Sites de humor com notícias falsas, como O Sensacionalista, O Bairrista, G17 e 2030, vivem ‘boom’ e, com a ajuda das redes sociais, repercutem como verdade
Mariana Filgueiras (O Globo)
RIO — No dia 29 de setembro de 2011, os portais de notícias destacavam os fatos da semana: “Polícia diz que homem contratado para matar forjou crime com ketchup”; “Vocalista do Greenday é expulso de voo por estar de calças arriadas”; e “Jaguabiraba, no Ceará, está às escuras porque prefeitura não pagou a conta de luz.”
Seria difícil competir com a realidade. Naquela manhã de quinta-feira, o jornalista Nelito Fernandes — um dos fundadores do site humorístico O Sensacionalista — precisava pensar em algo ainda mais surreal para atualizar o portal, abastecido semanalmente com notícias falsas. Respirou fundo, deu duas voltas em círculo na sala do apartamento, no Rio. A ideia não vinha. Até que a mulher, Martha Mendonça, também jornalista e redatora d’O Sensacionalista, lembrou-se de uma das piadas mais acessadas no site: o suposto nascimento de um bebê chamado Harrypotterson no interior do Brasil. Nelito deu um pulo: e se nascesse um Facebookson?
Rapidamente, ele burilou uma imagem de um casal com um bebê encontrada na internet, rascunhou uma reportagem fictícia e lançou a graça na rede: “Casal de São Paulo batiza o filho como Facebookson e causa polêmica no mundo.” Sucesso retumbante.
Em minutos, a besteira praticamente virou verdade, de tão replicada na internet. E apesar d’O Sensacionalista deixar claro que faz humor (o cabeçalho estampa o slogan “Um jornal isento de verdade”) muitas pessoas caíram na piada. Inclusive portais de notícias reais: o “Alagoas 24 horas” e o paraibano “O Impacto” divulgaram o histriônico como verdade.
— Nós fazemos piada, está bem claro no layout que O Sensacionalista é um site de humor. Nossa intenção nunca foi enganar ninguém — diz Nelito, que faz o site com Martha, o redator de humor Leonardo Lanna e o jornalista Marcelo Zorzanelli.
É um fenômeno curioso: os sites de notícias falsas se multiplicam na mesma proporção em que aumenta a credulidade do público — “dobradinha” impulsionada pela popularização das redes sociais e pelo afã de compartilhar de seus usuários. Só no ano passado surgiram o Kibeloco 2030 (só com notícias “do futuro”); o G17 (inspirado no portal de jornalismo G1); O Bairrista (ironizando o egocentrismo gaúcho); o Meiu Norte (paródia do jornal piauiense “Meio Norte”); o twitter @estadaos (alusão ao jornal “O Estado de S. Paulo”) — para citar os mais acessados. Isso porque já existiam o “Piauí Herald”, página de manchetes irônicas da revista “Piauí” criada em 2007; e o Diário de Barrelas, portal de notícias da cidade fictícia, desde 2009, além do próprio O Sensacionalista, também de 2009.
Apesar de a repercussão do caso Facebookson ter sido grande (faça uma enquete entre os seus amigos para saber quem não cairia na história...), os autores da piada não se assustaram com a confusão. O mesmo rebuliço já tinha acontecido com outras notícias do site.
Em julho do ano passado, o vídeo “Camelô vende kit para fabricar falsos mendigos no Centro do Rio” foi debatido, como se fosse real, em programas de rádio. Antes disso, em abril, a tirada “Angela Bismarchi anuncia que vai implantar o terceiro seio” virou ma reportagem na Rede TV!. Em 2010, suposta notícia “Mulher engravida assistindo a filme pornô 3D” foi publicada no português “Diário de Notícias” e até no conceituado site de tecnologia Gizmodo, que logo depois retirou o link do ar.
— As pessoas acham engraçado, compartilham, os amigos comentam o link, sem clicar na notícia original, achando que é verdade, e aí a coisa não para mais — observa Martha, que no dia anterior tinha postado o nascimento do irmão mais novo de Facebookson, o Istagramilson.
Há pouco mais de um mês, no dia 8 de março, outra notícia se espalhou pela internet como pulga no tapete: “CNN diz que Mark está triste com o comportamento dos brasileiros no Facebook.” O texto dizia que o bilionário Mark Zuckerberg não queria que nós, pobres tupiniquins, “orkutizássemos” seu reino azul-lavanda. Todo mundo caiu.
Bem longe de Palo Alto, lá no agreste do Rio Grande do Norte, numa cidadezinha de 35 mil habitantes chamada Nova Cruz, quem se divertia com a pegadinha era o administrador de empresas Rafael Gustavo Neves, 29 anos.
Criador do G17, ele tomou um susto ao ver a brincadeira chegando a um milhão de acessos (segundo o Google Analytics, foram exatamente 1.058.312 visualizações).
— O que me admira é tanta gente acreditar. O “Diário de Natal” publicou, os jornais da Paraíba também. Como é que alguém pode achar, por exemplo, que existe um elevador que conecte o Brasil ao Japão? — espanta-se Rafael, emendando outra de suas piadas que viraram verdade por aí.
Rafael criou o G17 em maio de 2011, para chamar a atenção para o jornal (real) que ele mesmo edita, sozinho, há oito anos — a “Gazeta do Agreste”.
Depois de trabalhar como administrador num jornal da Paraíba, o rapaz tomou gosto pelo jornalismo e decidiu fundar o primeiro diário da sua cidade natal. Desde 2004, o jornal eletrônico é atualizado semanalmente com notícias da região.
— Aí eu percebi que só as notícias curiosas tinham muitos acessos. Então pensei: se criasse um site de humor, só com notícias bizarras, poderia redirecionar os leitores para a “Gazeta” — ensina Rafael, que viu sua audiência se multiplicar com a ideia e já fechou parcerias com o UOL e a empresa GVT (embora os lucros não passem de R$1,2 mil, o que gasta pagando o próprio servidor).
Inspirado no sucesso do G17, o artista plástico piauiense Tiago Rubens Peres, 27 anos, criou, em maio do ano passado, o site Meiu Norte, uma sátira ao jornal impresso “Meio Norte”. Começou de brincadeira, para ironizar os políticos locais. Em dezembro, uma de suas manchetes foi replicada Brasil afora: “Justiça proíbe lojas de Teresina de tocar Simone no Natal.” A decisão estapafúrdia foi dada como certa em dois jornais de Mato Grosso e na versão eletrônica do “Jornal do Brasil”. Ao fim daquele mês, Tiago calculou a audiência pelo Google Analytics e quase caiu para trás: o Meiu Norte já recebia 60 mil acessos por mês, muito mais do que o original poderia sonhar.
— Na internet todo mundo é piadista. Do celular, de casa, o tempo todo o pessoal quer compartilhar piada — avalia Tiago, que foi autorizado pela direção do “Meio Norte” e conta com a ajuda da namorada nas atualizações diárias, que lhe rendem cerca de US$ 200 ao mês em publicidade.
Outro rapazola que teve ideia semelhante foi o designer carioca Vyktor Berriel, de 22 anos. Cansado de ler notícias sobre pesquisas científicas de relevância discutível (como “quem acorda cedo rende menos no trabalho”, cita ele), em novembro do ano passado criou uma conta no twitter para fazer uma paródia aos estudos, o @estadaos.
— Fiz para inventar estudos tão absurdos quanto aqueles, e a galera curtiu. Criei a conta, retuitei os primeiros posts com minha conta original e fui dormir. No outro dia, já tinha dois mil seguidores — conta Vyktor, hoje com 25 mil e autor de pérolas como “Fãs de Pink Floyd demoram mais tempo para tomar banho, aponta estudo”, “Pau que nasce torto nunca se endireita, aponta estudo”, ou “Se Neymar entregasse galão d’água ninguém o acharia bonito, aponta estudo”. — É muito engraçado ver a reação de quem acredita.
Como só tratam de notícias do futuro, os autores do 2030, a página de notícias falsas do site Kibeloco, ainda não experimentaram a sensação de virar verdade por aí. O triunfo da equipe é outro: além de atrair mais audiência para o portal, um dos humorísticos mais famosos do Brasil, já há empresas interessadas em anunciar no 2030, vinculando a marca ao “futuro”.
— Este boom de sites de notícias falsas surgiu na cola da profusão de notícias bizarras, reais, que ganham espaço em portais sérios — avalia a publicitária Raquel Novaes, 27 anos, que integra a equipe com o publicitário Dino Cantelli, 26 anos, o cineasta Gustavo Chagas, 28 anos, e o designer Eduardo Franco, 22 anos, além do fundador, Antônio Tabet.
Entre as pensatas futurísticas do grupo estão “CSI Salvador dá sinais de cansaço na segunda temporada” ou “Presidente Romário decreta feriado nacional no Dia do Futevôlei”.
Não é só a mídia tradicional que cai nas notícias falsas. No ano passado, pouco depois de ser fundado, O Bairrista, site humorístico que ironiza o egocentrismo gaúcho, divulgou que o ex-governador do estado Germano Rigotto tinha sido vítima de uma “overdose de Botox”. Em instantes, um site de uma clínica de cirurgia plástica dos Estados Unidos republicou a notícia como alerta aos internautas.
— Quando eles me procuraram para saber mais sobre a história, fui levando a piada adiante. Achei um absurdo os médicos acreditarem — opina o formando em Ciências Contábeis Júnior Maicá, 27 anos, que vive da publicidade arrecadada com o site, que tem em média cem mil acessos por mês e deve virar programa de TV, como O Sensacionalista, em breve.
Um dos pioneiros na empreitada de criar notícias falsas, o Piauí Herald, da revista “Piauí”, também foi acreditado por autoridades alheias ao “fazer jornalístico”.
Em 2010, o tenente-brigadeiro Carlos Alberto Pires Rolla, comandante da Escola Superior de Guerra, endereçou uma educada carta ao suposto editor da pilhéria, Olegário Ribamar (que, ao que consta, jamais existiu), solicitando uma errata à notícia publicada dias antes, que continha uma declaração sua: “Nação angustiada espera nova gafe de Jobim” (numa época em que não eram raras as gafes do ex-ministro da Justiça). Apesar das fotomontagens e todos os indícios de que se tratava de humor, a errata foi publicada.
— Há as pessoas que acreditam, e as que se importam. Essas me preocupam mais — diz o documentarista João Moreira Salles, fundador da “Piauí” e do Piauí Herald, lembrando que este tipo de humor traz uma reflexão útil sobre apropriação e pilhagem.
A ideia de fundar uma tribuna que fizesse ironia das notícias reais surgiu quando, num certo dia de 2007, João viu um anúncio publicitário (real) em que o ex-secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética Mikhail Gorbachev vendia bolsas Louis Vuitton. Duvidando que algo pudesse ser mais surpreendente do que a realidade, criou a página, hoje atualizada diariamente pelo jornalista Renato Terra.
Desde então, o jornal fictício não poupou nem Chico Buarque: a manchete “Bilhete de Chico Buarque à diarista é considerado magistral” recebeu 61 mil acessos.
Pesquisador de novas tecnologias e professor PhD da UFRJ, Henrique Antoun explica que, nas redes sociais, as pessoas se comportam exatamente como numa conversa de esquina:
— A internet não funciona com a dimensão da TV ou do jornal. Ela reforça a relação de grupos nos quais as pessoas já estão inseridas, por isso compartilham piadas e brincadeiras sem se preocupar, principalmente a garotada.
Presidente do Índice Verificador de Circulação (IVC), Pedro Martins Silva acredita na inclusão digital como catalisadora deste fenômeno. De acordo com pesquisa divulgada este mês pelo instituto, “Estudo sobre audiência de websites”, que mediu os acessos a portais de conteúdo (reais) em 2011, houve um aumento de 29% da audiência ao longo do ano.
— As pessoas têm buscado cada vez mais informação confiável na internet. Este aumento se deve à inclusão digital, principalmente com os smartphones, e à expansão da banda larga — avalia Pedro, que duvida do futuro desta onda de notícias falsas. — Há cinco anos, a moda eram os blogs. Eu prefiro ver para crer.
Analista de sistemas e pesquisador de internet, Gilmar Lopes, criador do site e-farsas, especializado em desvendar golpes e mentiras da rede desde 2002, dá algumas dicas para as pessoas não caírem em ciladas virtuais:
— Geralmente uma notícia falsa cita nomes de empresas ou autoridades para dar veracidade; não é datada, sempre aconteceu na semana passada; e não tem assinatura. Além disso, os cargos citados são imponentes e se apela para os grandes assuntos: saúde, religião ou política.
Especializado em propriedade intelectual, o advogado José Eduardo Pieri, da BM&A Advogados alerta: diferentemente da legislação americana, que permite sátira a marcas existentes (o que inclui nome e logotipo), a Lei de Propriedade Industrial brasileira não faz a mesma concessão.
— Se a sátira se apropria da logomarca original, ou mesmo da combinação de cores, pode ser caracterizada a infração — explica Pieri. — Se o site induz o consumidor ao erro, se aproveitando da credibilidade do veículo satirizado, é um caso de concorrência desleal. Pode ser considerado crime, passível de indenização.
Para não correr risco, o autor do Diário de Barrelas, criado em 2009, inventou tudo: da logomarca à cidade onde se passam as notícias. O tom, em geral, é mais ingênuo. Em Barrelas, Aécio Neves já virou perfume, e a Igreja Católica recebe confissões por telefone.
— Mesmo não sendo mais atualizado com tanta frequência, seguimos com uma média de 30 mil acessos por mês, o que é bastante. A sacada é não pegar pesado com ninguém e não datar as piadas — comenta o publicitário Daniel Cabral, com uma arminha de brinquedo que leva na mochila, para o caso de uma guerra civil em Barrelas.
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