O injustiçado inventor da computação completaria cem anos hoje
Apontado como pai dos computadores modernos, o matemático inglês Alan Turing completaria 100 anos hoje. Sua vida, no entanto, foi abreviada aos 41, quando aparentemente cometeu suicídio, dois anos após condenação em 1952 por “grave indecência” — eufemismo para seu homossexualismo, na época considerado ilegal no Reino Unido. Forçado a tomar hormônios femininos em um processo de castração química como alternativa à prisão, o herói que liderou a equipe responsável por quebrar o “indecifrável” código Enigma dos nazistas, dando aos Aliados uma vantagem tática crucial para a vitória na Segunda Guerra Mundial, tornou-se um pária. Só em 2009, depois de intensa campanha na internet (um dos frutos de seu trabalho), o então primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, emitiu um pedido de desculpas oficial pelo tratamento dado a Turing.
— Creio que é difícil achar personagem melhor que Turing, mesmo em uma boa obra de ficção — avalia o escritor americano especializado em temas científicos Jim Ottaviani, que acaba de terminar o roteiro de uma biografia em quadrinhos do matemático, que deve ser publicada até o fim do ano. — Sua vida foi cheia de episódios marcantes e dramáticos, alguns mais conhecidos do que outros, que ajudaram a fazer dele uma pessoa vital e intrigante.
Hoje, o legado deste trágico gênio está por toda parte. Basta olhar em volta para ver a quantidade de equipamentos que têm em seu coração uma “máquina universal de Turing”, conceito criado por ele nos anos 30 para resolver um mistério da lógica matemática. Batizada Entscheidungsproblem, ou problema de decisão, a conjectura proposta pelo também matemático David Hilbert em 1928 perguntava se seria possível criar um procedimento capaz de provar passo a passo se qualquer afirmação matemática é verdadeira ou falsa. Embora questões simples como se dois mais dois são iguais a quatro sejam fáceis de verificar, afirmações mais complexas são difíceis de serem abordadas. Até hoje, por exemplo, a chamada Hipótese de Riemann, proposta em 1859 por Bernhard Riemann e que prevê a ocorrência de números primos ao longo de séries de números naturais, ainda aguarda prova, apesar de a maior parte dos matemáticos considerá-la verdadeira.
— A máquina universal de Turing é uma abstração, a descrição de algo que seria capaz de computar qualquer coisa que fosse computável, mas lançou as ideias de leitura, escrita e memória que o tornaram uma figura chave no desenvolvimento da ciência da computação como uma disciplina que vai muito além da simples mecânica de construir máquinas — diz Holly Rushmeier, chefe do Departamento de Ciências da Computação da Universidade de Yale, nos EUA.
Gênio perseguido por ser gay
Decidido a atacar o problema levantado por Hilbert, Turing primeiro precisou definir o que seria este procedimento passo a passo e que tipo de equipamento poderia ser construído para realizá-lo. Ele imaginou então uma máquina capaz de ler símbolos em uma fita de papel e decidir o que fazer com eles com base em uma série de regras pré-estabelecidas. Ela poderia, por exemplo, pegar uma série de números e somá-los, apresentando um resultado final. Como sua ação é pré-programada, porém, esta máquina não poderia realizar subtrações, multiplicações ou divisões e, por isso, não poderia ser usada para resolver a questão proposta por Hilbert. Turing, no entanto, seguiu em frente e percebeu que seria possível fazer com que a máquina lesse a fita e, a partir dos dados contidos nela, estabelecesse o procedimento a adotar. Assim, o mesmo equipamento poderia ser informado que série de números deveria somar, subtrair, multiplicar ou dividir, tornando-se programável. Batizado máquina universal de Turing, ele é, essencialmente, um computador.
Mas poderia este “computador” responder à dúvida de Hilbert? Turing procurou e identificou uma questão lógica que poderia ser introduzida na máquina de forma que ela não pudesse afirmar se ela era verdadeira ou falsa. No caso, poderia o computador examinar um programa e saber previamente se ele pararia de “rodar” ou continuaria para sempre? A resposta, mostrou ele em artigo publicado em 1936, quando tinha apenas 24 anos, é que não, assim como para infinitas outras questões de lógica computacional. Muito além de uma boa notícia para os matemáticos humanos, que souberam então que jamais poderiam ser substituídos por uma máquina, o exercício mental de Turing estabeleceu as bases da ciência da computação, abrindo o caminho para a profusão de aparelhos que fazem parte de nosso dia a dia.
— O trabalho de Turing ajudou as pessoas a pensarem no que é computável ou não — explica Holly. — A ciência da computação não está limitada às capacidades dos equipamentos existentes. Turing avançou no nosso pensamento sobre o potencial dos computadores.
Apesar de ser bem conhecido nos campos que ajudou a fundar ou desenvolver, que além da ciência da computação incluem a matemática e a criptografia, Turing ainda é um personagem pouco conhecido do grande público, lacuna que Ottaviani espera preencher com sua nova obra. Para o autor, é preciso destacar que a riqueza da história da sua vida vai muito além do pioneirismo na computação, a luta contra os nazistas e a polêmica em torno do homossexualismo.
— Ele era um escritor sagaz, um corredor de longas distâncias de primeira classe — lembra. — Já quanto a ser gay, ele foi vítima de sua época tratar homossexualismo como crime. E o mundo inteiro pagou por isso, pois acho que estaríamos ainda melhores se Turing tivesse vivido para ter mais grandes ideias, dividi-las com outros e ver seus resultados frutificarem.
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