sexta-feira, 31 de agosto de 2012

“Deus não morreu. Ele tornou-se Dinheiro” | Entrevista com Giorgio Agamben



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Confira abaixo matéria publicada no site do Instituto Humanitas Unisinos.
“O capitalismo é uma religião, e a mais feroz, implacável e irracional religião que jamais existiu, porque não conhece nem redenção nem trégua. Ela celebra um culto ininterrupto cuja liturgia é o trabalho e cujo objeto é o dinheiro”, afirma Giorgio Agamben, em entrevista concedida a Peppe Salvà e publicada por Ragusa News, 16-08-2012.
Giorgio Agamben é um dos maiores filósofos vivos. Amigo de Pasolini e de Heidegger, foi definido pelo Times e pelo Le Monde como uma das dez mais importantes cabeças pensantes do mundo. Pelo segundo ano consecutivo ele transcorreu um longo período de férias em Scicli, na Sicília, Itália, onde concedeu a entrevista.
Segundo ele, “a nova ordem do poder mundial funda-se sobre um modelo de governabilidade que se define como democrática, mas que nada tem a ver com o que este termo significava em Atenas”. Assim, “a tarefa que nos espera consiste em pensar integralmente, de cabo a cabo,  aquilo que até agora havíamos definido com a expressão, de resto pouco clara em si mesma, “vida política”, afima Agamben.
A tradução é de Selvino  J. Assmann, professor de Filosofia do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC [e tradutor de três das quatro obras de Agamben publicadas pela Boitempo].
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O governo Monti invoca a crise e o estado de necessidade, e parece ser a única saída tanto da catástrofe  financeira quanto das formas indecentes que o poder havia assumido na Itália. A convocação de Monti era a única saída, ou poderia, pelo contrário, servir de pretexto para impor uma séria limitação às liberdades democráticas?
“Crise” e “economia” atualmente não são usadas como conceitos, mas como palavras de ordem, que servem para impor e para fazer com que se aceitem medidas e restrições que as pessoas não têm motivo algum para aceitar. “Crise” hoje em dia significa simplesmente “você deve obedecer!”. Creio que seja evidente para todos que a chamada “crise” já dura decênios e nada mais é senão o modo normal como funciona o capitalismo em nosso tempo. E se trata de um funcionamento que nada tem de racional.
Para entendermos o que está acontecendo, é preciso tomar ao pé da letra a ideia de Walter Benjamin, segundo o qual o capitalismo é, realmente, uma religião, e a mais feroz, implacável e irracional religião que jamais existiu, porque não conhece nem redenção nem trégua. Ela celebra um culto ininterrupto cuja liturgia é o trabalho e cujo objeto é o dinheiro.  Deus não morreu, ele se tornou Dinheiro.  O Banco – com os seus cinzentos funcionários e especialistas – assumiu  o lugar da Igreja e dos seus padres e, governando o crédito (até mesmo o crédito dos Estados, que docilmente abdicaram de sua soberania), manipula e gere a fé – a escassa, incerta confiança – que o nosso tempo ainda traz consigo. Além disso, o fato de o capitalismo ser hoje uma religião, nada o mostra melhor do que o titulo de um grande jornal nacional (italiano) de alguns dias atrás: “salvar o euro a qualquer preço”. Isso mesmo, “salvar” é um termo religioso, mas o que significa “a qualquer preço”? Até ao preço de “sacrificar” vidas humanas? Só numa perspectiva religiosa (ou melhor, pseudo-religiosa) podem ser feitas afirmações tão evidentemente absurdas e desumanas.
A crise econômica que ameaça levar consigo parte dos Estados europeus pode ser vista como condição de crise de toda a modernidade?
A crise atravessada pela Europa não é apenas um problema econômico, como se gostaria que fosse vista, mas é antes de mais nada uma crise da relação com o passado. O conhecimento do passado é o único caminho de acesso ao presente. É procurando compreender o presente que os seres humanos – pelo menos nós, europeus – são obrigados a interrogar o passado.  Eu disse “nós, europeus”, pois me parece que, se admitirmos que a palavra “Europa” tenha um sentido, ele, como hoje aparece como evidente, não pode ser nem político, nem religioso e menos ainda econômico, mas talvez consista nisso, no fato de que o homem europeu – à diferença, por exemplo, dos asiáticos e dos americanos, para quem a história e o passado têm um significado completamente diferente – pode ter acesso à sua verdade unicamente através de um confronto com o passado, unicamente fazendo as contas com a sua história.
O passado não é, pois, apenas um patrimônio de bens e de tradições, de memórias e de saberes, mas também e sobretudo um componente antropológico essencial do homem europeu, que só pode ter acesso ao presente olhando, de cada vez, para o que ele foi. Daí nasce a relação especial que os países europeus (a Itália, ou melhor, a Sicília, sob este ponto de vista é exemplar) têm com relação às suas cidades, às suas obras de arte, à sua paisagem: não se trata de conservar bens mais ou menos preciosos, entretanto exteriores e disponíveis; trata-se, isso sim, da própria realidade da Europa, da sua indisponível sobrevivência. Neste sentido, ao destruírem, com o cimento, com  as autopistas e a Alta Velocidade, a paisagem italiana, os especuladores não nos privam apenas de um bem, mas destroem a nossa própria identidade. A própria expressão “bens culturais” é enganadora, pois sugere que se trata de bens entre outros bens, que podem ser desfrutados economicamente e talvez vendidos, como se fosse possível liquidar e por à venda a própria identidade.
Há muitos anos, um filósofo que também era um alto funcionário da Europa nascente, Alexandre Kojève, afirmava que o homo sapiens havia chegado  ao fim de sua história e já não tinha nada diante de si a não ser duas possibilidades: o acesso a uma animalidade pós-histórica (encarnado pela american way of life) ou o esnobismo (encarnado pelos japoneses, que continuavam a celebrar as suas cerimônias do chá, esvaziadas, porém, de qualquer significado histórico). Entre uma América do Norte integralmente re-animalizada e um Japão que só se mantém humano ao preço de renunciar a todo conteúdo histórico, a Europa poderia oferecer a alternativa de uma cultura que continua sendo humana e vital, mesmo depois do fim da história, porque é capaz de confrontar-se com a sua própria história na sua totalidade e capaz de alcançar, a partir deste confronto, uma nova vida.
A sua obra mais conhecida, Homo Sacer, pergunta pela relação entre poder político e vida nua, e evidencia as dificuldades presentes nos dois termos. Qual é o ponto de mediação possível entre os dois pólos?
Minhas investigações mostraram que o poder soberano se fundamenta, desde a sua origem, na separação entre vida nua (a vida biológica, que, na Grécia, encontrava seu lugar na casa) e vida politicamente qualificada (que tinha seu lugar na cidade). A vida nua foi excluída da política e, ao mesmo tempo, foi incluída e capturada através da sua exclusão. Neste sentido, a vida nua é o fundamento negativo do poder. Tal separação atinge sua forma extrema na biopolítica moderna, na qual o cuidado e a decisão sobre a vida nua se tornam aquilo que está em jogo na política. O que aconteceu nos estados totalitários do século XX reside no fato de que é o poder (também na forma  da ciência) que decide, em última análise, sobre o que é uma vida humana e sobre o que ela não é. Contra isso, se trata de pensar numa política das formas de vida, a saber, de uma vida que nunca seja separável da sua forma, que jamais seja vida nua. 
O mal-estar, para usar um eufemismo, com que  o ser humano comum se põe frente ao mundo da política tem a ver especificamente com a  condição italiana ou é de algum modo inevitável?
Acredito que atualmente estamos frente a um fenômeno novo que vai além do desencanto e da desconfiança recíproca entre os cidadãos e o poder e tem a ver com o planeta inteiro. O que está acontecendo é uma transformação radical das categorias com que estávamos acostumados a pensar a política. A nova ordem do poder mundial funda-se sobre um modelo de governamentalidade que se define como democrática, mas que nada tem a ver com o que este termo significava em Atenas. E que este modelo seja, do ponto de vista do poder, mais  econômico e funcional é provado pelo fato de que foi adotado também por aqueles regimes que até poucos anos atrás eram ditaduras. É mais simples manipular a opinião das pessoas através da mídia e da televisão do que dever impor em cada oportunidade as próprias decisões com a violência. As formas da política por nós conhecidas – o Estado nacional, a soberania, a participação democrática, os partidos políticos, o direito internacional – já chegaram ao fim da sua história. Elas continuam vivas como formas vazias, mas a política tem hoje a forma de uma “economia”, a saber, de um governo das coisas e dos seres humanos. A tarefa que nos espera consiste, portanto, em pensar integralmente, de cabo a cabo, aquilo que até agora havíamos definido com a expressão, de resto pouco clara em si mesma, “vida política”.
O estado de exceção, que o senhor vinculou ao conceito de soberania, hoje em dia parece assumir o caráter de normalidade, mas os cidadãos ficam perdidos perante a incerteza na qual vivem cotidianamente. É possível atenuar esta sensação?
Vivemos há decênios num estado de exceção que se tornou regra, exatamente assim como acontece na economia  em que a crise se tornou a condição normal. O estado de exceção – que deveria sempre ser limitado no tempo – é, pelo contrário, o modelo normal de governo, e isso precisamente nos estados que se dizem democráticos. Poucos  sabem que as normas introduzidas, em matéria de segurança, depois do 11 de setembro (na Itália já se havia começado a partir dos anos de chumbo) são piores do que aquelas que vigoravam sob o fascismo. E os crimes contra a humanidade cometidos durante o nazismo foram possibilitados exatamente pelo fato de Hitler, logo depois que assumiu o poder, ter proclamado um estado de exceção que nunca foi revogado. E certamente ele não dispunha das possibilidades de controle (dados biométricos, videocâmeras, celulares, cartões de crédito) próprias dos estados contemporâneos. Poder-se-ia afirmar hoje que o Estado considera todo cidadão um terrorista virtual. Isso não pode senão piorar e tornar impossível  aquela participação na política que deveria definir a democracia. Uma cidade cujas praças e cujas estradas são controladas por videocâmeras não é mais um lugar público: é uma prisão.
A  grande autoridade que muitos atribuem a estudiosos que, como o senhor, investigam a natureza do poder político poderá trazer-nos esperanças de que, dizendo-o de forma banal,  o futuro será melhor do que o presente?
Otimismo e pessimismo não são categorias úteis para pensar. Como escrevia Marx em carta a Ruge: “a situação desesperada da época em que vivo me enche de esperança”.
Podemos fazer-lhe uma pergunta sobre a aula que o senhor deu em Scicli? Houve quem lesse a conclusão que se refere a Piero Guccione como se fosse uma homenagem devida a uma amizade enraizada no tempo, enquanto outros viram nela uma indicação  de como sair do xeque-mate no qual a arte contemporânea está envolvida.
Trata-se de uma homenagem a Piero Guccione e a Scicli, pequena cidade em que moram alguns dos mais importantes pintores vivos. A situação da arte hoje em dia é talvez o lugar exemplar para compreendermos a crise na relação com o passado, de que acabamos de falar. O único lugar em que o passado pode viver é o presente, e se o presente não sente mais o próprio passado como vivo, o museu e a arte, que daquele passado é a figura eminente, se tornam lugares problemáticos. Em uma sociedade  que já não sabe o que fazer do seu passado, a arte se encontra premida entre a Cila do museu e a Caribdis da mercantilização. E muitas vezes, como acontece nos templos do absurdo que são os museus de arte contemporânea, as duas coisas coincidem.
Duchamp talvez tenha sido o primeiro a dar-se conta do beco sem saída em que a arte se meteu. O que faz Duchamp quando inventa o ready-made? Ele toma um objeto de uso qualquer, por exemplo, um vaso sanitário, e, introduzindo-o num museu, o força a apresentar-se como obra de arte. Naturalmente – a não ser o breve instante que dura o efeito do estranhamento e da surpresa – na realidade nada alcança aqui a presença: nem a obra, pois se trata de um  objeto de uso qualquer, produzido industrialmente, nem a operação artística, porque não há de forma alguma uma poiesis, produção – e nem sequer o artista, porque aquele que assina com um irônico nome falso o vaso sanitário não age como artista, mas, se muito, como filósofo ou crítico, ou, conforme gostava de dizer Duchamp, como “alguém que respira”, um simples ser vivo.
Em todo caso, certamente ele não queria produzir uma obra de arte, mas desobstruir o caminhar da arte, fechada entre o museu e a mercantilização.  Vocês sabem: o que de fato aconteceu é que um conluio, infelizmente ainda ativo, de hábeis especuladores e de “vivos” transformou o ready-made em obra de arte. E a chamada arte contemporânea nada mais faz do que repetir o gesto de Duchamp, enchendo com não-obras e performances em museus, que são meros organismos do mercado, destinados a acelerar a circulação de mercadorias, que, assim como o dinheiro, já alcançaram o estado de liquidez e querem ainda valer como obras. Esta é a contradição da arte contemporânea: abolir a obra e ao mesmo tempo estipular seu preço.
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Sobre o autor
Giorgio Agamben nasceu em Roma em 1942. É um dos principais intelectuais de sua geração, autor de muitos livros e responsável pela edição italiana das obras de Walter Benjamin. Deu cursos em várias universidades europeias e norte-americanas, recusando-se a prosseguir lecionando na New York University em protesto à política de segurança dos Estados Unidos. Foi diretor de programa no Collège International de Philosophie de Paris. Mais recentemente ministrou aulas de Iconologia no Istituto Universitario di Architettura di Venezia (Iuav), afastando-se da carreira docente no final de 2009. Sua obra, influenciada por Michel Foucault e Hannah Arendt, centra-se nas relações entre filosofia, literatura, poesia e, fundamentalmente, política. Entre seus principais livros destacam-se Homo sacer (2005), Estado de exceção (2005), Profanações (2007), O que resta de Auschwitz (2008) e O reino e a glória (2011), os quatro últimos publicados no Brasil pela Boitempo Editorial.
ebooks
Todos os livros de Giorgio Agamben publicados pela Boitempo Editorial estão à venda em versão eletrônica (ebook):
Estado de exceção | PDF | R$22 (confira prévia no Google Books)
Profanações | PDF | R$13 (confira prévia no Google Books)
O que resta de Auschwitz | PDF | R$25 (confira prévia no Google Books)
O reino e a glória | ePub | R$36

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Conar investiga blogueiras por "mensalão" da moda


Blogueiras são investigadas por fazerem publicidade velada de produtos da varejista de cosméticos Sephora

Loja de maquiagem Sephora chega ao shopping JK
Loja de maquiagem Sephora chega ao shopping JK (Divulgação)
O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) abriu, na última semana, três processos contra blogueiras de moda para investigar a suspeita de propaganda velada em seusposts. Segundo o órgão, a investigação tem como alvo a varejista de cosméticos francesa, Sephora, e as blogueiras Thássia Naves, Lala Rudge e Mariah Bernardes. Trata-se da primeira vez que o Conar investiga irregularidades na veiculação de publicidade em blogs.
Uma denúncia feita ao órgão apontava que as três blogueiras haviam feito posts e imagens de Instagram sobre produtos da marca YSL, cuja representação brasileira é da Sephora, quase que simultaneamente.
A semelhança de texto entre os três posts foi o que chamou a atenção do Conar. Segundo a assessoria de imprensa do órgão, "blogs não podem tentar disfarçar ou fazer com que o consumidor não perceba que se trata de propaganda comercial". Ainda de acordo com o Conar, toda publicidade deve ser claramente identificada e percebida como tal pelo consumidor.
O Conar é a agência de autorregulamentação do mercado publicitário e costuma ter suas decisões respeitadas por anunciantes e veículos de comunicação. O processo é inédito por chegar a blogs que, em tese, produzem conteúdo opinativo.
Procurada pela reportagem do site de VEJA, a Sephora afirmou que ainda não iria se manifestar sobre o assunto. Segundo o Conar, a empresa e as três blogueiras já foram notificadas e terão cerca de 40 dias para apresentar sua defesa.

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Colaboração Luiza Mussnich

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Línguas indo-europeias teriam surgido no que hoje é a Turquia


Pesquisa busca solucionar mistério da origem do idioma. Especialistas analisaram vocabulário e distribuição geográfica de 103 dialetos
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Origem de boa parte das línguas faladas mundo afora — do português ao híndi na Índia, passando pelo persa no Irã, alemão e inglês, num total de mais de 400 idiomas e dialetos usados por cerca de 3 bilhões de pessoas —, o indo-europeu e suas raízes ainda é objeto de acirrada discussão entre os linguistas. Enquanto alguns defendem que ele surgiu há 9 mil anos com os primeiros agricultores na região da Anatólia, hoje Turquia, outros acreditam que ele é originário de tribos de pastores nômades que viveram nas estepes ao Norte do Mar Negro cerca de 5 mil anos atrás. Agora, numa tentativa de solucionar a dúvida, pesquisadores pegaram emprestado um método normalmente usado para identificar o vírus original de uma epidemia, conhecido como filogenética, para revelar o berço da família das línguas indo-europeias, com os resultados favorecendo a teoria dos agricultores da Anatólia.
Com base no vocabulário e distribuição geográfica de 103 línguas indo-europeias atuais e extintas, os pesquisadores liderados por Quentin Atkinson, um biólogo evolucionário da Universidade de Auckland, na Nova Zelândia, analisaram as mudanças sofridas por algumas palavras, como “mãe”, “três” e “água”, quando comparadas com o que se acredita ser a raiz original em indo-europeu. Eles então atribuíram valores para as palavras que mantiveram a semelhança entre si, conhecidas como cognatas, e as que passaram por alterações, numa abordagem similar às mutações sofridas pelos genes de um vírus ao longo de uma epidemia.
Somando dados históricos que levaram à ramificação de novas línguas — como a queda do Império Romano, cujo latim vulgar deu origem aos idiomas latinos de hoje (português, espanhol, francês, italiano e romeno, entre outras) — e modelos das migrações das diferentes populações humanas, os pesquisadores puderam então montar uma árvore da evolução desta família de línguas, voltando no tempo até chegar ao “paciente zero” na Anatólia.
— Creio que apresentamos o melhor estudo de caso até agora sobre de onde as línguas indo-europeias vieram — diz Atkinson. — E, ao mesmo tempo, também mostramos que as línguas podem ser usadas para retraçar a história do homem no tempo e no espaço.
Mas os achados de Atkinson, publicados em artigo na edição desta semana da revista “'Science”, não foram suficientes para convencer os linguistas adeptos da hipótese de que o indo-europeu foi criado pelos nômades das estepes da Ásia. Segundo eles, o primeiro pecado do novo estudo é focar apenas no vocabulário, isto é, na morfologia das palavras das línguas analisadas, deixando de lado outros importantes dados linguísticos, como sintaxe e fonética. Além disso, eles criticam o que chamam de excesso de inferências e premissas usadas na análise.
— Há coisas no artigo que são simplesmente arbitrárias — afirma Victor Mair, especialista em línguas da Universidade da Pensilvânia, nos EUA.
Outros críticos apontam ainda a falta de evidências arqueológicas que suportem a hipótese da origem agrícola da família de línguas indo-europeias. De acordo com eles, a hipótese de que o indo-europeu foi criado pelos nômades das estepes asiáticas é apoiada por diversos achados, como locais de sepultamento, que podem ser datados de forma confiável. Outro argumento deles é a existência de diversas palavras no vocabulário das línguas indo-europeias como “roda”, “rédea” e “eixo” relacionadas ao uso de carruagens puxadas a cavalo, o que não seria possível antes da invenção destes equipamentos, cujos mais antigos foram datados de 3.500 a.C..
— Vejo a evidência dos veículos com rodas como o trunfo sobre qualquer árvore evolucionária — avalia David Anthony, arqueólogo do Hartwick College, que estuda as origens dos povos indo-europeus.
Atkinson, por sua vez, defende que os próprios arqueólogos encontram dificuldades para ligar suas descobertas a culturas em particular:
— Analisar a pré-história humana não é fácil. É como segurar uma tênue vela sobre um abismo escuro, então temos que usar toda informação que conseguirmos.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Novo lançamento da Zahar - Impérios da Comunicação





Impérios da comunicação: Do telefone à internet, da AT&T ao Google
Tim Wu

“Desafiador. Uma história intelectualmente ambiciosa das comunicações modernas.”
(The New York Times)

A indústria da comunicação obedece a um implacável movimento  cíclico: a cada inovação corresponde uma abertura, logo seguida pelo fechamento, representado por monopolização, controle e mesmo censura – isso até que outra invenção venha forçar nova abertura, e assim sucessivamente.

Para provar essa ideia, o eminente professor e escritor norte-americano Tim Wu recupera a história das comunicações no século XX. Nesse livro fundamental, ele nos mostra como os grandes monopólios de
telefonia, rádio, cinema, televisão e internet se constituíram, lançando mão de mirabolantes golpes comerciais e jurídicos, envolvendo inventores e altos executivos.

Todas as mídias nasceram livres e abertas. Cada qual era um convite ao uso irrestrito e à realização de experiências inovadoras, até que a tendência de concentração do mercado predominasse. Exemplos não
faltam. Dentre eles, a história de Adolph Zukor, que transformou uma tecnologia corriqueira no reino intocável de Hollywood; ou a insuperável trajetória de Theodore Vail, o maior monopolista do setor, que,
à frente do sistema Bell, preestabeleceu o trajeto de todas as grandes indústrias da informação depois dele.
Somando considerações de ordem econômica a uma ampla reflexão sobre o significado da liberdade na era da informação, Impérios da comunicação lança uma desafiadora pergunta: estará a internet – em parte ainda livre de monopólios e de regulamentação restritiva – condenada a seguir o ciclo de abertura e fechamento das outras mídias? O livro nos fornece instrumentos para elaborar uma resposta, mas isso também vai depender de nossa atitude em relação à liberdade de que ainda usufruímos na rede.

TIM WU é escritor, advogado e professor da Universidade Columbia, em Nova York. Foi incluído pela Scientific American dentre os cinquenta líderes mundiais em ciência e tecnologia, em 2006. No ano seguinte,
entrou para a lista dos cem mais influentes diplomados na Universidade Harvard. Colabora em grandes jornais e revistas americanos, como The New York Times, The Washington Post, Time, The New Yorker e Forbes. É membro da New America Foundation e presidente da Free Press, organização para a reforma da mídia.



http://www.zahar.com.br/doc/r1433.pdf

domingo, 19 de agosto de 2012

Música digital vai ultrapassar venda de mídia física nos EUA em 2012

Segundo pesquisa da Strategy Analytics, fenômeno deve acontecer globalmente em 2015
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Loja da Best Buy em Colorado oferece CDs
Foto: Bloomberg News
Loja da Best Buy em Colorado oferece CDsBLOOMBERG NEWS
NOVA YORK - O reinado do CD como a maior fonte de receita da indústria musical vai acabar neste ano nos Estados Unidos, ofuscado pelos downloads e também pelos mais novos serviços de streaming como Spotify e Pandora, segundo uma pesquisa recente.
As vendas de música digital no país devem ser calculadas em US$ 3,4 bilhões neste ano, superando os US$ 3,38 bilhões em receita da venda de CD e vinil, disse a Strategy Analytics, sediada em Boston.
Ainda segundo a pesquisa publicada no site da empresa, a música digital irá superar a venda de mídias físicas globalmente em 2015.
As gravadoras de CDs estão licenciando catálogos de artistas para vender a companhias de serviços de streaming. As vendas de faixas e álbuns digitais vão subir 6,7% este ano, enquanto a receita de streaming subirá 27,8%, disse a Strategy Analytics. Juntos, download e streaming, respondem por 41% das vendas de música nos Estados Unidos, em comparação com 22% das vendas digitais em todo o mundo.
- Serviços de streaming de música como Pandora e Spotify serão os principais setores de crescimentos ao longo dos próximos cincos anos na medida em que o uso e as vendas crescem rapidamente - disse Ed Barton, diretor de mídia digital da Strategy Analytics.
- A indústria de música digital espera que isso possa reconstruir o mercado americano a algo próximo do que já foi - disse.
A Pandora, com sede em Oakland, Califórnia, funciona apenas nos Estados Unidos. Já a Spotify, com sede em Londres, oferece música digital em pelo 15 países, incluindo os EUA, desde de julho de 2011. 

Microfone estatal a serviço do poder: os presidentes que não saem do ar


Chávez, Cristina e Correa usam redes nacionais de TV para impor sua visão

CORRESPONDENTE
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O líder venezuelano Hugo Chávez durante discurso em Maracay
Foto: Carlos Garcia Rawlins/Reuters
O líder venezuelano Hugo Chávez durante discurso em MaracayCARLOS GARCIA RAWLINS/REUTERS
BUENOS AIRES — Os presidentes Hugo Chávez, da Venezuela, Rafael Correa, do Equador, e Cristina Kirchner, da Argentina, têm, pelo menos, duas coisas em comum: conflitos com meios de comunicação de seus países e várias dezenas, em alguns casos centenas, de horas dedicadas a discursos transmitidos por cadeia nacional de rádio e TV. As chamadas cadenas foram a maneira que os três chefes de Estado escolheram para se comunicar com a população, anunciar medidas de governo e, também, atacar opositores. Se no Uruguai, por exemplo, o presidente José Mujica recorreu a esse recurso apenas três vezes desde que chegou ao poder, em março de 2010, somente neste ano, Cristina protagonizou 13 cadenas, o que a levou a ser acusada pela oposição de estar violando a Lei de Serviços Audiovisuais - aprovada pelo seu próprio governo em 2009.
O artigo 75 da Lei 26.522 estabelece que a rede nacional é obrigatória para todos os canais de TV e emissoras de rádio do país “em caso de situações graves, excepcionais ou de importância institucional”. Na última semana, a Casa Rosada usou a rede nacional para transmitir um evento no qual discursaram a presidente e o Prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz, considerado um aliado pelo governo.
- Observamos que a presidente usa, cada vez mais, a rede nacional para agredir jornalistas e demonstrar que ela controla a informação - disse ao GLOBO a deputada opositora Laura Alonso, autora de um projeto de lei para anular o artigo 75 da lei de mídia.— Cristina está matando lenta e sutilmente a democracia argentina.
Em seus discursos, a presidente critica, com nome e sobrenome, jornalistas, empresários ou qualquer pessoa que expresse uma opinião que lhe desagrade. Recentemente, ela chegou a mostrar a foto do dono de uma imobiliária que tinha concedido entrevista ao jornal “Clarín”, na qual afirmara que o mercado imobiliário estava paralisado em consequência das restrições para comprar dólares. Furiosa, Cristina disse publicamente que tinha pedido à Receita Federal local que investigasse a situação tributária do corretor.
Intelectuais alinhados com o governo defendem a estratégia comunicacional da Casa Rosada, argumentando que é a única maneira de “enfrentar a asfixia informativa e falsidades publicadas pelos menos de comunicação”.
- Usar a rede nacional é uma maneira de romper o cerco à informação e explicar o que o governo está fazendo - disse o escritor Ricardo Foster.
Chávez voltou com mesmo fôlego
Pioneiro nessa prática, Hugo Chávez, depois de vários meses longe dos microfones por conta de sua saúde, voltou nas últimas semanas àscadenas mostrando o mesmo fôlego de épocas passadas. Na última terça-feira, o líder bolivariano aproveitou a inauguração de um hospital para falar durante mais de três horas.
- As cadenas sempre aumentam em épocas eleitorais - comentou o jornalista Óscar Lucien, autor do livro “Cerco vermelho à liberdade de Expressão”, no qual dedicou todo um capítulo à utilização da rede nacional.
O jornalista constatou que, entre 1999 e 2010, Chávez realizou 2.125cadenas, falando um total de 1.460 horas. Opositores já recorreram ao Tribunal Supremo de Justiça contra a resolução da Comissão Nacional de Telecomunicações que exige a todos os canais de TV e emissoras de rádio a transmissão dos discursos presidenciais, mas a iniciativa não prosperou.
O presidente equatoriano é outro fanático das cadenas. De acordo com a Fundamedios, uma organização de defesa da da liberdade de expressão, entre 2007 e este ano, Correa utilizou 1.336 vezes a rede nacional. Como na Argentina, a lei permite a utilização do recurso em casos excepcionais. No entanto, Correa, como Cristina, transformou o recurso em sua melhor arma política. Algumas de suas vítimas já o denunciaram à Corte Interamericana de Direitos Humanos.
 
- O presidente já dedicou nove cadenas a nos criticar, somente isso nos faz pensar que as elas são um mecanismo que faz parte de um poderoso aparelho de propaganda oficial - disse Cesar Ricaurte, da Fundamedios.   


Entrevista: Joe Sacco


‘Fugir do conflito ao contar a História é impossível’, diz Joe Sacco


Cartunista lança livro ‘Journalism’ e tenta explorar novos temas

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O cartunista Joe Sacco diz que se interessa mais em retratar a visão dos civis sobre as guerras do que os aspectos militares dos conflitos
Foto: Divulgação

O cartunista Joe Sacco diz que se interessa mais em retratar a visão dos civis sobre as guerras do que os aspectos militares dos conflitosDIVULGAÇÃO
Ele cresceu em meio a histórias da Segunda Guerra Mundial, e desde então, os conflitos se tornaram parte de sua vida. Nascido em Malta e radicado nos EUA, o cartunista Joe Sacco, de 51 anos, ficou conhecido após o lançamento de seu livro de estreia, “Palestina”, em que conta o cotidiano dos territórios ocupados por Israel. Seus quadrinhos em estilo de reportagem gráfica e cheios de drama cativaram leitores e, agora, Sacco lança no exterior “Journalism”, uma coletânea sem previsão de lançamento no Brasil. Em entrevista por telefone, o autor, que também cobriu a guerra na Bósnia, critica o jornalismo atual e diz que pretende explorar novos temas, além do conflito.
O GLOBO: Num momento em que o jornalismo passa por uma imensa transformação por causa da internet, o senhor investe em histórias em quadrinhos para retratar situações de conflito. Quando começou a usar os quadrinhos como reportagem?
JOE SACCO: A primeira vez foi na Palestina, e o resultado foi o livro homônimo “Palestina” (lançado em 1996). Tinha estudado jornalismo e, na época, já trabalhava como cartunista. Viajei para lá porque me senti interessado pelo tema, pela região. Pensei: “enquanto estou aqui (em Gaza) devo fazer algo”. Comecei a tomar notas e entrevistar pessoas, e isso se transformou quase que organicamente no meu livro de estreia.
Como os quadrinhos se diferem das outras formas de jornalismo?
SACCO: Não acho que os quadrinhos tenham mais poder que outras formas de jornalismo, acho que eles têm um poder específico, diferente. O mais importante é que, com várias imagens sobre o mesmo fato ou cenário, você consegue traçar de verdade uma atmosfera. Você consegue, por exemplo, transportar o seu leitor para um rua em Gaza. E, em todos os cenários, no pano de fundo dos quadrinhos, você mostra como é a vida; com a repetição de cenários, isso fica instintivamente no subconsciente dos leitores. Somos seres visuais, movidos por imagens. Elas nos ajudam a entender o cotidiano daquelas pessoas no livro e a situação em que vivem.
No prefácio do seu novo livro, “Journalism”, o senhor fala sobre a imparcialidade do jornalismo. Seus quadrinhos são cheios de drama. Como vê o desafio da imparcialidade?
SACCO: Não sou contra o conceito de imparcialidade, mas acho muito difícil um jornalista se manter objetivo em situações não familiares. Penso em mim como um ser moral. Se acho que há uma situação de forte opressão contra um grupo ou um indivíduo, quero saber a história dessa pessoa que não tem possibilidade de contar seu relato ou que precisa passar por um turbilhão de dificuldades para ser ouvida. Para mim, o interessante são histórias contadas pela visão do oprimido, mas isso não significa que eu não seja imparcial quando os encontro. Não olho para as minorias reprimidas como anjos, eu os trato como seres humanos.
O lançamento é uma coletânea de trabalhos seus. Tem reportagens de que lugares e de quais conflitos?
SACCO: “Journalism” é uma coleção de trabalhos que fiz para várias revistas e antologias, mas que nunca foram reunidos num mesmo livro. Em alguns casos, são situações de conflitos diretos, como no Iraque, mas há outros trabalhos, como o que fiz com chechenos no Sul da Rússia. Tentei fugir um pouco do tema da guerra, pesquisei histórias sobre imigrantes na Europa e pobreza na Índia, mas aprendi que não podemos escapar de verdade do conflito quando estamos contando a História do homem.
O senhor já rejeitou o rótulo de “correspondente de guerra” e disse várias vezes que se importa mais com o lado dos sobreviventes do que com os combates em si. Como surgiu a vontade de cobrir conflitos?
SACCO: Cresci ouvindo as histórias dos meus pais a respeito de Malta — que foi bombardeada durante a Segunda Guerra Mundial —, sobre como era viver em abrigos para refugiados. Então, desde cedo, ouvi muitos relatos sobre a vida nos abrigos, os ataques aéreos e como as pessoas se comportavam nessas circunstâncias. Esse ângulo da história sempre me interessou, cresci com isso. Outra coisa é que, de fato, não estou tão interessado no aspecto militar dos conflitos, gosto mais de falar sobre os civis que vivem a guerra porque normalmente eles são os mais afetados, apesar de não terem poder de decisão. Nesse sentido, há uma questão de justiça humana também.
O senhor acha que o noticiário hoje deixa de lado a faceta humana da guerra?
SACCO: Acho importante cobrir todos os ângulos da guerra, inclusive os combates e a diplomacia internacional, mas acho que hoje a imprensa está sob muita pressão financeira — ao menos nos EUA e na Europa — e estão cortando gastos. E, se você quer realmente saber o que acontece com civis, tem que passar mais tempo com eles. Do jeito que a imprensa está estruturada hoje, isso é muito difícil de fazer. A imprensa requer notícias instantâneas, mas nem sempre são as mais importantes.
O senhor já cobriu o conflito árabe-israelense, a Guerra da Bósnia, a do Iraque... Qual deles o marcou mais?
SACCO: Do ponto de vista pessoal, é muito difícil escolher um conflito, um relato. Às vezes, em casa, memórias me vêm à cabeça, lembranças que há anos eu não remoía. O que mais me chama a atenção nessas situações é o quanto as pessoas aguentam e o quanto a dignidade é importante para elas. Você pode tirar muitas coisas das vítimas, mas elas se esforçam ao máximo para manter sua dignidade intacta. Elas tentam se vestir bem, mesmo nas piores situações, manter suas tradições, ser gentis umas com as outras. Quem sofre com a guerra sempre se esforça, ainda que nas mais lastimáveis circunstâncias, para manter o que o identifica como humano.
Quais são seus próximos planos?
SACCO: Meus planos ainda são muito recentes para contar, mas queria sair um pouco do jornalismo. Sinto que preciso de um tempo e tentar coisas novas, mas não significa que desisti do jornalismo. Queria tratar de temas relacionados com a natureza humana, saber por que agimos como agimos.
Neste sentido, o livro "Journalism" é uma espécie de capítulo final de uma parte de sua carreira?
SACCO: É uma maneira de sinalizar que estou dando um tempo em uma parte da minha carreira, mas nunca vou fechar a porta para trabalhos jornalísticos. Vou continuar fazendo isso de um jeito ou de outro.















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