terça-feira, 29 de outubro de 2013

Cameron ameaça censurar novas reportagens sobre espionagem

Em alerta ao 'guardian', premier britânico pede responsabilidade social
LONDRES O Reino Unido é o único integrante europeu do chamado "Cinco Olhos" - o grupo ultrassecreto onde compartilha e troca informações de inteligência com Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. E ontem o governo britânico deu novos sinais de desconforto diante das revelações em cadeia da ampla espionagem americana em território europeu. Distanciando-se da indignação de outros líderes do continente com a Agência de Segurança Nacional dos EUA(NSA), o primeiro-ministro conservador David Cameron ameaçou agir para impedir a publicação do que classificou como "vazamentos prejudiciais" trazidos à tona por Edward Snowden. A advertência tinha endereço certo: o jornal "Guardian", que tem publicado os documentos mostrando a espionagem americana. - Se eles (os jornais) não demonstrarem alguma responsabilidade social, será muito difícil para o governo recuar e não agir - afirmou Cameron ao Parlamento, acrescentando que o "Guardian" continua publicando material "prejudicial". 

Na sexta-feira, Cameron já havia acusado Snowden e "um jornal britânico" de ajudar o inimigo com a divulgação de mecanismos de espionagem e contraterrorismo cibernético. - O que Snowden está fazendo e, até certo ponto, o que os jornais estão fazendo em ajudá-lo a fazer o que ele está fazendo, é francamente sinalizar para os que querem nos fazer mal como fugir e driblar a inteligência, a vigilância e outras técnicas. Isso não vai tornar nosso mundo mais seguro, mas vai torná-lo mais perigoso. Isso está ajudando nossos inimigos - dissera o premier. O escândalo envolvendo a espionagem americana atingiu em cheio o governo conservador em Londres. Além de deixar o premier isolado no cenário europeu, as revelações de Snowden expuseram, ainda, a parceria da NSA com o Quartel-General de Comunicações do Governo (GCHQ, na sigla em inglês) - a equivalente britânica da agência de vigilância americana. 

Essa exposição enfureceu boa parte da bancada conservadora governista, que exige do premier respostas para o que veem como um golpe contra a segurança nacional. A ira aumentou ontem, quando uma reportagem do tabloide "Sun", citando altas fontes da Inteligência, afirmava que os vazamentos de Snowden feriram, sim, o trabalho de coleta de informações dos espiões britânicos. Apesar de deixar claro que sua paciência estava se esgotando, Cameron disse aos parlamentares que prefere não usar mão de ferro contra os jornais, mas esperar que eles mudem de opinião: - Temos uma imprensa livre, e é importante que a imprensa não se sinta pré-censurada. A abordagem que adotamos é tentar conversar com a imprensa e explicar quão prejudiciais algumas dessas informações podem ser, e é por isso que o "Guardian" destruiu parte das informações nos discos que possuía - afirmou. Cameron, porém, ressaltou: - Eu não quero ter que usar liminares, D-notices (proibição de publicações) ou outras medidas mais duras. Acho que é muito melhor apelar ao sentido de responsabilidade social dos jornais. Numa tentativa de aplacar a revolta dos companheiros de legenda, Cameron também admitiu aos parlamentares a necessidade de evolução das táticas usadas pelas agências de Inteligência independentemente do vazamento de informações. - Nossas agências operam sob a lei, e o trabalho delas é regulado por comissários de inteligência. É claro que a tecnologia se desenvolve, e como as ameaças que enfrentamos evoluem, precisamos ter certeza de que o escrutínio e os métodos permanecem fortes e eficazes - disse. 

COMEÇA JULGAMENTO SOBRE ESCUTAS

A ameaça de uma ação do governo contra a imprensa britânica ocorreu no mesmo dia em que foi iniciado o julgamento de Rebekah Brooks e Andy Coulson, ex-editores do extinto tabloide "News of the World". Eles são acusados de envolvimento num escândalo de escutas telefônicas sistemáticas. Eles teriam conspirado para acessar ilegalmente mensagens de voz dos celulares de políticos, ricos, famosos, vítimas de crime e cidadãos comuns para obter notícias exclusivas. Os dois, que estão sendo julgados com outros seis réus, negam todas as acusações - mas, desde que uma investigação foi lançada, em janeiro de 2011, mais de 125 pessoas foram presas e mais de 40, indiciadas. Desde então, uma nova legislação sobre ética jornalística, que pode incluir a criação de um órgão ligado ao governo para fiscalizar possíveis abusos dos jornais, está em discussão no Reino Unido.

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