Coluna de Joaquim Ferreira dos Santos
Sorria, você está na nova Barra da Tijuca espiritual, o novo nirvana de onde quero mandar fotos chutando chapinha em Paris
Ah, quem me dera tamanha glória e júbilo, a felicidade dos que navegam sorridentes no Instagram, no Facebook e no que mais for inventado no decorrer desta semana. Como é bem-sucedida essa gente que carrega um celular em cada bolso, os novos tambores para comunicar aos seus 2,5 mil amigos que vai tudo bem. A comida à mesa é farta, o cenário das férias é paradisíaco, e quando se chega em casa lá está o gatinho balançando o rabo, o cachorro se fingindo de mal-humorado. Todos anunciando em miados, latidos e centenas de fotos que aqui mora uma família bem construída — e, antes que pensem o contrário, antes que o maridão seja pego logo mais no bafômetro, isso precisa ser divulgado nas redes sociais.
Eu já quis viver de brisa numa praia do Nordeste, ser barbaramente carnavalizado pelos amores perfumados das três mulheres do sabonete Araxá. Sonhei em ter a grana do Eike e torrá-la sem dó. Desisti. Tudo isso dá muito trabalho. O Nordeste é longe, o desequilíbrio ambiental tornou a brisa rarefeita. Três mulheres seriam demais para minhas precariedades ambulatoriais. A grana do Eike, segundo os últimos pregões da Bolsa, é cada vez menor, e isso — chora, doutor, chora — dá um medo de ficar pobre que apavora.
De nada mais disso quero e daqui distribuo aos carentes, como se fossem saquinhos de Cosme e Damião, o pífio prazer desses valores antigos. As camisas bem cortadas do Xico Sá, o backhand do Djokovic, o ponto e vírgula do Rubem Braga. Não, obrigado.
Eu quero o êxtase moderno de me deixar ser visto, em tempo real, diante do pôr do sol de Kokomo, tendo na frente dele apenas as curvas estonteantes desse meu novo amor e sua expressão de gata visivelmente saciada.
Eu quero que não reste a menor dúvida em cada foto. Deus me tem sido justo, e o filtro, que baixei ontem de um site francês, deixa meus filhos ainda mais bonitos do que os seus.
Ah, como essa gente é bem resolvida com suas euforias triviais. São os novos malabaristas do bem-estar em seu número de felicidade diante de quem quiser assistir o que lhe vai na sala de recepção. Quem sou eu, primo, para usufruir a delícia de tamanho tédio de contentamento existencial e em seguida, sem impedimentos geográficos, em Londres ou no Leblon, ter a jabuticabeira que acabei de regar na varanda da cobertura compartilhada por quem alhures me espiona e quer mal.
Quem me dera estar sempre viajando por uma praia escondida no mapa. Longe de tudo, mas não o suficiente para que o sinal de internet ribombe pleno por lá e armazene, depois envie para serem compartilhados com muitos :), os megabytes da foto onde eu, você, nós dois, demonstramos já ter um futuro escrito em nossas pernas entrelaçadas.
Ah, como são superiores esses seres desprovidos da caretice antiga. Ninguém teme mais o mico, o senso de ridículo ou qualquer idiossincrasia repressiva. Divulgam na maior o paraíso em que supõem viver, todos despudoradamente empenhados em compartilhar a Felicidade Facebook, aquela que reescreve com Photoshop a brutalidade cotidiana. Não é mais o drama da vida como ela é, mas a vida passada a limpo. Ninguém sorri amarelo. É a terra prometida, a tela digital onde ninguém sofre ou se diz pobre pierrô abandonado. Vale o que está fotografado, e alguém acabou de postar as lindas pernas da esposa na piscina.
Quão feliz eu seria em fazer parte dessa multidão que tecla sem pudor as legendas da intimidade amorosa, do bolo de fubá no café da manhã, e manda às favas os que receitam etiquetas antigas de discrição na exibição do doméstico e da saúde. Quão desapegado eu ainda preciso ser do pundonor macambúzio que me vem do tempo dos vice-reis e a cada minuto sussurra “menos, bicho” ou “não seja ridículo, cara”. São expressões de outrora que só me atravancam a inexorável vontade moderna de mostrar na internet a seleção dos meus melhores momentos.
Sorria, você está no Facebook, e esta é a nova Barra da Tijuca espiritual, o novo nirvana de onde quero mandar minhas fotos chutando chapinha em Paris, nem aí para o IPTU, o IPVA e todas as siglas do mundo não-Instagram. Se não existe amor em SP, como quer o Criolo, não existe drama no FB. Nunca fomos tão felizes, e é preciso que essa ilusão se espalhe e me convença.
Ah, quem me dera abrir o dia postando o pôr do sol que o Criador colocou em frente à minha janela e gritar, novamente com um sorrisinho, :), um fofo “acorda Maria Bonita” para todas as minhas amigas do Feici.
Os homens sérios acham tudo isso de uma profunda deselegância e falta de decoro social, mas eles não sabem como se canta hoje o que é felicidade, meu amor. Quem me dera tamanha bossa nova. A barriga grávida da mulher amada, redondinha, espionada por pessoas das quais eu não tenho a mínima noção, mas torço para que curtam, comentem, compartilhem e depois cantem comigo a velha canção do Roberto, aquela do “eu existo, eu existo”.
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