quarta-feira, 25 de julho de 2012

No O Globo, um debate sobre o futuro do jornal


Diretores de redação de quatro diários dizem que futuro do impresso é apostar em análise e aprofundamento das notícias

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RIO - Num mundo cada vez mais rápido e em que as informações se disseminam por múltiplos meios — graças à internet, aos tablets, ao celular e às mídias sociais —, o jornal de papel tem futuro. O desafio do jornalismo impresso é se adaptar aos novos tempos e descobrir como fazer a notícia chegar ao leitor não como uma coisa velha, mas como algo novo, instigante, com conteúdo, projeções e análises. Para discutir o papel do jornal e debater a realidade criada pelo avanço tecnológico e pelas multiplataformas, os diretores de Redação dos quatro principais jornais do país se reuniram no GLOBO nesta terça-feira. O encontro histórico — pela primeira vez ocorreu na sede de um dos jornais — aconteceu às vésperas do lançamento do novo projeto gráfico do jornal, cuja primeira edição sairá domingo. A data marca o aniversário de 87 anos do GLOBO.
O debate sobre o tema “O papel do jornal” teve a participação do diretor de Conteúdo de “O Estado de S.Paulo”, Ricardo Gandour, do editor executivo da “Folha de S.Paulo”, Sérgio Dávila, da diretora de Redação do “Valor Econômico”, Vera Brandimarte, e do diretor de Redação do GLOBO, Ascânio Seleme. A conversa foi mediada pelo editor executivo da Primeira Página do GLOBO, Luiz Antônio Novaes (Mineiro).
Vera Brandimarte, do “Valor”, começou lembrando uma previsão que ouviu do próprio Bill Gates, mago fundador da Microsoft, na reunião anual da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) em 2007:
— Ele não dava cinco anos de sobrevida para os jornais. Só que esses cinco anos já se passaram e estamos todos aqui. Não são só os economistas que fazem previsões erradas — brincou Vera. — Mas muito do que Bill Gates falou está de fato acontecendo. O lançamento de equipamentos, como o iPad, trouxe um jeito novo de as pessoas se informarem de maneira amigável. Isso, sem dúvida, alterou profundamente o nosso trabalho. Com a explosão da internet, chegou-se a pensar que todo cidadão seria um produtor de notícia e que o trabalho dos jornalistas se tornaria dispensável. Mas a profusão de informação na internet tornou mais relevantes os jornais, com sua tarefa de buscar a veracidade, filtrar o que é relevante, analisar os fatos. Tanto que os sites que as pessoas mais buscam para se informar são os das grandes empresas de comunicação.
Sérgio Dávila, da “Folha”, começou contando uma história de um professor indiano, afeito a apresentações performáticas, durante uma aula na Universidade de Columbia, em Nova York, no ano 2000. Ao falar sobre novas tecnologias, o professor se arriscou a prever como as pessoas receberiam as notícias em alguns anos, no lugar do jornal de papel.
— Depois de falar, ele tirou um CD-Rom do bolso e disse que era a mídia do futuro. Hoje, essa mídia não existe mais, e estamos falando de jornal impresso — afirmou Dávila.
Em contraponto, ele disse que a experiência tem mostrado que inovações tecnológicas têm contribuído para a melhoria da qualidade do jornalismo impresso:
— O rádio fez os jornais tirarem edições vespertinas, a televisão fez os jornais colocarem mais fotos na primeira página. Cada inovação teve uma resposta à altura. A popularização da internet obriga os jornais a uma atualização constante. Mas ainda não inventaram um meio que ofereça o prazer tátil que o jornal proporciona e a portabilidade, que os tablets têm, embora os jornais ainda saiam ganhando.
Dávila também apresentou números do IVC (Instituto Verificador de Circulação), mostrando que o jornal impresso ainda é um negócio de sucesso. De acordo com ele, houve um crescimento de 5% na circulação de jornais este ano em relação a 2011. Pelo IVC, hoje são impressos por dia 4,5 milhões de jornais no Brasil. Como metade dos jornais é auditada, são 9 milhões de exemplares impressos por dia, que atingem cerca de 27 milhões de brasileiros.
— Estamos colocando na casa das pessoas um campeão de audiência — afirmou.
O diretor de Redação do GLOBO, Ascânio Seleme, disse que também é um otimista em relação ao futuro do jornal impresso. Ele, no entanto, afirmou que é preciso apostar cada vez mais em qualidade e em reportagens com conteúdo e análises.
— O leitor espera mais desdobramento, análise, mais debate e mais profundidade. Há quem só acredite na notícia quando ela está no papel. As pessoas dependem da gente para análises. A notícia de hoje no jornal de amanhã tem que tratar do depois de amanhã e explicar o porquê. O jornal é mais perene. Ele transfere para as outras plataformas, sobretudo as que nasceram dentro do jornal impresso, mais responsabilidade e reverência com a notícia. Isso é bom para as empresas, para o jornalista e para o leitor. O vital é uma apuração rigorosa e meticulosa, seja qual for a plataforma. O nosso trabalho começa na apuração, mas não se encerra nela. Há a edição que não pode ter exageros, artificialismos e sensacionalismos — observou. — Por mais urgente que seja a notícia, ela tem que ser dada com correção. Não se pode errar apenas porque a plataforma é rápida.
Ascânio enumerou ainda outros aspectos fundamentais, além do apuro técnico, como ética e humildade:
— A humildade é outra questão fundamental. As críticas nos ensinam muito. É preciso corrigir erros sem sentir vergonha por isso. A correção nos dá mais credibilidade. E, acima de tudo, os nossos jornalistas devem estar comprometidos com a ética, pois, sem ela, não se faz um jornal de boa qualidade.
Sobre a importância do redesenho do GLOBO, Ascânio destacou que o novo projeto gráfico é uma forma de tornar a leitura mais agradável e mais prazerosa para o leitor . Não há, de acordo com o diretor de Redação, relação direta com as vendas, que dependem mais do conteúdo oferecido.
— O redesenho do jornal é uma aposta nesta plataforma, em sua personalidade e caráter.
Para Ricardo Gandour, do “Estadão”, há uma relação de semelhança entre jornais e as redes sociais.
— De uma certa forma, a carteira de assinantes é algo parecido com os seguidores e curtidores das redes sociais. Nós sempre estivemos no negócio de curtidores, mobilizadores e seguidores. Nós, jornalistas, sempre fomos os intermediários entre a informação e o leitor. Nos últimos dez, 15 anos, esta hiperconexão permite às pessoas terem acesso direto à informação, sem intermediação. Qual é o antídoto? É agregar valor à informação. A hiperconectividade leva à abundância, que é a antessala da saturação e da dispersão total. A abundância pode levar à alienação, em que a pessoa não sabe como se posicionar.
Nesse mundo abundante e saturado, acrescenta Gandour, o papel dos jornais é de ser guias, ou seja, de selecionar, contextualizar e servir ao ser humano:
— O GLOBO redesenhado vai prestar um serviço público, é um esforço para melhorar o servir. Vamos conviver por muito tempo com o jornal impresso até onde a vista alcance. A tecnologia não pode nos fazer esquecer que, do lado de lá, tem um ser humano. O meio é digital, mas a vida é analógica. O meio digital tem que estar a serviço da vida. 

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