'O que ele falou tem sentido, é uma abordagem mais comum na Europa a busca por um equilíbrio', diz autor de livro sobre direitos de personalidades
Para Gilberto Gil, há um pensamento de 'vamos nos livrar desses velhos de uma vez por todas'
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RIO - A entrevista de Roberto Carlos sobre a polêmica das biografias ao 'Fantástico' de domingo vem despertando reações e desdobramentos. Na mesma noite, um post foi publicado na página da Associação Procure Saber no Facebook, afirmando que as declarações do Rei refletiam a “posição oficial” do grupo formado por Chico Buarque, Caetano Veloso e Djavan, entre outros - o que deve ser reforçado em vídeos com depoimentos deles, programados para esta terça. Mas, para o “Fantástico”, Roberto não foi muito claro quanto à sua posição. Ele afirmou que é a favor de obras sem autorização prévia do biografado, mas “com certos ajustes”. O cantor, porém, não detalhou que ajustes seriam esses. “Isso aí tem que se discutir, são muitas coisas”, disse.
— Juridicamente, o que Roberto Carlos falou tem algum sentido, sim. É uma abordagem mais comum na Europa a busca por um equilíbrio, por uma posição intermediária entre a liberdade e a privacidade. É uma posição que não exige autorização prévia, mas que não permite que uma biografia trate de qualquer assunto — explica o advogado Anderson Schreiber, professor de Direito Civil da Uerj e autor de livros como “Direitos da personalidade” (editora Atlas). — Alguns países, por exemplo, consideram invasão de privacidade quando se divulgam dados de prontuários médicos. É um exemplo de restrição que pode ser colocada ao mesmo tempo em que se liberam as biografias.
Hoje, o artigo 20 do Código Civil brasileiro permite que biografados reclamem na Justiça a proibição de biografias em casos que “lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais”. Foi esse artigo, sobre o qual está em análise uma Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pelas editoras de livros no Supremo Tribunal Federal, usado pelo Rei para proibir, em 2007, o livro “Roberto Carlos em detalhes”, de Paulo Cesar de Araújo — a obra saiu das livrarias num acordo judicial entre o cantor e a editora Planeta. Leia a reação do biógrafo à entrevista no "Fantástico" aqui.
— Eu discordo do Roberto Carlos quando ele disse na entrevista que a história da pessoa é da pessoa. A vida da figura pública é o tema de uma biografia, não quer dizer que ela vai ser apropriada — afirma o advogado Daniel Campello Queiroz, sócio do escritório de direitos autorais CQ Rights. — Mas eu entendo quando ele fala do aspecto comercial das biografias. O artigo 18 do Código Civil não permite que se use o nome de alguém em propaganda comercial sem autorização. Então, se a editora usar o nome do biografado e sua imagem para se promover comercialmente, é necessário discutir uma autorização ou remuneração. Não é que o autor tenha que pagar dízimo para escrever sobre alguém, mas é preciso preservar a imagem em propaganda comercial, mesmo que seja para a venda de um livro.
Nesta segunda-feira, Gilberto Gil, um dos integrantes do Procure Saber, também comentou a entrevista de Roberto Carlos.
— Ele foi muito cuidadoso, afinal é um tema muito polêmico, com uma carga de agressividade razoável. Hoje, tem um pouco do pensamento de “vamos nos livrar desses velhos de uma vez por todas”. É um convite ao desrespeito que a internet faz — disse Gil. — A imprensa entrou nesse debate de forma muito forte, exagerou na defesa à liberdade de expressão, mas sabemos também que grandes veículos são também editores, há outros interesses em jogo. Não queremos afirmar categoricamente a necessidade da autorização prévia, mas o que queremos dizer é que precisamos discutir. Não dá pra aceitar a liberação geral.
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