terça-feira, 6 de novembro de 2012

Jornais não vão acabar



Coluna de Pedro Doria

Com o fim do ‘JT’, voltou à tona uma questão antiga. Em 2008, a crise da imprensa era séria. O pior já passou
Um dos velhos bordões do colunista Tutty Vasques trata da notícia enguiçada. Vira e mexe ela volta às páginas, nem reformatada é. Na semana passada, quando o paulistano “Jornal da Tarde” publicou sua última edição, uma destas notícias reemergiu. Os jornais vão acabar e está lá o corpo no chão que o prova. O surpreendente no retorno desta conversa é que se trata de uma discussão velha que nem no epicentro da crise dos jornais, os EUA, continua a ser encarada desta forma.
Ninguém sabe se jornais acabarão ou não. Mas, embutida nesta conversa, há inúmeras discussões, umas particularmente importantes para todos nós. Nos EUA, em 2007, fechou um jornal. Em 2008, 41. Em 2009, 112. E, não à toa, manchetes borbulharam em todo o mundo: os jornais acabarão. Até a sisuda revista britânica “The Economist” levou a previsão à capa. Mas, aí, fecharam 29 em 2010. E 21 no ano passado. O número continua diminuindo. Seu ápice não tem a ver com mudança tecnológica. Tem a ver com uma profunda crise econômica que os EUA enfrentaram. Não só jornais fecharam.
Não quer dizer que não exista uma mudança tecnológica. Há. Ela afeta todos os negócios que lidam com informação. Imprensa logo vem à mente: afinal, por aqui produzimos informação todos os dias. Mas indústrias que lidam com informação são todas. Encaremos uma loja de departamentos. Informação pura: controle de inventário, distribuição, preço pago, valor de câmbio para produtos importados. Uma loja destas faz dinheiro quando consegue equilibrar tempo, câmbio e espaço. Se conseguir circular rápido o produto que vende, dinheiro no cofre. E gerir tanto número ao mesmo tempo, de trivial, não tem nada. Ponha uma internet no meio e a questão do espaço repentinamente muda. Não é preciso ter uma loja no bairro nobre, basta um galpão no interior desde que a estrada ao lado seja boa. Amazon, pois é.
No auge do papo sobre o fim dos jornais, a conversa era muito diferente da atual. Jornalismo digital era sinônimo de web. Fora dos jornais econômicos, não havia qualquer história de sucesso na cobrança por conteúdo online. E muitos estavam convencidos de que haveria substituto para o jornalismo produzido pelos diários.
De lá para cá mudou muito. A economia melhorou. Não consertou, mas melhorou. Vai melhorar mais, cedo ou tarde. Até lá, outras empresas frágeis por questões de gestão vão quebrar. Em todos os setores. As leis da economia são implacáveis e isso nada tem a ver com tecnologia.
A tecnologia também mudou, e muito, com a introdução dos tablets. O leitor fica, em cada visita, uma hora e meia em média no aplicativo para iPad aqui do GLOBO. Nos melhores sites de notícias, a visita média não passa dos 10 minutos. Nos tablets, a lógica é diferente da web. Há espaço para informação bem editada, organizada, diagramada, pensada. Reúne as vantagens multimídia do digital com o processo de edição do papel. E, em todo o mundo, o produto final tem se mostrado algo pelo qual o leitor se apresenta disposto a pagar. Percebe o valor.
A percepção de valor também, lentamente, aparece na web. O exemplo capital é o do “New York Times”. Os problemas da empresa não estão resolvidos, a crise movida pela queda de renda publicitária ainda é relevante nos EUA, mas o “Times” tem meio milhão de assinantes digitais lá. Há alguns anos, ninguém tinha ideia de que algo assim seria possível.
O problema mais sério é que não houve substituto. Nos EUA, na Europa ou aqui, basta circular os olhos pela web. Opinião tem aos montes. Gente convicta de um lado e do outro. Mas informação, que realmente dá trabalho, continua vindo de poucas fontes. Quem acompanha Executivo, Legislativo e Judiciário, levanta escândalos, explica dilemas, antecipa projetos, são redações. O melhor jornalista não é capaz de fazer o que, coletivamente, faz uma redação experiente. O blogueiro solitário não resolve. Sem a produção das redações, não temos o necessário para votar.
Em 2008, o cenário parecia sombrio. Em 2012, não mais. Jornais continuarão a existir, seu público total só aumenta. Talvez, apenas talvez, o papel deixe de circular. Mas isso é mero detalhe.

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