A velocidade destrói. Em uma espécie de paradoxo vinculante onde se combinam o progresso e a catástrofe, a velocidade e seu corolário de suportes técnicos interconectaram o mundo ao mesmo tempo que criaram uma perigosa simultaneidade de emoções. Esta é a tese central que, com uma antecipação surpreendente, vem argumentando o urbanista e pensador francês Paul Virilio. Antes que a extrema velocidade da internet se instalasse na vida cotidiana de quase todo o mundo, Paul Virilio intuiu o risco intrínseco no coração dessa hipercomunicação e os desarranjos profundos acarretados pelo desenvolvimento tecnológico e a velocidade.
A férrea crítica que Paul Virilio faz lhe valeu o apelido de “pensador e promotor da catástrofe”. O intelectual francês, filho de um comunista italiano refugiado, entretanto, não nega a validade dos progressos, mas propõe uma espécie de reflexão sobre o tempo, uma filosofia política para pensar e controlar a velocidade.
Homem afável, de frases curtas e contundentes, Virilio aponta que “a velocidade das transmissões reduz o mundo a proporções ínfimas”, ao mesmo tempo que a rapidez substituiu a uniformização das opiniões pela “uniformização das emoções”. Para Virilio, os conceitos de democracia e direitos humanos estão em perigo. O uso atual da tecnologia leva a uma reatualização do totalitarismo. A velocidade é poder, poder de destruição, poder que inibe a possibilidade de pensar.
Homem afável, de frases curtas e contundentes, Virilio aponta que “a velocidade das transmissões reduz o mundo a proporções ínfimas”, ao mesmo tempo que a rapidez substituiu a uniformização das opiniões pela “uniformização das emoções”. Para Virilio, os conceitos de democracia e direitos humanos estão em perigo. O uso atual da tecnologia leva a uma reatualização do totalitarismo. A velocidade é poder, poder de destruição, poder que inibe a possibilidade de pensar.
Em seu último livro, A administração do medo, o ensaísta francês aponta um outro mecanismo de controle político com que o poder administra as sociedades humanas: o medo. Medo da bomba atômica, medo do terrorismo e o medo verde, o temor diante do esgotamento dos recursos naturais e do desastre ecológico.
Muitas das ideias enunciadas por Paul Virilio quase no final dos anos 1970 se viram repentinamente atualizadas pelos atentados do 11 de setembro. As sociedades escatológicas antecipadas pelo autor, a camisa de força tecnológica que os Estados puseram nos indivíduos, a velocidade como fator totalitário e adormecedor, a irreflexão dos meios de comunicação e o fluxo ininterrupto de imagens e emoções tão instantâneas quanto universais passaram a fazer parte da nossa realidade. Televigilância, traçabilidade dos indivíduos, controle da informação, procedimento de simulação da realidade para tapar o real não são ideias negras, mas a luminosa realidade que nos deslumbra. Virilio propõe um antídoto irônico: criar um “Ministério do Tempo” para, como na música, regular os ritmos da vida.
Muitas das ideias enunciadas por Paul Virilio quase no final dos anos 1970 se viram repentinamente atualizadas pelos atentados do 11 de setembro. As sociedades escatológicas antecipadas pelo autor, a camisa de força tecnológica que os Estados puseram nos indivíduos, a velocidade como fator totalitário e adormecedor, a irreflexão dos meios de comunicação e o fluxo ininterrupto de imagens e emoções tão instantâneas quanto universais passaram a fazer parte da nossa realidade. Televigilância, traçabilidade dos indivíduos, controle da informação, procedimento de simulação da realidade para tapar o real não são ideias negras, mas a luminosa realidade que nos deslumbra. Virilio propõe um antídoto irônico: criar um “Ministério do Tempo” para, como na música, regular os ritmos da vida.
A ditadura da velocidade
Você se interessou de forma muito cedo pelo fenômeno da velocidade, inclusive antes que a sua realidade irrompesse em nosso mundo. Um de seus livros mais famosos, Velocidade e política, data de 1977. O que o levou a intuir com tanta antecipação que a velocidade iria converter-se em um ator central da vida humana, o que você chama de “uma potência de destruição”?
Virilio--Há dois elementos. Eu nasci em 1938 e, por conseguinte, sou filho da Segunda Guerra Mundial. Nesse contexto encontramos dois dados que me marcaram muito. O que se chamou “a guerra relâmpago” e o Holocausto. Não se pode compreender a nossa época sem a clarividência funesta da guerra total, isto é, o extermínio em massa das populações civis durante os bombardeios e também nos campos de concentração. O que vivemos hoje se desprende da importância da velocidade nestes acontecimentos. O revés do exército polonês, o revés do exército francês e os países invadidos em poucos dias são um reflexo dessa velocidade. Sou então um filho dessa guerra relâmpago, da guerra em alta velocidade. Todo o meu trabalho e o interesse que tive pela aceleração me levaram a compreender até que ponto a velocidade era um elemento determinante da história moderna, ou seja, da história da Revolução Industrial.
Você sugere que hoje estamos sob uma espécie de ditadura da velocidade.
Totalmente, e tanto mais quanto que passamos da velocidade móvel, isto é, da velocidade dos tanques, dos automóveis e dos aviões supersônicos, à velocidade da luz e das ondas eletromagnéticas. Estas ondas veiculam a informação, as comunicações, e, sobretudo, a interatividade. Isto significa que a nossa sociedade não é uma sociedade ativa, mas interativa, ou seja, a sociedade atual coloca em funcionamento a velocidade das ondas eletromagnéticas para interagir. Não se pode compreender a globalização sem esta aceleração absoluta em todos os campos, inclusive o campo financeiro. A crise financeira mundial que estourou em 2008, não é só um problema financeiro, mas um derivado da velocidade. As cotizações automatizadas entre bancos, realizadas por plataformas automáticas, exerceram um papel central na crise. O fator de tudo isto foi a velocidade: a velocidade domina, a velocidade da luz, das ondas, se impôs sobre a velocidade dos móveis, do transporte, dos meios de transmissão tradicionais. É impossível compreender a realidade do mundo sem esta configuração. Nos anos 1940, se falava da aceleração da história; hoje, estamos diante da aceleração do real, da aceleração da realidade. Todos os setores da nossa civilização estão afetados pela aceleração do real. É uma evidência que ainda não foi plenamente reconhecida.
Hannah Arendt dizia que a ditadura se plasma em uma espécie de velocidade do movimento.
O terror é a concretização da lei do movimento. O terror é indissociável da velocidade. A temática da velocidade é também a questão da surpresa, e a surpresa é o medo. Quando alguém nos pega de surpresa, dizemos: “ai, que susto você me deu”. A velocidade absoluta e a surpresa estão intimamente ligadas. Trata-se de um fenômeno de pânico, um fenômeno que se refere ao terror. Nossa época é muito singular. Nossa percepção do tempo e das distâncias foi transtornada. A Terra é muito pequena para qualquer forma de progresso. A velocidade das transmissões reduz o mundo a proporções ínfimas.
A sincronização das emoções
Outra característica que você destaca em nossa modernidade, ou em nossa atualidade, é a sincronização das emoções. Todos sentem quase a mesma coisa, no mesmo momento.
Absolutamente. As sociedades de antes estavam sob o signo da padronização das opiniões. Se tomamos a Revolução Industrial como referência, nos encontramos com a padronização dos produtos, o que chamamos a indústria, e também das opiniões. Através do desenvolvimento da imprensa e dos meios de comunicação se operou uma uniformização das opiniões públicas. Agora, atualmente, com a interatividade, já não se trata mais da uniformização das opiniões, mas da sincronização das emoções. Estamos diante de uma sociedade onde a comunidade de emoções substitui a comunidade de interesses. Trata-se de um acontecimento político prodigioso. As sociedades viveram sob o regime da comunidade de interesses, o que explica a estrutura das classes sociais, os ricos e os pobres, o marxismo, etc., etc. Hoje vivemos sob o regime de uma comunidade de emoção, estamos naquilo que chamei de comunismo dos afetos: sentir a mesma emoção, no mesmo instante. No 11 de setembro de 2001, diante de uma catástrofe telúrica equivalente a um terremoto ou um tsunami, o mundo esteve na mesma sintonia de emoção. É um acontecimento político inédito na história da humanidade. Trata-se de um acontecimento pânico que coloca em questionamento a democracia. A tirania do tempo real representa uma ameaça considerável que não foi levada em conta. Fazem-se brincadeiras sobre a telerrealidade e essas coisas, mas este fenômeno nada tem a ver com a telerrealidade. Acontece que se chegou a sincronizar a mesma realidade!
Em que sentido esta sincronização das emoções coloca a democracia em perigo?
A democracia é a reflexão comum e não o reflexo condicionado. Não existe opinião política sem uma reflexão comum. Mas hoje predomina não a reflexão, mas o reflexo. O próprio da instantaneidade consiste em anular a reflexão em proveito do reflexo. Quando me convidam para um debate na televisão, me dizem: “Que bom, você trabalha desde 1977 nos fenômenos da velocidade. Tem um minuto para explicar-me tudo isso”. Não é possível. Estamos diante de um fenômeno reflexo, mas a democracia reflexa é uma impossibilidade, não existe. A mesma coisa acontece com a confiança. As Bolsas estão em crise porque há uma crise da confiança. E por que há uma crise de confiança? Porque a confiança não pode ser instantânea. A confiança em um sistema político ou financeiro não é automática. A opinião também não pode ser instantânea. Então, os sistemas administrados pelos políticos, inclusive o sistema financeiro, são fenômenos que tendem para o automatismo. A automatização é o contrário da democratização.
A lentidão e a aceleração
Podemos pensar que existem dois mundos paralelos: o mundo da lentidão – o mundo primitivo, que está fora da bolha tecnológica – e o muno da velocidade, o mundo desenvolvido exposto sem freio à atração da velocidade.
Em primeiro lugar, quero dizer que o mundo da velocidade instantânea leva à inércia. De alguma maneira, a lentidão das sociedades antigas anuncia a inércia das sociedades futuras. A rapidez absoluta leva à inércia e à paralisia. A interatividade prescinde do deslocamento físico e da reflexão, por conseguinte, o aumento constante da velocidade nos levará à inércia. O problema já não diz respeito tanto à lentidão ou à velocidade, mas à inteligência do movimento. Quando me perguntam: “Acaso é preciso diminuir?”, eu respondo: “Não, é preciso refletir”.
E qual é o ponto central dessa reflexão?
Devemos refletir sobre o ritmo. Como na música, nossa sociedade deve reencontrar-se com o ritmo. A música encarna perfeitamente uma política da velocidade. Através dos tempos, o ritmo, a música é a própria encarnação da política da velocidade. Devemos elaborar uma musicologia da vida. O problema não consiste tanto em diminuir a velocidade, mas em inventar ritmos sociais, políticos ou econômicos que funcionem. Do contrário, terminaremos na inércia, isto é, na lentidão e na paralisia maiores que as das sociedades do passado, as sociedades sedentárias, rurais. De fato, não necessitamos de uma visão revolucionária, mas de uma espécie de força de revelação.
As regras do jogo colocadas hoje tornam, contudo, impossível retroceder frente à velocidade.
Eu não exponho um trabalho retrospectivo sobre o bem-estar do passado, mas uma reflexão sobre o porvir. Sou um progressista. Por isso, não falo de desacelerar, mas de elaborar uma inteligência do movimento, uma espécie de economia política da velocidade. Isto consiste em reencontrar-se com o tempo. O descontrole do tempo despedaçou o sistema de produção e do trabalho. Constatamos as consequências desta desregulação do tempo na empresa France Telecom, onde os empregados se suicidam. Falta-nos o ritmo. Todas as sociedades antigas eram rítmicas: havia a liturgia, as festas, as estações, a alternância do dia e da noite, o calendário, etc., etc. Mas com a aceleração do real perdemos esta organização rítmica. Vivemos em uma sociedade caótica. A velocidade reduz o mundo a nada. O mundo é muito pequeno para o progresso, muito pequeno para a instantaneidade, a ubiquidade. Esta é uma das grandes questões políticas e um dos grandes desafios do futuro em termos de direitos humanos.
O controle do mundo pelo medo
Seu último livro, A administração do medo, agrega à velocidade outro fator de controle: você afirma ali que o medo é uma arte para governar.
Estamos diante de um acontecimento cósmico. A raiz do medo é o que se chamou de equilíbrio do terror, o medo do fim do mundo engendrado durante a Guerra Fria. Podemos dizer que o primeiro grande medo de destruição em massa tem 40 anos e remonta ao projeto de instalação de mísseis em Cuba, nos anos 1960. Em 2001, entramos em outra fase, que é o desequilíbrio do terror. Depois, com os atentados de 11 de setembro, o desequilíbrio se converte em um terrorismo cego, que pode golpear em qualquer momento e em qualquer lugar com uma potência colossal. Ainda nos encontramos nesse desequilíbrio do terror. Um punhado de indivíduos desarmados pode causar tanto prejuízo quanto um exército. Um grupo de homens pode assim provocar desastres consideráveis com um mínimo de meios. O terceiro grande medo que nos a espreita é o do esgotamento dos recursos naturais. A Terra é muito pequena para o progresso e seus recursos podem ser insuficientes para o futuro. Vivemos com esses medos. A angústia, a falta de esperança, o caráter suicida de muitos jovens têm muito a ver com esta dominação do medo sobre nossas consciências. Enfrentamos um fenômeno de pânico globalizado.
Você tem uma interpretação diferente da ecologia, muito crítica. Não a qualifica como uma ideologia totalitária, mas com as características de um instrumento que está aí para amedrontar.
O medo ecológico se soma ao medo engendrado pela Guerra Fria, ao medo instalado pelo terrorismo. Não sou contra a ecologia, absolutamente. A ecologia é necessária para preservar a Terra. Mas não se pode aceitar o que propõe o discurso ecológico atual, isto é, uma espécie de difusão do medo global. Não esqueçamos que existe uma constante: sempre se infunde medo em nome do bem! É preciso evitar isso. Os ecologistas são tentados a convencer mediante o medo! O discurso ecológico deve imperativamente ampliar seu campo e relacionar a ciência do meio ambiente com a filosofia, com as ciências humanas, com a democracia. Por trás da ecologia há uma ideologia ameaçante, que é a do espaço vital. Quando se pensa no nazismo se o associa com o racismo, mas não com a dimensão do espaço vital. Os nazistas colocavam cartazes que diziam: “Bosque proibido aos judeus”. Tratava-se de um espaço vital. Se quisermos uma ecologia humana, humanitária, devemos desconfiar da dimensão vitalista própria do nazismo. Não sou contra a ecologia, absolutamente. Mas, como filho da guerra total, lembro essa noção de espaço vital que foi a mola propulsora da Segunda Guerra Mundial.
A administração do medo – da bomba, do desastre ecológico, do terrorismo, do desemprego, do imigrante, da insegurança – tornou-se o principal instrumento de gestão política. Dessa estratégia nasceu outra ameaça: a vigilância, o seguimento, a traçabilidade dos indivíduos.
Isso explica o desenvolvimento da televigilância, as propostas para reclamar as pegadas dos indivíduos. Podemos até pensar que, amanhã, a noção de identidade, de documento de identidade, será substituída pela traçabilidade das pessoas. Uma vez que se controlam todos os movimentos de um indivíduo, a questão de sua identidade perde todo interesse. Basta obter informações sobre seus movimentos e a velocidade para localizar a pessoa ou o produto. A traçabilidade é um elemento inquietante da vigilância. O medo sempre foi um instrumento para governar.
Em A administração do medo você ressalta que a propaganda em torno desse grande Eldorado que são as novas tecnologias é também vetor do medo porque anestesia as pessoas.
Albert Einstein dizia: “Nossa tecnologia ultrapassou a nossa humanidade”. Está óbvio que as tecnologias representam hoje uma ameaça na medida em que não controlamos o progresso. Os avanços tecnológicos deixaram de ser controlados pela humanidade.
A força da velocidade, do medo, da tecnologia, de metas eficazes, da aspiração a resultados, de estratégias de gestão, o sonho tecnológico de um ser humano melhor desembocou em uma humanidade ameaçada pelas próprias máquinas que cria.
Sim, sem dúvida. O homem começa a estar sobrando. Assistimos agora a uma retomada econômica sem empregos. Já se fala de inativos crônicos e não de desempregados conjunturais. A corrida atrás de produtividade substitui os produtores, isto é, o trabalho do ser humano. Nossa civilização está ameaçada. O respeito pelos direitos humanos está sendo questionado. Necessitamos de um esquema de pensamento diferente para evitar a catástrofe. Precisamos elaborar um pensamento político da velocidade.
Você se interessou de forma muito cedo pelo fenômeno da velocidade, inclusive antes que a sua realidade irrompesse em nosso mundo. Um de seus livros mais famosos, Velocidade e política, data de 1977. O que o levou a intuir com tanta antecipação que a velocidade iria converter-se em um ator central da vida humana, o que você chama de “uma potência de destruição”?
Virilio--Há dois elementos. Eu nasci em 1938 e, por conseguinte, sou filho da Segunda Guerra Mundial. Nesse contexto encontramos dois dados que me marcaram muito. O que se chamou “a guerra relâmpago” e o Holocausto. Não se pode compreender a nossa época sem a clarividência funesta da guerra total, isto é, o extermínio em massa das populações civis durante os bombardeios e também nos campos de concentração. O que vivemos hoje se desprende da importância da velocidade nestes acontecimentos. O revés do exército polonês, o revés do exército francês e os países invadidos em poucos dias são um reflexo dessa velocidade. Sou então um filho dessa guerra relâmpago, da guerra em alta velocidade. Todo o meu trabalho e o interesse que tive pela aceleração me levaram a compreender até que ponto a velocidade era um elemento determinante da história moderna, ou seja, da história da Revolução Industrial.
Você sugere que hoje estamos sob uma espécie de ditadura da velocidade.
Totalmente, e tanto mais quanto que passamos da velocidade móvel, isto é, da velocidade dos tanques, dos automóveis e dos aviões supersônicos, à velocidade da luz e das ondas eletromagnéticas. Estas ondas veiculam a informação, as comunicações, e, sobretudo, a interatividade. Isto significa que a nossa sociedade não é uma sociedade ativa, mas interativa, ou seja, a sociedade atual coloca em funcionamento a velocidade das ondas eletromagnéticas para interagir. Não se pode compreender a globalização sem esta aceleração absoluta em todos os campos, inclusive o campo financeiro. A crise financeira mundial que estourou em 2008, não é só um problema financeiro, mas um derivado da velocidade. As cotizações automatizadas entre bancos, realizadas por plataformas automáticas, exerceram um papel central na crise. O fator de tudo isto foi a velocidade: a velocidade domina, a velocidade da luz, das ondas, se impôs sobre a velocidade dos móveis, do transporte, dos meios de transmissão tradicionais. É impossível compreender a realidade do mundo sem esta configuração. Nos anos 1940, se falava da aceleração da história; hoje, estamos diante da aceleração do real, da aceleração da realidade. Todos os setores da nossa civilização estão afetados pela aceleração do real. É uma evidência que ainda não foi plenamente reconhecida.
Hannah Arendt dizia que a ditadura se plasma em uma espécie de velocidade do movimento.
O terror é a concretização da lei do movimento. O terror é indissociável da velocidade. A temática da velocidade é também a questão da surpresa, e a surpresa é o medo. Quando alguém nos pega de surpresa, dizemos: “ai, que susto você me deu”. A velocidade absoluta e a surpresa estão intimamente ligadas. Trata-se de um fenômeno de pânico, um fenômeno que se refere ao terror. Nossa época é muito singular. Nossa percepção do tempo e das distâncias foi transtornada. A Terra é muito pequena para qualquer forma de progresso. A velocidade das transmissões reduz o mundo a proporções ínfimas.
A sincronização das emoções
Outra característica que você destaca em nossa modernidade, ou em nossa atualidade, é a sincronização das emoções. Todos sentem quase a mesma coisa, no mesmo momento.
Absolutamente. As sociedades de antes estavam sob o signo da padronização das opiniões. Se tomamos a Revolução Industrial como referência, nos encontramos com a padronização dos produtos, o que chamamos a indústria, e também das opiniões. Através do desenvolvimento da imprensa e dos meios de comunicação se operou uma uniformização das opiniões públicas. Agora, atualmente, com a interatividade, já não se trata mais da uniformização das opiniões, mas da sincronização das emoções. Estamos diante de uma sociedade onde a comunidade de emoções substitui a comunidade de interesses. Trata-se de um acontecimento político prodigioso. As sociedades viveram sob o regime da comunidade de interesses, o que explica a estrutura das classes sociais, os ricos e os pobres, o marxismo, etc., etc. Hoje vivemos sob o regime de uma comunidade de emoção, estamos naquilo que chamei de comunismo dos afetos: sentir a mesma emoção, no mesmo instante. No 11 de setembro de 2001, diante de uma catástrofe telúrica equivalente a um terremoto ou um tsunami, o mundo esteve na mesma sintonia de emoção. É um acontecimento político inédito na história da humanidade. Trata-se de um acontecimento pânico que coloca em questionamento a democracia. A tirania do tempo real representa uma ameaça considerável que não foi levada em conta. Fazem-se brincadeiras sobre a telerrealidade e essas coisas, mas este fenômeno nada tem a ver com a telerrealidade. Acontece que se chegou a sincronizar a mesma realidade!
Em que sentido esta sincronização das emoções coloca a democracia em perigo?
A democracia é a reflexão comum e não o reflexo condicionado. Não existe opinião política sem uma reflexão comum. Mas hoje predomina não a reflexão, mas o reflexo. O próprio da instantaneidade consiste em anular a reflexão em proveito do reflexo. Quando me convidam para um debate na televisão, me dizem: “Que bom, você trabalha desde 1977 nos fenômenos da velocidade. Tem um minuto para explicar-me tudo isso”. Não é possível. Estamos diante de um fenômeno reflexo, mas a democracia reflexa é uma impossibilidade, não existe. A mesma coisa acontece com a confiança. As Bolsas estão em crise porque há uma crise da confiança. E por que há uma crise de confiança? Porque a confiança não pode ser instantânea. A confiança em um sistema político ou financeiro não é automática. A opinião também não pode ser instantânea. Então, os sistemas administrados pelos políticos, inclusive o sistema financeiro, são fenômenos que tendem para o automatismo. A automatização é o contrário da democratização.
A lentidão e a aceleração
Podemos pensar que existem dois mundos paralelos: o mundo da lentidão – o mundo primitivo, que está fora da bolha tecnológica – e o muno da velocidade, o mundo desenvolvido exposto sem freio à atração da velocidade.
Em primeiro lugar, quero dizer que o mundo da velocidade instantânea leva à inércia. De alguma maneira, a lentidão das sociedades antigas anuncia a inércia das sociedades futuras. A rapidez absoluta leva à inércia e à paralisia. A interatividade prescinde do deslocamento físico e da reflexão, por conseguinte, o aumento constante da velocidade nos levará à inércia. O problema já não diz respeito tanto à lentidão ou à velocidade, mas à inteligência do movimento. Quando me perguntam: “Acaso é preciso diminuir?”, eu respondo: “Não, é preciso refletir”.
E qual é o ponto central dessa reflexão?
Devemos refletir sobre o ritmo. Como na música, nossa sociedade deve reencontrar-se com o ritmo. A música encarna perfeitamente uma política da velocidade. Através dos tempos, o ritmo, a música é a própria encarnação da política da velocidade. Devemos elaborar uma musicologia da vida. O problema não consiste tanto em diminuir a velocidade, mas em inventar ritmos sociais, políticos ou econômicos que funcionem. Do contrário, terminaremos na inércia, isto é, na lentidão e na paralisia maiores que as das sociedades do passado, as sociedades sedentárias, rurais. De fato, não necessitamos de uma visão revolucionária, mas de uma espécie de força de revelação.
As regras do jogo colocadas hoje tornam, contudo, impossível retroceder frente à velocidade.
Eu não exponho um trabalho retrospectivo sobre o bem-estar do passado, mas uma reflexão sobre o porvir. Sou um progressista. Por isso, não falo de desacelerar, mas de elaborar uma inteligência do movimento, uma espécie de economia política da velocidade. Isto consiste em reencontrar-se com o tempo. O descontrole do tempo despedaçou o sistema de produção e do trabalho. Constatamos as consequências desta desregulação do tempo na empresa France Telecom, onde os empregados se suicidam. Falta-nos o ritmo. Todas as sociedades antigas eram rítmicas: havia a liturgia, as festas, as estações, a alternância do dia e da noite, o calendário, etc., etc. Mas com a aceleração do real perdemos esta organização rítmica. Vivemos em uma sociedade caótica. A velocidade reduz o mundo a nada. O mundo é muito pequeno para o progresso, muito pequeno para a instantaneidade, a ubiquidade. Esta é uma das grandes questões políticas e um dos grandes desafios do futuro em termos de direitos humanos.
O controle do mundo pelo medo
Seu último livro, A administração do medo, agrega à velocidade outro fator de controle: você afirma ali que o medo é uma arte para governar.
Estamos diante de um acontecimento cósmico. A raiz do medo é o que se chamou de equilíbrio do terror, o medo do fim do mundo engendrado durante a Guerra Fria. Podemos dizer que o primeiro grande medo de destruição em massa tem 40 anos e remonta ao projeto de instalação de mísseis em Cuba, nos anos 1960. Em 2001, entramos em outra fase, que é o desequilíbrio do terror. Depois, com os atentados de 11 de setembro, o desequilíbrio se converte em um terrorismo cego, que pode golpear em qualquer momento e em qualquer lugar com uma potência colossal. Ainda nos encontramos nesse desequilíbrio do terror. Um punhado de indivíduos desarmados pode causar tanto prejuízo quanto um exército. Um grupo de homens pode assim provocar desastres consideráveis com um mínimo de meios. O terceiro grande medo que nos a espreita é o do esgotamento dos recursos naturais. A Terra é muito pequena para o progresso e seus recursos podem ser insuficientes para o futuro. Vivemos com esses medos. A angústia, a falta de esperança, o caráter suicida de muitos jovens têm muito a ver com esta dominação do medo sobre nossas consciências. Enfrentamos um fenômeno de pânico globalizado.
Você tem uma interpretação diferente da ecologia, muito crítica. Não a qualifica como uma ideologia totalitária, mas com as características de um instrumento que está aí para amedrontar.
O medo ecológico se soma ao medo engendrado pela Guerra Fria, ao medo instalado pelo terrorismo. Não sou contra a ecologia, absolutamente. A ecologia é necessária para preservar a Terra. Mas não se pode aceitar o que propõe o discurso ecológico atual, isto é, uma espécie de difusão do medo global. Não esqueçamos que existe uma constante: sempre se infunde medo em nome do bem! É preciso evitar isso. Os ecologistas são tentados a convencer mediante o medo! O discurso ecológico deve imperativamente ampliar seu campo e relacionar a ciência do meio ambiente com a filosofia, com as ciências humanas, com a democracia. Por trás da ecologia há uma ideologia ameaçante, que é a do espaço vital. Quando se pensa no nazismo se o associa com o racismo, mas não com a dimensão do espaço vital. Os nazistas colocavam cartazes que diziam: “Bosque proibido aos judeus”. Tratava-se de um espaço vital. Se quisermos uma ecologia humana, humanitária, devemos desconfiar da dimensão vitalista própria do nazismo. Não sou contra a ecologia, absolutamente. Mas, como filho da guerra total, lembro essa noção de espaço vital que foi a mola propulsora da Segunda Guerra Mundial.
A administração do medo – da bomba, do desastre ecológico, do terrorismo, do desemprego, do imigrante, da insegurança – tornou-se o principal instrumento de gestão política. Dessa estratégia nasceu outra ameaça: a vigilância, o seguimento, a traçabilidade dos indivíduos.
Isso explica o desenvolvimento da televigilância, as propostas para reclamar as pegadas dos indivíduos. Podemos até pensar que, amanhã, a noção de identidade, de documento de identidade, será substituída pela traçabilidade das pessoas. Uma vez que se controlam todos os movimentos de um indivíduo, a questão de sua identidade perde todo interesse. Basta obter informações sobre seus movimentos e a velocidade para localizar a pessoa ou o produto. A traçabilidade é um elemento inquietante da vigilância. O medo sempre foi um instrumento para governar.
Em A administração do medo você ressalta que a propaganda em torno desse grande Eldorado que são as novas tecnologias é também vetor do medo porque anestesia as pessoas.
Albert Einstein dizia: “Nossa tecnologia ultrapassou a nossa humanidade”. Está óbvio que as tecnologias representam hoje uma ameaça na medida em que não controlamos o progresso. Os avanços tecnológicos deixaram de ser controlados pela humanidade.
A força da velocidade, do medo, da tecnologia, de metas eficazes, da aspiração a resultados, de estratégias de gestão, o sonho tecnológico de um ser humano melhor desembocou em uma humanidade ameaçada pelas próprias máquinas que cria.
Sim, sem dúvida. O homem começa a estar sobrando. Assistimos agora a uma retomada econômica sem empregos. Já se fala de inativos crônicos e não de desempregados conjunturais. A corrida atrás de produtividade substitui os produtores, isto é, o trabalho do ser humano. Nossa civilização está ameaçada. O respeito pelos direitos humanos está sendo questionado. Necessitamos de um esquema de pensamento diferente para evitar a catástrofe. Precisamos elaborar um pensamento político da velocidade.
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