toda a prestação de contas é feita por valores dispensados por campanhas. Mas na página 42 do Relatório de Gestão 2011, há uma informação que ajuda a dar a dimensão da concentração da mídia: “25 veículos e grupos de comunicação recebem 72% da publicidade do governo”. O órgão destaca que a distribuição é feita seguindo critérios técnicos, como índice de audiência, no caso das TVs, e preço por centímetro quadrado de publicidade, no caso dos impressos.

A lei 12.232 estabelece a opção pelos critérios técnicos. Diz que as agências devem conduzir a escolha dos veículos em que vão anunciar “de acordo com pesquisas e dados técnicos comprovados”, que assegurem as melhores condições para falar com seu público. Nabuco, entretanto, questiona o sistema, dada a ampla subjetividade da atividade publicitária. “A audiência do Jornal Nacional permanece imbatível e o governo pode alegar isso para comprar espaço da Globo. Mas se o critério for só este, o que o Estado fará pelas garantias constitucionais de pluralidade de vozes, diversidade, fortalecimento da cultura regional?”, indaga.

Margareth endossa. Segundo ela, no interior, são fartos os casos de jornais regionais que adquirem muito mais peso perante a opinião pública e até tiragens superiores as dos nacionais. Entretanto, ainda assim, o preço da publicidade costuma ser bem mais baixo. 

O diretor da revista ainda questiona a legalidade de se obter BV com dinheiro público. “A verba é para divulgar determinada ação ou campanha e não para ir para o bolso da agência. Se o veículo retornou dinheiro, a agência não deveria reter, deveria voltar aos cofres públicos”, aponta.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Quixotismo no jornalismo


Coluna de Artur Xéxeo - Segundo Caderno de O Globo

Na semana passada, foi ao ar, pela televisão americana, o último episódio da primeira temporada de "The newsroom". Aqui no Brasil, onde a série também é exibida, ainda faltam quatro ou cinco programas para serem mostrados. De qualquer forma, o sentimento que fica é o de que vai ser muito difícil esperar um ano inteiro para acompanhar a segunda temporada. 

Como, nesta altura do campeonato, todo mundo sabe, “The newsroom” é o seriado da HBO ambientado na redação de um telejornal — o "News Night" — de uma TV 
por assinatura fictícia, a Atlantis Cable News ou ACN. Mostra o dia a dia de Will McAvoy (Jeff Daniels), o âncora do programa; MacKenzie McHale (Emily Mortimer), a produtora executiva, e de toda a equipe da redação. Durante os dez episódios que formam a primeira temporada, passa-se pouco mais de um ano. Em cada programa, a equipe lida com notícias verdadeiras que ocorreram nesse período, como o derramamento de petróleo no Golfo do México, em abril de 2010 (tema do primeiro episódio) ou os acontecimentos da primavera árabe, em fevereiro deste ano (tema do quinto episódio). Os assuntos são tirados da vida real, mas a redação é tão improvável quanto encontrar uma moeda de 1 centavo no troco do supermercado. 

É falso, mas é irresistível. Sempre fui atraído por filmes sobre jornalismo. Não desprezo a versão de que tenha optado pela profissão logo após assistir a “A primeira página”, a comédia de Billy Wilder com Jack Lemmon e Walter Matthau, de 1974. Entre os meus filmes preferidos de todos os tempos certamente está incluído “A  Montanha dos Sete Abutres”, também de Billy Wilder, com Kirk Douglas, de 1951. Outro dia mesmo, falamos aqui de filmes de faroeste, e alguns leitores se lembraram de “O homem que matou o facínora”, de John Ford, com James Stewart e John Wayne, de 1962. 
Todos estes filmes atribuem ao jornalismo uma característica comum: o cinismo. Em “A primeira página”, o jornalista vivido por Lemmon não hesita em interferir nos caminhos da Justiça para garantir um furo de reportagem. Em “A Montanha dos Sete Abutres”, o caso é até mais sério. O repórter decadente interpretado por Douglas vê uma chance de recuperação na carreira ao prolongar o resgate de um mineiro para que ele possa escrever com exclusividade uma série de matérias sobre o assunto. É de “O homem que matou o facínora” a frase que pauta muito do que aparece na imprensa: quando a lenda é melhor que o fato, publique-se a lenda. 

Quando são generalizados, todos esses três comportamentos se tornam tão falsos quanto a ação dos jornalistas de “The newsroom”. Não que não haja cinismo no jornalismo. Mas não há só cinismo no jornalismo. Sempre faltou equilíbrio ao tratamento que o cinema dá à profissão. “The newsroom” veio para equilibrar. Seus jornalistas também não são muito parecidos com a maioria dos jornalistas da vida real. Mas, depois de cem anos de maus tratos provocados pelo cinema, bem que a profissão estava merecendo essa colher de chá. 


Em “The newsroom”, Will McAvoy é o Don Quixote da notícia (o romance de Cervantes é citado em quase todos os episódios). Ele comanda uma equipe que pretende fazer uma revolução no jornalismo: só pôr no ar notícias que realmente sejam importantes para o espectador. E quem decide o que é importante? Os jornalistas do “Night News”, é claro. Na sua missão, eles desafiam os anunciantes, os institutos que medem audiência e até os proprietários da ACN. Sempre saem ganhando, é claro. 
A série traz para a televisão algumas das discussões que movimentam as redações nos dias de hoje, como a fronteira cada vez mais confusa entre entre entretenimento e jornalismo. No “Night News” não cabem receitas de bolo, reportagens engraçadinhas feitas no jardim zoológico ou dicas para o espectador controlar seu orçamento. Nas reuniões de pauta, eles estão sempre atrás do que o governo quer esconder ou de estratégias para demonstrar que as autoridades estão mentindo. Eles não dão espaço para subcelebridades. Desprezam o jornalismo da internet (McAvoy não sabe nem acessar o blog que a emissora criou para ele). Não se submetem a pressões da audiência para cobrir assuntos que veem como sensacionalistas. Quando a gente se vê afogado pelo noticiário sobre a Peladona de Congonhas ou o Furacão da CPI, dá para perceber que eles não estão falando só dos Estados Unidos. 

Num episódio comovente (o penúltimo), a equipe dedica 24 horas de cada um de seus dias para criar uma nova forma de debate eleitoral. Um debate em que o mediador pergunte o que realmente interessa ao eleitor e que os candidatos tenham tempo para expor suas ideias ou sua falta de ideias. Desta vez, os Quixotes perderam. As assessorias dos candidatos ficaram chocadas e acabaram com a brincadeira. Aqui no Brasil, em plena vigência do horário político eleitoral gratuito, assistir a “The newsroom” é estimulante.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Manipulação na mídia...



Colaboração, Jéssica Castro

Quem tem medo do Face?



Digital & Mídia
Coluna do Pedro Doria
pedro.doria@oglobo.com.br

O novo livro de Andrew Keen sugere que as redes ameaçam nossa privacidade. Verdade. Mas é ameaça difícil de cumprir

Andrew Keen esteve no Brasil, semana passada, para divulgar seu novo livro, #vertigemdigital, publicado pela Zahar. Ele é um dos mais conhecidos algozes da internet. Em seu primeiro livro, O Culto do Amador, também publicado pela Zahar, Keen defendia que a cultura contra o trabalho de profissionais que existia na rede poderia causar danos graves à sociedade. Seu inimigo do momento são as redes sociais. A tese que defende é a de que estamos abrindo mão de nossa privacidade sem sequer nos darmos conta das consequências que virão.
Privacidade é daquelas coisas que, intuitivamente, nos parecem importantes. Mas todos temos dificuldade de explicar por quê. Não bastasse, privacidade é coisa fluida. Quando um finlandês pergunta ao outro qual seu salário, ele ouve uma resposta de pronto. Ninguém vê motivo para ser discreto. Numa praia árabe, as áreas entre homens e mulheres são separadas por paredes, e mesmo na ala feminina elas se cobrem todas. Alemães vão à sauna mista nus sem que qualquer conotação sexual exista. Os mesmos alemães se insurgiram quando o Google decidiu publicar, no Street View do seu sistema de mapas, fotos das ruas que incluem, naturalmente, as fachadas das casas. Foto da casa vista da rua, por lá, é coisa privada.
O que é privado e o que é público varia de cultura para cultura, mas em todas existe privacidade. Charles Fried, um jurista de origem tcheca que foi advogado-geral dos EUA durante o governo de Ronald Reagan, tem talvez a melhor definição. Privacidade é o que define nossas relações. Os graus de intimidade que temos com as pessoas. Com aqueles mais próximos de nós, compartilhamos detalhes os mais íntimos. A partir daí, vamos impondo discretas barreiras entre nós e amigos de escola, colegas de trabalho, parceiros de pelada. Nossa capacidade de gerenciar a informação sobre nós que os outros têm define como convivemos em sociedade. Privacidade é importante por isso. Porque, se nossa vida é um livro aberto, nada nos protege do mundo lá fora.
Não é que Keen estivesse errado em sua crítica ao culto do amador, no primeiro livro. Estava certo. Mas, se a ameaça existiu, ela se desfez com o próprio avanço tecnológico. Música não era cobrada, com a loja iTunes da Apple artistas voltaram a receber pela venda de suas obras. Livros eletrônicos revelam uns poucos novos autores profissionais e a massa amadora continua no vácuo, quase nunca sendo lida. Inúmeras revistas tradicionais estão vendendo, e bem, edições eletrônicas para o tablet, caso da americana “New Yorker” e da britânica “The Economist”. A ameaça de um mundo no qual produção profissional deixaria de ser remunerada num mar de amadorismo não parece que vai se concretizar.
Não é que Keen esteja errado quando aponta o risco da ausência de privacidade. Seu argumento é bem construído. Como ele próprio diz, estar ausente do Facebook não é uma opção para um número grande de pessoas. Quando todos seus amigos estão na rede social, sua ausência é um afastamento dos laços sociais. Quanto mais jovem o usuário, maior a pressão.
Mark Zuckerberg, o fundador do Facebook, não é o único no Vale do Silício que repete o mantra: a privacidade acabou, só você que não viu. Só que não é totalmente verdade, e Zuckerberg é a prova disso. Quando decidiu se casar, ninguém soube até o dia em que ele próprio achou por bem tornar público. Busque na internet: de que músicas ele gosta? De que livros? Em que restaurante costuma jantar? Com que amigos bebe cerveja ou vinho quando é sábado?
A maioria dos empresários do Vale do Silício são pessoas reservadas. Talvez seja fácil encontrar suas casas, quase todas em Palo Alto, no Google Maps. Vez por outra sai por aí a foto de um deixando o Whole Foods com uma sacola de verduras frescas. Mas a turma de Hollywood, uns quilômetros ao Sul, parece ser mais evidência de que a privacidade está em risco do que os inventores das novas tecnologias. E, no caso de Hollywood, aquela privacidade está sob ameaça desde que há cinema.
Há riscos sim, e concretos, para nossa privacidade. O mais provável, no entanto, é que privacidade será redefinida. Como? Excelente pergunta.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

O dilema dos jornais

03 de setembro de 2012 | 3h 07
Carlos Alberto Di Franco
Num mundo cada vez mais rápido, em que as informações se disseminam por múltiplos meios - graças à internet, ao tablet, ao celular e às mídias sociais -, o jornal impresso tem futuro. O dilema do jornal, com sua força na construção da democracia e seu protagonismo na agenda pública, suscitou sugestivos debates no 9.º Congresso Brasileiro de Jornais, evento promovido pela Associação Nacional de Jornais (ANJ) em São Paulo.
Para sobreviverem os jornais precisam investir fortemente na qualidade de seu conteúdo. A internet é um fenômeno de desintermediação. E que futuro aguarda os meios de comunicação, assim como os partidos políticos e os sindicatos, num mundo desintermediado? Só nos resta uma saída: produzir informação de alta qualidade técnica e ética. Ou fazemos jornalismo de verdade, fiel à verdade dos fatos, verdadeiramente fiscalizador dos poderes públicos e com excelência na prestação de serviço, ou seremos descartados por um leitorado cada vez mais fascinado pelo aparente autocontrole da informação na plataforma virtual.
Há mais de uma década, falando do alto da tribuna da Associação Mundial de Jornais, Bill Gates fez um exercício de premonição. Previu que no ano 2000 não haveria mais jornais impressos. Hoje, ao contrário da sombria profecia de Gates, os diários continuam vivos. No Brasil, para além da permanência dos diários tradicionais, explodiu o fenômeno dos populares de qualidade. O novo segmento não tem apenas incorporado novos leitores. Ele, de fato, representa uma esplêndida plataforma educativa. É fascinante ler alguns depoimentos dos novos leitores. São pessoas simples, frequentemente marginalizadas do debate público, que encontraram nos populares de qualidade a porta de entrada da cidadania.
Os diários têm conseguido preservar seu maior capital: a credibilidade. A confiança da população na qualidade ética dos seus jornais tem sido um inestimável apoio para o desenvolvimento de um verdadeiro jornalismo de buldogues. O combate à corrupção e o enquadramento de históricos caciques da política nacional, alguns sofrendo o ostracismo do poder e outros no ocaso do seu exercício, só é possível graças à força do binômio que sustenta a democracia: imprensa livre e opinião pública informada.
A revalorização da reportagem e o revigoramento do jornalismo analítico devem estar entre as prioridades estratégicas. É preciso atiçar o leitor com matérias que rompam a monotonia do jornalismo de registro. Menos aspas e mais apuração. O leitor quer menos show e mais informação de qualidade. O sensacionalismo, embora festejado num primeiro momento, não passa pelo crivo de uma visão retrospectiva. Curiosidade não se confunde com aprovação. O prestígio de uma publicação não é fruto do acaso. É uma conquista diária. A credibilidade não se edifica com descargas de adrenalina.
Apostar em boas pautas - não muitas, mas relevantes - é outra saída. É melhor cobrir magnificamente alguns temas do que atirar em todas as direções. O leitor pede reportagem.
Quando jornalistas, entrincheirados e hipnotizados pelas telas dos computadores, não saem à luta, as redações se convertem em centros de informação pasteurizada. O lugar do repórter é na rua, garimpando a informação, prestando serviço ao leitor e contando boas histórias. Elas existem. Estão em cada esquina das nossas cidades. É só procurar.
Quem tem menos de 30 anos gosta de sensações, mensagens instantâneas. Para isso a internet é imbatível. Mas há quem queira, e necessite, entender o mundo. Para este público deve existir leitura reflexiva, a grande reportagem.
Antes os periódicos cumpriam muitas funções. Hoje não cumprem algumas delas. Não servem mais para contar o imediato. E as empresas jornalísticas precisam assimilar isso e se converter em marcas multiplataformas, com produtos adequados a cada uma delas.
Há um modelo a ser seguido? Nas experiências que acompanho, ninguém alcançou a perfeição e ninguém se equivocou totalmente. O perceptível é que os jornais estão lentos para entender que o papel é um suporte que permite trabalhar em algo que a internet e a rede social não fazem adequadamente: a seleção de notícias, jornalismo de alta qualidade narrativa e literária. É para isso que o público está disposto a pagar. A fortaleza do jornal não é dar notícia, é se adiantar e investir em análise, interpretação e se valer de sua credibilidade.
Estamos numa época em que a informação gráfica é muito valiosa. Mas um diário sem texto é um diário que vai morrer. O suporte melhor para fotos e gráficos não é o papel. Há assuntos que não é possível resumir em poucas linhas. E não é verdade que o público não goste de ler. Não lê o que não lhe interessa, o que não tem substância. Um bom texto, para um público que adquire a imprensa de qualidade, sempre vai ter interessados.
Para mim, o grande desafio do jornalismo é a formação dos jornalistas. Se você for a um médico e ele disser que não estuda há 25 anos, você se assusta. Mas há jornalistas que não estudam nada há 25 anos. O jornalismo não é rotativa: o valor dele se chama informação, talento, critério. Por isso é preciso investir em jornalistas com boa formação cultural, intelectual e humanística - pessoas que leiam literatura, sejam criativas e motivadas. E, além disso, que sejam bons gestores. As competências são demasiadas? Talvez. Mas é o que nos pede um mundo cada vez mais complexo e desafiante.
Há muito espaço para o jornalismo de qualidade. Trata-se de ocupá-lo. Com competência, ousadia, criatividade e, sobretudo, com ética. A percepção do cidadão a respeito do papel do jornal é um inequívoco reconhecimento do seu vigor editorial e da força da sua credibilidade. O Brasil depende, e muito, da qualidade da sua imprensa.
DOUTOR EM COMUNICAÇÃO PELA UNIVERSIDADE DE NAVARRA, É DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO DO INSTITUTO INTERNACIONAL DE CIÊNCIAS SOCIAIS