Diante de um novo fato, jornais precisam decidir entre publicar no site de imediato ou no impresso somente no dia seguinte
RIO - Com a chegada dos sites de notícias, sejam eles produzidos ou não pelas equipes dos grandes jornais impressos, o “furo” — a informação exclusiva a que um jornal tem acesso antes dos concorrentes e dá em primeira mão — enfrenta um dilema. De posse do fato, o que fazer? Ceder à urgência e publicá-lo o mais rapidamente possível na versão on-line do jornal, atendendo à avidez cada vez maior do novo público que se forma com o avanço das plataformas digitais? Ou trabalhar a informação e surpreender os leitores e concorrentes no dia seguinte? Eis a questão.
— Se o “furo” não é perecível, vai ser guardado para o papel, se temos a segurança de que a informação é só nossa e que ninguém a terá antes do dia seguinte. O papel tem a primazia na “Folha de S.Paulo”. E quem vai nos dizer isso é o repórter — disse o editor executivo da “Folha”, Sérgio Dávila, mas com ressalvas. — Há furos e furos. Tem o tradicional. Mas também tem aquela informação mais de rotina, que é uma commodity, que a gente pode trabalhar para o dia seguinte, com um recorte especial.
Reportagens com mais investimento e produção
Já o diretor de Redação do GLOBO, Ascânio Seleme, observou que a questão já teve um peso maior na rotina do jornal, quando, num certo momento, chegaram a ser estabelecidas cotas diárias de flashes (notícias que deveriam ser colocadas na versão on-line do jornal) para tentar criar uma cultura de inserção da internet na produção jornalística diária.
— Hoje não. Gostamos muito de dar “furo” na internet. Mas também separamos matérias boas, exclusivas, para o dia seguinte e para o domingo. O domingo é muito importante e há muita compra em banca. Chegamos a vender cem mil exemplares — afirmou, lembrando que a versão para o iPad exige ainda um esforço extra para garantir que o material publicado às18h seja exclusivo e de grande qualidade.
Internet dá aos jornalistas lição de humildade
Ao responder à pergunta de um convidado da plateia, se todos os novos desafios surgidos com a internet não implicariam também um esforço maior dos profissionais, Ascânio afirmou, com bom humor:
— Isso já faz parte do nosso DNA. Já nascemos para trabalhar em multiplataformas.
O diretor de Conteúdo do “Estado de S.Paulo”, Ricardo Gandour, afirmou que o jornal tem avançado em outra direção, dando preferência a publicar as chamadas “breaking news” na internet. Ele disse ainda que a experiência tem sido bem-sucedida, vencendo um certo receio que havia dentro da redação do jornal. No dia seguinte, há a apresentação da notícia com uma outra cara, com prospecção etc.
No “Valor”, especializado na cobertura econômica, em que as notícias podem ter um impacto direto na vida não só pessoal, mas também financeira dos leitores, a diretora de Redação do jornal, Vera Brandimarte, avalia que a questão do “furo” tem que considerar também alguns aspectos importantes.
— Na verdade, guardar para o dia seguinte uma informação que pode mudar a vida da pessoa é muito complicado. Ela paga o jornal para estar bem informada e isso é sempre considerado.
Gandour observou que a palavra “guardar” a notícia não é a melhor para explicar as decisões que são tomadas a cada momento quando as redações se deparam com o problema. Ele disse que algumas reportagens exigem mais investimento e produção e são feitas para serem publicadas no dia seguinte ou numa edição especial:
— Não se trata de guardar, mas de produzir um material que será publicado na hora certa, quando está pronto para isso.
Uma lição que a internet nos dá a cada dia, lembrou Gandour, é a da humildade. É o fato de que o leitor, muitas vezes, sabe muito mais sobre alguns assuntos do que o próprio jornalista. E, com a interatividade, esse fato fica evidente com frequência. Por outro lado, a chegada mais rápida da informação através dos meios digitais também deixou clara a importância da notícia fixada.
— Há um valor na informação editada e fixada e as pessoas estão voltando a perceber isso. É preciso refletir. Na internet é fácil ter o próximo update. Mas é preciso um tempo para se pensar, para se refletir sobre o fato — argumenta.
Segundo Vera Brandimarte, há uma grande contribuição que os jornais podem dar para os sites.
— Com a integração das redações, os jornais estão caminhando para ter uma identidade maior com o site. O princípio de hierarquizar a notícia e priorizar o que é mais relevante deveria ser levado para o site. Ele precisa recuperar essa identidade com a edição impressa — avalia Vera.
Dávila disse que se convive diariamente com um paradoxo nas redações:
— São plataformas diferentes, com leitores próprios. Ao mesmo tempo, temos que reforçar a marca. O desafio é manter a unidade da marca, respeitando as características das plataformas.
“Integração das redações é o melhor dos mundos”
Independentemente do “furo”, plataformas digitais e jornal impresso têm muito a aprender um com o outro. Ascânio Seleme chamou a atenção para uma questão que nunca deve sair de pauta quando se trata de se fazer um jornalismo de qualidade. A pressa que a internet impõe não pode se sobrepor ao compromisso da correção da notícia, que deve estar sempre em primeiro lugar.
— A notícia tem que ser rápida, mas dada com correção. Não se pode errar porque o tempo urge. Não podemos atentar contra a reputação alheia por causa disso. Os jornalistas preferem levar um “furo” do que dar uma “barriga” (jargão jornalístico para a publicação de notícias equivocadas). Levar um “furo” compromete a reputação do jornal, dar “barriga” compromete a reputação alheia — alertou o diretor de Redação do GLOBO. — A integração do GLOBO com sua versão on-line soprou um ar novo na redação. Um aprende com o outro. O melhor dos mundos é a integração das redações.
Como se viu, os desafios são muitos e o futuro já chegou.
http://oglobo.globo.com/rio/o-dilema-em-torno-do-furo-na-era-da-internet-5579305#ixzz21dtQyjCE
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