Coluna de Pedro Doria
Não há inocentes na guerra entre teles e o Vale do Silício. Mas, dela, sairá uma internet muito diferente da atual
Na última quinta-feira, acompanhado do repórter Danilo Fariello, passei aproximadamente uma hora com Franco Bernabè, presidente mundial da Telecom Italia. A entrevista saiu no GLOBO de domingo e pode ser encontrada no site. Conversar com executivos da área de telecomunicações faz parte do serviço habitual, mas Bernabè tem uma característica ímpar: onde os outros se esquivam, ele fala com clareza o que incomoda as teles. Há uma guerra entre o setor e as grandes do Vale do Silício. Nos EUA, a Google escapou de um processo antitruste. Na União Europeia, escapar será mais difícil. É uma das batalhas nesta guerra. E dificilmente ela terminará sem que a internet seja transformada. No que depender de Bernabè, um porta-voz informal das teles, seria uma rede bastante diferente.
De uma só tacada, ele desejaria mudar a arquitetura da rede, mexer em sua regulamentação e ainda reestruturar a governança da internet. As teles não são empresas simpáticas, aqui como em muitos cantos do mundo estão listadas entre as que mais geram queixas de consumidores, mas compreender o raciocínio de Bernabè ajuda a compreender a natureza desta guerra.
Nos próximos anos acontecerá um processo de convergência. Isto quer dizer o seguinte: hoje, na conta do celular, o preço da ligação local é diferente do que pagamos pelo interurbano, o SMS é outro custo, e nenhum dos dois tem a ver com o pacote de dados. Só que tudo vai virar internet. Ou seja, pagaremos pela conexão e fazemos o que quisermos com ela. Voz, SMS, web, redes sociais. Para deixar mais claro: as teles vão virar empresas que vendem serviços de internet. Como Google ou Facebook.
A diferença é que, embora o negócio seja o mesmo, as teles enfrentam pesada regulamentação. Na Europa, cada vez que sofrem um ataque de hacker, são obrigadas a informar ao governo. (Isso ocorre centenas de vezes por dia.) São terminantemente proibidas de usar as informações pessoais de seus clientes.
No Vale do Silício, por outro lado, liberdade total. Não precisam avisar nada para ninguém e informação dos clientes serve para fazer dinheiro. Bernabè quer tratamento igual, com mais ou menos regulamentação para todos.
Quer também controle sobre identidade. Seria preciso mexer na maneira como a internet funciona para que não houvesse mais anonimato. Aí vai depender da filosofia de cada um. O anonimato é aceitável? A Constituição brasileira dá liberdade de expressão mas veda o anonimato. A americana deixa livre. Há um argumento pragmático: governos quase sempre têm equipamento que lhes permite chegar a quem publicou algo on-line, quando querem. O anonimato, portanto, já não funciona para todos.
Por fim, o executivo acusa a rede de ser gerida de forma pouco transparente. De fato, a governança da internet é um bocado informal.
Não há garantia de que a internet continuará ‘livre’
Mas há esperteza, também, nos argumentos de Bernabè. Diz, por exemplo, que os fornecedores de conteúdo na internet deveriam pagar de forma diferenciada. Quem envia vídeo HD teria de pagar mais pelo uso da infraestrutura. O problema é que os clientes já pagam para receber o vídeo. Na história das comunicações, sempre se pagou em uma só ponta. Pagamos o envio da carta ou a ligação feita, quem recebe não gasta dinheiro. Nesse sentido, seria a invenção de uma rede em que as duas pontas pagam pelo envio e recebimento da mesma informação.
O fato é que, desde 1994, o Vale do Silício definiu sozinho como a internet funcionaria. Criou um espaço no qual tem ampla liberdade. Mas não quer dizer que sempre será assim. Em seu excelente livro “Impérios da Comunicação” (Editora Zahar), o professor de Columbia Tim Wu mostra que todos os negócios de comunicação desde o telégrafo começaram livres e sem regras. Aí, monopólios começaram a se estruturar e governos começaram a regulamentar. Neste caso, a regulamentação provavelmente começará pela Europa. Não é à toa que um executivo europeu está puxando a discussão.
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