segunda-feira, 22 de outubro de 2012

David Albury : Economia global aumenta a demanda por um ensino do tipo personalizado


Para britânico, nivelar estudantes pela idade é um erro. Escolas ainda estão no século passado, diz


RIO — O século 20 acabou há quase 13 anos e em boa parte do mundo ainda se discute quais são as competências necessárias para o mercado de trabalho do século 21. No entender de especialistas, porém, a transição a ser feita é a do século 19 para o 21, porque o modelo atual ainda está mais ligado à formação padronizada de trabalhadores para fábricas, típica da revolução industrial, do que às exigências flexíveis da economia criativa. Apesar das incertezas, o inglês David Albury crê que o novo modelo passa por duas vertentes: ensino personalizado e aprendizado baseado em projetos práticos. Um dos criadores do Programa Global de Líderes da Educação (Gelp, na sigla em inglês), Albury esteve em São Paulo, em encontro organizado pelo Portal Porvir, que é dedicado à inovação em educação.
Ex-conselheiro-chefe da Unidade de Estratégia do ex-premier britânico Tony Blair, professor visitante de Estudos de Inovação no King’s College, em Londres, e consultor independente de redes de ensino em 13 países — no Brasil ele tem interlocutores nas secretarias de Educação de Rio, São Paulo, Goiás e Pernambuco —, ele presta serviços para organizações públicas e privadas desde 2001. Albury falou sobre as novas exigências do mercado de trabalho, de como atendê-las e de experiências bem-sucedidas que testemunhou em vários países.
Desafios
“Os desafios que sistemas de educação do mundo enfrentam hoje incluem as novas exigências do mercado de trabalho e da globalização. Os melhores empregos exigem capacidade de resolução de problemas práticos, facilidade para se comunicar e trabalhar em grupo, empreendedorismo e criatividade. Se eu pudesse deixar o currículo tradicional de lado e escolher duas habilidades que gostaria de ver nos estudantes, acho que seriam o apetite pelo conhecimento e a capacidade de ir atrás dele. Com elas, qualquer pessoa pode aprender qualquer coisa.”
Busca
“Ninguém sabe exatamente como é o sistema ideal. Há três anos e meio, começamos a identificar características de um sistema capaz de equipar cada trabalhador com as habilidades cognitivas e comportamentais necessárias para ser bem-sucedido. Uma delas é a de que o aprendizado precisa ser personalizado. Sabemos pelas ciências cognitivas que as pessoas aprendem em ritmos diferentes. Mesmo assim, organizamos classes a partir da idade, com a premissa de que todos avançam num só ritmo. O aprendizado não será totalmente customizado, mas tem de atender a necessidades individuais em situações colaborativas, de resolução de problemas.”
‘Desconectado’
“No celular posso acessar hoje mais conhecimento do que o melhor professor faria 20 ou 30 anos atrás — informação de múltiplas fontes, nem sempre confiáveis. Assim, é muito importante a capacidade de sintetizar, de avaliar se algo é confiável, de combinar dados. Lembro-me de conversar com garotos de 13, 14 anos em Vancouver sobre a experiência na escola. Um deles disse: ‘Quando vou à escola sinto como se estivesse sendo desconectado. Fora dela tenho acesso a todo tipo de informação e meios de me comunicar. Na escola, tem um professor, um livro e talvez um computador, geralmente pouco usado.’ Outro disse: ‘A escola é o lugar que tranca o século 21 do lado de fora.’ O futuro será do aprendizado a qualquer hora e lugar, não só na escola. O professor não pode mais ser o portador do conhecimento, mas um facilitador do aprendizado. E o currículo deve vir de problemas do mundo real. Como dizer a alguém de uma área pobre de São Paulo: ‘Aprenda matemática por dez anos e aí você vai ver o quanto ela é útil e isso vai ajudá-lo a conseguir emprego’?”
San Diego
“Há vários bons exemplos de escolas inovadoras no mundo. Um de ensino baseado em projeto é o da High Tech High, em San Diego. Lá, os alunos decidem o projeto em que vão trabalhar, não o professor. Cabe ao professor, além de ajudar a desenvolver o projeto, dar duas disciplinas por semestre. Um grupo pode decidir que vai construir um carro movido a energia solar capaz de navegar de um modo muito complexo. Esse é um projeto real, criado por alunos de 12 anos. As matérias do semestre eram matemática e estudos sociais. A tarefa do professor foi combinar o projeto com as habilidades e competências que os alunos precisavam desenvolver nas duas disciplinas. O currículo usa como ponto de partida o projeto. É um exemplo extremo, não acho que todo mundo deve seguir. Mas os alunos são selecionados por universidades como Harvard, Stanford, Yale e MIT, porque ficaram oito anos pesquisando, na perspectiva de resolução de problemas, juntando dados e fazendo gestão de projetos.”
Nova York
“A iSchool é um exemplo de escola de transição, que usa o ensino misto (presencial e on-line) para dar mais liberdade ao professor. Ela parte do seguinte princípio: há uma série de conteúdos que testes nacionais ou estaduais exigem. Mas parte disso é monótona, então ela recorre ao on-line para acelerar a passagem pelo que é chato e concentra tempo no ensino baseado em projetos e personalizado.”
Hyderabad
“Nas últimas décadas nós nos concentramos em aperfeiçoar escolas e professores, mas o engajamento da família é um fator tão importante quanto esses outros no processo de aprendizado. Em Hyderabad (capital do estado indiano de Andhra Pradesh), um grupo de educadores começou a se debruçar sobre a questão de como engajar famílias em um lugar com alta incidência de trabalho infantil e onde pouco valor é atribuído ao ensino. Você pode ir a favelas onde 90, cem crianças ficam sentadas no chão da sala. O meio que eles encontraram para mudar esse cenário foi juntar pais e professores na administração das escolas. Obtiveram resultados razoáveis em termos de criar uma cultura de valorização da educação.”
Buraco no Muro
“Na Índia há favelas e áreas rurais sem escolas. Como educar as crianças? Sugata Mitra (dono de uma fabricante de softwares) criou o projeto Buraco no Muro. Fez um computador robusto e o cimentou no muro da sua empresa para quem passasse usar. Meninos de uma favela próxima se interessaram, começaram a usar o computador. Alguns pegaram muito rápido e ensinaram aos outros como usar aquilo, desenvolvendo um conjunto de habilidades que tem aplicações na bioquímica, matemática e música — mesmo nos lugares mais pobres, você consegue fazer os estudantes aprenderem uns com os outros. Depois o projeto foi ampliado.”
Coreia do Sul
“Hoje nenhum sistema público incentiva de fato as habilidades exigidas para o crescimento econômico. A Coreia do Sul, que em dez anos saiu de posições intermediárias no Pisa (teste para alunos de 15 anos que avalia a capacidade de leitura e os conhecimentos em matemática e ciências) para o grupo de elite, está no Gelp. Os coreanos dizem: ‘Ficamos bons em ensinar às pessoas como passar em testes, memorizando regras. Mas, quando confrontados com um novo problema ou com o desafio de montar um negócio, elas não sabem o que fazer.’ A maioria de nós não gostaria de copiar o modelo coreano.”
Finlândia
“Líder do Pisa, a Finlândia produziu um dos melhores sistemas de ensino público do século 20. Mas os próprios finlandeses, quando olharam as habilidades que serão necessárias em dez, 15 ou 50 anos, acharam que seu sistema talvez não seja completamente adequado: ‘É ótimo ficar em 1º lugar no Pisa, mas este é o jogo errado, o que o Pisa está medindo não é o que as crianças precisam no século 21.’”
Brasil
“Por ser relativamente novo, o sistema tem algumas características, como a grande variação na qualidade do professorado. Outro motivo disso é o fato de que vocês formam milhares de professores todo ano, o que para mim é uma vantagem. Porque há uma coisa muito mais difícil que aprender, que é desaprender — desaprender a ser o portador do conhecimento, algo que muitos fazem há 20 anos. Isso é talvez mais difícil do que lidar com um novo professor, ainda que precisemos formá-lo. Reconheço os problemas do Brasil, mas vejo oportunidades. Também é importante dizer que nenhum modelo nasce perfeito. Alguns de nossos parceiros criaram laboratórios e incubadoras para testar coisas. Eu recomendaria ao Ministério da Educação trabalhar com um pequeno grupo de escolas, dando a elas todo o apoio. Mesmo com vontade política genuína, a transição vai levar pelo menos uma década.”

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