sábado, 7 de julho de 2012

Entrevista com Annalena McAfee - Livro "Exclusiva"


Mídia e poder de mãos dadas

 
Autora de ‘Exclusiva’, a jornalista britânica Annalena McAfee fala de seu primeiro romance e discute a ética na imprensa

O que acontece quando uma Bridget Jones do jornalismo é escalada para entrevistar uma mítica correspondente de guerra, bela e corajosa, mas despreparada para enfrentar a mais dura das batalhas, a de envelhecer? Este é o fio condutor de “Exclusiva” (Companhia das Letras, tradução de Luiz Antônio de Araújo e Angela Pessoa), primeiro romance de Annalena McAfee depois de três décadas trabalhando nas grandes redações de Londres — ela foi editora do “Financial Times” e do “London Evening Standard” e dirigiu o suplemento literário do “Guardian”.
O roteiro, um delicioso entrelaçamento da comédia com o drama, abre espaço para ela usar sua longa experiência nos jornais da Fleet Street e traçar um panorama do jornalismo na Inglaterra em meados da década de 1990, quando a internet começava a mudar profundamente as redações. Casada com um dos maiores escritores contemporâneos, Ian McEwan, Annalena volta com ele este ano à Flip, desta vez para participar também como autora. Por ironia da sorte, o livro dela foi lançado na Inglaterra exatamente no momento em que os principais líderes políticos e muitos mitos da imprensa comparecem perante a Justiça para dar explicações sobre o abandono dos princípios éticos do jornalismo e o estreitamento de relações promíscuas entre os poderosos da política e da mídia. A exposição dos bastidores do império de Rupert Murdoch e do governo David Cameron começou depois da descoberta de que jornalistas invadiram celulares de centenas de pessoas — celebridades ou não — em busca de furos de reportagem. “É uma vergonha coletiva para todos nós jornalistas”, diz Annalena.

“Exclusiva” é lançado no mesmo momento em que a ética do jornalismo inglês está sendo discutida nos tribunais. Qual sua visão disso? 

ANNALENA MCAFEE:
 Este inquérito é o único reality show que me interessa na televisão. Fico fascinada. A tecnologia, com a universalização dos celulares, combinada com a desesperada competição entre os jornais, levou a estas práticas condenáveis. Acho que é uma vergonha coletiva para todos nós jornalistas. Fico muito chocada de ver como pessoas normais estão vivendo momentos difíceis e ficaram feridas por causa desse tipo de prática. Ao mesmo tempo, tenho certeza de que em jornais como “The Guardian” ou “Financial Times” este comportamento ilegal não acontece. 

Você acha que as relações próximas e, às vezes promíscuas, entre a mídia e o poder são restritas ao império Murdoch? Parece algo bem mais espalhado... 
Acho que ainda saberemos melhor isso. Mas a história dos jornais ingleses já registrava como o poder tinha um magnetismo para a imprensa. Durante a Segunda Guerra, jornais apoiaram Hitler e pressionaram o governo para tomar posições vergonhosas. Portanto, o que vemos hoje não é uma surpresa. 

Acha que, depois de tudo que vem sendo mostrado, a conclusão é que a mídia inglesa precisa de nova regulamentação? 

Regulamentação da imprensa é tão difícil... O juiz Levinson (que preside o inquérito) vem se mostrando um homem sábio e não defendeu ainda a necessidade de nova regulamentação. Mas a autorregulamentação realmente não funcionou, mostrou-se não confiável. 

Mas qualquer coisa que não seja autorregulamentação traz sempre o perigo de funcionar como censura. 
É verdade. Mas o inquérito trouxe à tona muitos excessos e comportamentos ilegais praticados pela mídia, de maneira pública ou não. Nós temos leis para proteger informações e indivíduos, e as pessoas têm o direito de recorrer a elas para se defender. Mas acho que precisamos de alguma forma de autorregulamentação que leve a uma integridade maior. Eu ficaria muito ansiosa com alguma regulamentação que solapasse a imprensa. 

Acha que Rebekah Brooks, a diretora do tabloide de Murdoch, poderia inspirar um bom livro? 
Tenho pensado muito nela. É um personagem intrigante, claro que dá livro. É interessante ver a linguagem que a imprensa usa para descrevê-la. Nem sempre gentil, nem muito apropriada. 

Alguma jornalista na vida real inspirou a heroína do seu livro, a bela e destemida mulher que cobriu guerras e despertou paixões? 
Li muito sobre algumas famosas correspondentes internacionais pioneiras nesta profissão. Meu personagem não é baseado em nenhuma, mas tem algo a ver. Uma delas especialmente era fantástica, uma americana de origem irlandesa, Marguerite Higgins. Era bonita como uma estrela de cinema e a mais destemida jornalista que se possa imaginar: cobriu as guerras da Coreia e do Vietnã e esteve no campo de concentração de Buchenwald. Inspirou dois romances escritos por colegas do “Herald Tribune”, sobre belas correspondentes de guerra que não tinham medo de usar sua beleza no trabalho. Era carismática. 

Ambição, sexo e festa marcam o clima na redação descrita no seu livro. Que jornal serviu de modelo para você? 

Estava descrevendo o clima da redação dos tabloides, descrevendo um tempo em que não existia tanta pressão, os jornais eram um bom negócio do ponto de vista financeiro e não existia esta angústia que a internet criou. Era um tempo de uma agradável cumplicidade. Eram redações que tinham sempre estes personagens, a jornalista jovem e bonita, o repórter talentoso e mafioso. Esses dias ficaram no passado, agora todo mundo trabalha muito mais, não pode pensar só no jornal do dia seguinte, tem um fechamento a cada momento do dia, numa cobertura 24 horas on-line. 

No livro, a jornalista séria parece odiar a internet. Você também ainda acha o jornalismo online menos sério e/ou confiável? 

Eu não sou tecnofóbica. Não acho que o jornal de dez anos atrás era um paraíso que foi perdido. Leio notícias na internet e percorro os jornais online, como o “Huffington Post”. Leio jornais muitas vezes no Kindle. O jornal impresso que a gente abre para ler de manhã é uma ameaça, um pouco como uma grande caixa de chocolates: existe um prazer tátil de abrir as páginas, perder-se nelas, passando de uma história a outra. Ler jornal online ou no Kindle é algo muito mais focado. 

Em todas as mudanças pelas quais o jornalismo passa, o que se perdeu e o que melhorou? 

Acho ruim o processo de popularização dos jornais. Mesmo os jornais sérios, por causa da queda nas vendas, passaram a tratar das celebridades, das trivialidades da vida. Eu tinha o direito de não ver isso nos meus jornais sérios. 

Os críticos trataram seu livro como cômico. Concorda? 
Espero que o livro seja cômico no sentido de que a vida pode ser cômica. Mas acho que levanto alguns pontos sérios também. Acho que a mulher idosa não é hilária. Eu gosto do humor, mas tinha algumas intenções sérias. 

Ter um dos maiores escritores do mundo como marido ajuda na hora de escrever o primeiro livro? 
Ele me encorajou muito. Nós vamos todo ano para um lugar muito remoto: sem televisão, sem internet, sem nada. De noite, nós sempre lemos um para o outro. Ele lê o que está escrevendo e eu leio algum conto achado na boa biblioteca que temos. Aí, escrevi um texto, li para ele, e recebi um grande encorajamento para continuar. Eu “caneteio” os textos dele, ele se ofereceu para fazer o mesmo nos meus.

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