sábado, 31 de agosto de 2013

Livro de bolso completa 60 anos na França


Denunciado por intelectuais nos anos 1960 como uma banalização do livro, formato se tornou parte do cotidiano francês, mas hoje enfrenta retração geral do mercado e crescimento dos e-books

Por Fernando Eichenberg

“Não se pode viver sem um livro em seu bolso”. Por meio deste slogan o editor francês Henri Filipacchi lançou, em 1953, a coleção Livre de Poche, da editora Hachette. Inspiradora de iniciativas similares por parte de seus concorrentes, ela fez do livro de bolso um objeto cotidiano na paisagem cultural francesa e um inseparável companheiro dos leitores. Completando 60 anos na França, o formato mantém prestígio e popularidade, embora comece a sentir efeitos de mudanças no comportamento editorial e o avanço, mesmo que ainda incipiente e bastante lento, dos e-books, uma potencial ameaça futura.

O livro de bolso, que teve entre seus principais pioneiros a inglesa Penguin Books (1936) e a americana Simon&Schuster (1939), é “o fenômento mais marcante da história da edição contemporânea”, diz Bertrand Legendre, do departamento de Políticas Editoriais do Laboratório de Ciências da Informação e da Comunicação (LabSic), da Universidade de Paris 13.

— No começo era considerado um objeto de segunda categoria, algo vulgar, e hoje representa na França, em volume de negócios, 13,01% da atividade dos editores. Em títulos, produz 17,9% do total, e alcança 23,85% em número de exemplares vendidos — diz Legendre, citando o relatório divulgado em 2012 pelo Sindicato Nacional da Edição (SNE), baseado nos dados de 2011.

Como não poderia ser diferente na França, onde o debate é um verdadeiro esporte nacional, o livro de bolso não surgiu sem provocar alguma polêmica ideológica, filosófica e conceitual, com a intervenção, inclusive, de pensadores de renome, entre eles Jean-Paul Sartre. Logo em seu primórdio, alguns livreiros se opuseram à novidade, acusando o livro de bolso de desvalorizar a sua atividade. Mas a discussão inflamou os espíritos no início dos anos 1960, quando o sucesso do formato se revelou incontornável, com 8 milhões de exemplares vendidos apenas para a Livre de Poche em 1958, mesmo ano em que surgiria a concorrência da coleção J’ai Lu (Flammarion) e em que o escritor Jean Giono diria: “Hoje o livro de bolso é o mais poderoso instrumento de cultura da civilização moderna”. Em 1962, froam criadas as coleções de bolso Press Pocket (rebatizada de Pocket em 1993), Idées (Gallimard) e La Petite Bibliotèque (Payot).

— No começo se publicava sobretudo literatura contemporânea, livros policiais, coisas que não interessavam tanto aos intelectuais. Nos anos 60 a situação se complicou quando alguns editores passaram a publicar obras de ciências humanas em formato de bolso — conta Legendre.

Críticas de Michaux, Blanchot e Habermas

Em março passado, poucos dias antes da abertura do Salão do Livro de Paris, o Instituto Nacional do Audiovisual (INA) divulgou um vídeo de setembro de 1964 no qual um estudante de medicina, entrevistado para um programa de TV, defende a existência de uma “aristocracia de leitores” e condena o livro de bolso por proporcionar a leitura a “muitas pessoas que não tem necessidade de ler” e lhes dar uma “pretensão intelectual”. Contra o novo formato de leitura também se manifestaram nomes de prestígio das letras francesas como Henri Michaux, Maurice Blanchot e Julien Gracq, que se recusou a editar seus romances em livro de bolso por considerá-lo não condizente com a relação de “desejo e distância” que deve ser representada na qualidade do objeto material. Em 1962, numa ótica diversa e suplementar, o filósofo alemão Jürgen Habermas sinalizara uma contradição na comparação entre as bem cuidadas obras lançadas pelos clubes de livro e o títulos de bolso: “Com os livros de bolso, o que é durável aparece sob a forma do perecível, enquanto, ao contrário, os clubes do livro oferecem sucessos literários efêmeros sob a forma de livros feitos para durar: encadernados e com as bordas das páginas douradas”, escreveu ele em “Espaço público — Arqueologia da publicidade como dimensão constitutiva da sociedade burguesa”.

Em sua edição de novembro de 1964, a revista “Mercure de France” publicou um artigo de 16 páginas, “A cultura de bolso”, no qual o filósofo e historiador da arte Hubert Damisch denunciava o livro de bolso como uma “ilusão cultural” e uma iniciativa “mistificadora”, pois colocava em todas as mãos “substitutos simbólicos de privilégios educativos e culturais dos quais a grande massa não participa”. O formato “cumpre de fato com a transformação do livro de obra impressa em produto; produto tão bem concebido e apresentado que possa ser proposto ao consumidor nas mesmas condições e seguindo os mesmos métodos de qualquer produto detergente”, escreveu o filósofo, para quem a mercantilização do livro de bolso questionava sua legimitidade cultural.

O contra-ataque foi lançado logo no início de 1965 pela revista “Les Temps Modernes”, então dirigida por Sartre, em dois números coordenados pelo escritor Bernard Pingaud, com textos dele mesmo, Jean-François Revel e Philippe Sollers, entre outros. Em sua réplica, Pingaud defendeu a obra de bolso como um objeto modesto, imprório ao “entesouramento”, cuja própria “indignidade” lhe conferia valor. “O livro de bolso é feito para circular, servir, e preencherá plenamente seu papel no dia em que, considerado como um simples meio e não como um fim, a leitura, graças a ele, cessará de ser um privilégio para se tornar uma partilha, o caminho mais curto que liga um homem a outro”, escreveu. Para “Les Temps Modernes”, o livro de bolso se bastava como um vetor de cultura, e o determinante era o seu conteúdo. A controvérsia acabou por se apaziguar na segunda metade da década de 60:

— É preciso situar no contexto sociopolítico da época: 1964 se aproximava de 1968 e do período forte das ciências humanas na França. Maio de 68 e os anos 1970 varreram este debate da atualidade — diz Legendre.

Mais de 100 milhões de exemplares por ano

Nos anos que se seguiram, o livro de bolso não só adquiriu respeitabilidade cultural como afirmou sua importância no mundo editorial. Segundo o SNE, a fatia dos títulos de bolso no total de livros vendidos em 2011 chega a 52,68% para a categoria de literatura, 39,57% para dicionários e enciclopédias e 19,21% para documentos e ensaios de atualidade. No total foram vendidos 107,4 milhões de exemplares (contra 450,6 milhões para os livros de grande formato), uma redução de 2,9% em relação ao ano anterior (110,6 milhões), seguindo a tendência registrada desde 2008.

Os e-books não podem ser considerados responsáveis por esta queda. A edição digital ainda está em fase de desenvolvimento na França: 18% dos franceses declararam ter baixado um livro em 2011, contra 13% no ano anterior, segundo pesquisa da GFK, uma das principais empresas de pesquisa do mercado editorial no mundo. Em volume de negócios, houve um aumento de 7,2% em 2011, num total de 56,8 milhões de euros, mas a edição digital representa apenas 2% do mercado total de livros, de acordo com o SNE. Sinais dos tempos, para festejar os 60 anos de sua coleção, a editora Hachette lançou o website “o e-book do livro de bolso”, com uma oferta de mais de 500 títulos, mas sem uma grande diferença de preço entre a versão papel e a digital.

Para Legendre, as inquietações em relação ao livro de bolso correspondem menos ao lento progresso da edição digital, com oferta insuficiente e preço pouco competitivo, e mais a um enfraquecimento do livro em geral (diminuição de 0,3% na venda de exemplares no período 2010-2011).

— Há o reforço de um fenômeno que já era bem identificado: a redução do tempo de vida de um livro. Os lançamentos permanecem entre um mês e um mês e meio nas livrarias, algo que tende a se acentuar. Até agora o livro de bolso assumia o lugar na continuação, mas mesmo este formato começa a enfrentar dificuldades — diz.

Apesar das incertezas, ele acredita que as obras de bolso ainda têm uma vida longa pela frente:

— O livro de bolso ganhou toda sua legitimidade nas práticas de leitura. Se pensarmos nas coleções Folio, Actes Sud, Seuil e outras, tratam-se de livros de qualidade estética e que não são indignos das práticas culturais, muito pelo contrário.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Venezuela monta hegemonia de meios de comunicação oficiais

Já são 120 jornais, 8 televisões, 250 rádios e 36 TVs comunitárias

VALENTINA LARES MARTIZ - “EL TIEMPO”/GDA

CARACAS - Recentemente o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, anunciou que muito em breve a Força Armada Nacional Bolivariana terá sua própria rede de televisão. “E isso não é tudo”, acrescentou, depois de determinar que uma das emissoras de TV oficiais, a ViveTV, será agora a ComunasVTV, dedicada a fomentar a criação e consolidação das “comunas” — forma de organização coletiva promovida pelo falecido presidente Hugo Chávez como base de seu “socialismo do século XXI”.

O novo governo venezuelano mantém a estratégia de ampliar seu controle sobre os meios de comunicação do país. Já possui oito televisões (só há quatro privadas), 36 emissoras “comunitárias” e 250 estações de rádio “comunitárias”, em sua maioria sustentadas com dinheiro público, segundo um estudo dos comunicólogos Marcelino Bisbal e Andrés Cañizales. O estudo assinala, por outro lado, que ainda existem 530 rádios comerciais no país.
O alcance midiático do governo venezuelano também inclui 120 jornais comunitários (regionais e locais) e três oficiais de circulação nacional, todos distribuídos gratuitamente, com o intuito de promover, sem descanso, a “revolução bolivariana”.
— Certa vez um ministro do chavismo afirmou que eles queriam implementar uma “hegemonia comunicacional”, conceito que duplica a oferta de mídias como serviços para toda a população — diz Gustavo Hernández, diretor do Instituto de Investigações sobre Comunicação (Ininco) da Universidade Central da Venezuela. — Na verdade o que há é uma hegemonia presidida por um partido oficial, que se encarrega de difundir a doutrina política do governo.
Num domingo qualquer, por exemplo, em quase metade do espectro FM das rádios de Caracas, se retransmitem os programas “Alô, presidente”, instaurados pelo falecido Chávez. As mensagens institucionais da Venezolana de Televisión (VTV), canal do governo, se referem constantemente a representantes da oposição como “traidores da pátria”. Atualmente se concentram na imagem do falecido presidente, procurando demonstrar que seu legado continua: “Chávez vive, a pátria segue”. A mensagem se repete pelo menos cem vezes ao dia.
Informação governamental vedada
Gloria Cuenca, professora de Ética e Leis de Mídia, explica que a hegemonia que se implementa na Venezuela vai além dos meios que o governo controla.
— A liberdade de expressão que existe na mídia é parcial e mediada, e o custo é alto. Jornalistas sofrem diariamente agressões e perseguição ao tentar levar ao público alguma notícia. A informação governamental está totalmente fechada para os meios independentes e livres, cujos repórteres não conseguem acesso.
Denúncias sobre qualquer tema, nas televisões e rádios da plataforma oficial rebatizada como “Sistema Bolivariano de Comunicação e Informação”, só surgem quando ocorrem em regiões e municípios governados por líderes da oposição.
O governo também capricha no uso da mídia, obrigando cadeias de rádio e TV a transmitir mensagens da Presidência da República com frequência. Segundo Cañizales, o presidente Maduro já fez 86 horas de pronunciamentos este ano, o que dá, desde sua posse, uma média diária de 32 minutos no ar.
Mas os espectadores se cansam. Segundo estudo da agência AGB Panamericana, que mede os índices, em julho canais do Estado só alcançaram 13% de audiência.
As recentes decisões judiciais contra a mídia na Venezuela mostraram a difícil situação da imprensa no país. Neste contexto, o Grupo de Diarios América (GDA), do qual O GLOBO participa, realizou uma série especial, que se encerra nesta quarta-feira, sobre a situação da imprensa venezuelana

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Pressão sobre a mídia se torna política de Estado na Venezuela

Só este ano houve 193 casos de agressão contra liberdade de expressão

VALENTINA LARES MARTIZ - “EL TIEMPO”/GDA

CARACAS - A perseguição à imprensa na Venezuela vem se tornando algo institucional no país, com funcionários oficiais e poderes públicos orientados a limitar o acesso à informação. Relatório de 2012 da associação civil Espaço Público contabilizou 248 denúncias de agressão contra a liberdade de expressão — desde agressões diretas (61 denúncias) até ciberataques (51 denúncias), passando por intimidação (51 denúncias) e censura (53 denúncias). A divisão venezuelana do Instituto Imprensa e Sociedade reportou, por sua vez, 193 casos até agora em 2013, e ambas as organizações destacam que os ataques à mídia já se tornaram uma política de Estado. Para se ter uma ideia da gravidade da situação, no Peru o instituto contabiliza apenas 43 alertas.
Ao lado de Cuba e Equador
Segundo informe da Freedom House sobre liberdade de expressão nas Américas, também de 2012, a Venezuela está junto de Cuba, Equador, Honduras, México e Paraguai na categoria de países considerados “sem imprensa livre”.
— Depois do referendo que ratificou a manutenção de Hugo Chávez na presidência, em 2004, essa política anti-imprensa começou a configurar-se através de processos normativos, da criação da Lei de Conteúdos e da reforma do Código Penal. Iniciaram-se os processos judiciais contra jornalistas e a perseguição aos meios de comunicação, tendo sempre como pano de fundo o insulto e a desqualificação — explica Carlos Correa, diretor da Espaço Público.
O ato de censura mais forte deste ano até agora foi a recente multa imposta ao jornal “El Nacional” — de 1% de sua receita bruta — por publicar uma foto do necrotério de Caracas com pilhas de cadáveres, resultantes do clima de insegurança na capital. Além de multar o diário, o governo proibiu a imprensa de publicar qualquer foto que mostre agressividade ou violência.
Mas este não foi o único exemplo da perseguição à mídia no país. No começo de agosto, foi detido o proprietário e editor do grupo Sexto Poder, Leocenis García, crítico do chavismo, acusado de lavagem de dinheiro. García, que já fora preso em outras ocasiões por suas denúncias, está detido atualmente na Direção de Inteligência Militar e permanece há duas semanas em greve de fome. Seu semanário, o “Sexto Poder”, deixou de circular.
Fora de Caracas, a situação só piora. A imprensa do interior é vítima de todo tipo de pressão, especialmente a econômica, em estados que dependem da administração regional e nacional como fontes de receita publicitária — caso de Sucre, Monagas, Portuguesa, Falcón e Apure.
— O problema do governo não é com a oposição, é com a crítica, venha de onde vier... e esse é justamente o trabalho da mídia — declara Correa. — E há uma hipersensibilidade potencializada pelo último resultado eleitoral. O presidente Nicolás Maduro obteve 50% dos votos, num resultado que está em dúvida, por isso se associa qualquer crítica à “traição da pátria” e procura-se debilitá-la com todo tipo de pressão.
As recentes decisões judiciais contra a mídia na Venezuela mostraram a difícil situação da imprensa no país. Neste contexto, o Grupo de Diarios América (GDA), do qual O GLOBO participa, realizou uma série especial sobre a situação da imprensa venezuelana, que não difere muito do que ocorre em países como Argentina e Equador.

Facebook atinge valor de US$ 100 bilhões


NOVA YORK Após um longo período de desconfiança, o Facebook parece ter, enfim,
conquistado os investidores. Ontem, o valor de mercado da companhia ultrapassou a
barreira dos US$ 100 bilhões. Durante o pregão, as ações alcançaram US$ 41,94, o
maior valor desde a oferta publica inicial, em 18 de maio de 2012, e fecharam em
alta de 1,95%, a US$ 41,34. No ano, os papéis da rede social já avançaram 52%,
contra ganho de 17% do índice Standard & Poor's 500. O otimismo vem dos resultados apresentados pela empresa no segundo trimestre do ano, apontando que 41% do
faturamento com publicidade foi gerado em dispositivos móveis, como tablets e
smartphones.

- O mercado está ganhando confiança de que o Facebook será uma máquina viável de geração de receita no futuro - disse Laurence Balter, analista da Oracle Investment Research, em entrevista à Bloomberg. Ao ultrapassar a barreira dos US$ 100 bilhões, a empresa ingressa no grupo de elite das companhias de tecnologia. 
Fazem parte desta lista a Amazon, avaliada em US$ 132 bilhões; a Intel, com valo de US$ 112 bilhões; e as gigantes Apple (US$ 450 bilhões), Microsoft e Google (ambas com US$ 290 bilhões).

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Liberdade em risco

Segundo ANJ, houve onze casos de ações judiciais que impediram a divulgação de reportagens em 2012

MAIÁ MENEZES (EMAIL · FACEBOOK · TWITTER)


Justiça proíbe publicação de investigação contra desembargador Clayton Coutinho de Camargo, presidente do Tribunal de Justiça do Paraná
Foto: Ivonaldo Alexandre/ Agência de Notícias Gazeta do Povo
Justiça proíbe publicação de investigação contra desembargador Clayton Coutinho de Camargo, presidente do Tribunal de Justiça do Paraná Ivonaldo Alexandre/ Agência de Notícias Gazeta do Povo
RIO E BRASÍLIA - O mais novo caso de veto judicial ao trabalho jornalístico no país — a proibição de que o jornal “Gazeta do Povo”, do Paraná, publique informações sobre investigações abertas contra o presidente do Tribunal de Justiça do estado, Clayton Camargo — reabre o debate sobre a censura prévia ao trabalho da imprensa. A decisão, noticiada sábado pelo jornalista Ancelmo Gois em sua coluna em O GLOBO, é, para especialistas, mais uma no rol das que abalam a liberdade de expressão no Brasil, que, em 2012, caiu de 99 para 108 no ranking mundial sobre o tema, divulgado pela ONG Repórteres Sem Fronteiras. Dados da Associação Nacional de Jornais (ANJ) mostram que, no ano passado, houve onze casos de ações judiciais que impediram a divulgação de reportagens.
— É lamentável. Trata-se de pura e simples censura, o que é proibido pela Constituição. Isso tem sido recorrente. Com muita frequência ,essas decisões posteriormente são revogadas com os recursos. Mas o mal já está feito. Porque a censura, mesmo por pouco tempo, é uma inconstitucionalidade — analisa o diretor-executivo da ANJ, Ricardo Pedreira.
Relatório da Sociedade Interamericana de Imprensa, de abril, aponta a preocupação com “a recorrência de decisões judiciais proibindo previamente a divulgação de informações pelos meios de comunicação”. A SIP cita especificamente o caso do jornal “O Estado de S. Paulo, que segue proibido de divulgar informações sobre processo contra um dos filhos do senador José Sarney, Fernando Sarney.
— Pessoalmente, entendo que liberdade de imprensa é, antes de tudo, liberdade de informação. Assim, tudo o que for veículo de informação deveria estar a salvo de qualquer censura — disse o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Ayres Britto, que, na última sessão como presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em novembro passado, criou o Fórum Nacional do Poder Judiciário e Liberdade de Imprensa.
— A informação verdadeira é um direito dos cidadãos. Quem se coloca contra a liberdade de expressão são as autoridades. Estamos diante de uma ofensiva judicial para retirar do povo, por caminhos transversos, o direito à informação — avalia o deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ), que acaba de assumir a presidência da comissão de liberdade de expressão da OAB-RJ.
Decisão atinge também conteúdo digital
Em abril, o CNJ abriu a investigação para apurar a suspeita de venda de sentença por Cleyton Camargo. A advogada de uma das partes de uma ação que julgou, quando atuava como magistrado da área de Família, o acusou de ter recebido dinheiro para decidir em favor da outra parte, em uma ação que envolvia disputa de guarda de filhos, em 2011. No mês passado,a corregedoria do CNJ abriu outro procedimento, desta vez para investigar suspeita de que Cleyton Camargo teria usado sua influência para favorecer a candidatura do filho, o deputado estadual Fábio Camargo (PTB), à vaga de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Paraná. Fábio tomou posse no final de julho. Procurados pelo GLOBO, o presidente do TJ e o deputado não foram localizados.
A liminar garantindo que as notícias sobre as denúncias não fossem publicadas no jornal foi concedida há um mês. O desembargador, no pedido, sustenta que “os fatos em notícia (...)vieram impregnados pelo ranço odioso da mais torpe mentira”. Ele pede, ainda, que as reportagens sejam retiradas da página do jornal na internet.
Ayres Britto admite que ainda há um vazio quando se trata de informações jornalísticas publicadas pela internet.
— Em 1988, já havia computadores, mas não havia uma rede planetarizada, não havia conectividade. Assim, a Constitução não trata de liberdade de imprensa na internet. Isso é um assunto complexo que demanda uma discussão mais aprofundada — explicou o ex-ministro.
¨— Essa indústria de ações contribui para levar o Brasil a posições ruins no ranking da liberdade de imprensa — diz o presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Marcelo Moreira.
Na decisão, o juiz Benjamin Acácio de Moura e Costa destaca caráter “degradante e pessoalizado” nas reportagens, “transcendendo o dever informativo”, criando o que chama de “garupa na liberdade de imprensa, constitucionalmente garantida, um instrumento por vezes leviano de se atingir a pessoa humana”. A “Gazeta do Povo”, no recurso ajuizado este mês, sustenta que “não existe qualquer agressão a direitos da personalidade do autor, mencionado nas reportagens na qualidade de autoridade pública” e que “as reportagens que abordam as investigações empreendidas servem ao acervo de informações disponíveis sobre a história do Paraná e o direito à história não permite o uso da borracha”. (Colaboraram: Martha Beck e Cleide Carvalho)

Eles vão prever o que você vai fazer

Opinião - Evandro Milet

Em seu conto "O Aleph", de 1949, Jorge Luis Borges relata o dia em que viu, no porão de uma casa nos arredores de Buenos Aires, o Aleph, uma esfera furta-cor de dois ou três centímetros de diâmetro, onde se concentravam todos os pontos do universo, todos os rostos, todos os lugares, todas as coisas. Depois disso, onde andasse, tudo lhe parecia familiar. Depois ele mesmo explicaria: "O que a eternidade é para o tempo, o Aleph é para o espaço."

Parece que a ficção fantástica vira realidade e qualquer um hoje pode ver, não em uma esfera, mas em uma tela plana de poucos centímetros de um smartphone, todos os rostos nas redes sociais, todos os lugares no Google Earth com Street View e todas as coisas com os mecanismos de busca e a proliferação do big data.

E a realidade supera a ficção porque não apenas vemos tudo, mas também nos comunicamos com todos sem precisar ir a um porão - a não ser para tentar pegar o difícil sinal da operadora - enquanto a próxima geração da internet das coisas permitirá que os objetos se comuniquem entre si com base nos sensores que estarão em todos os lugares.

Mas o que é big data? Segundo a IBM, todos os dias criamos 2,5 quintilhões de bytes de dados - tanto que 90% dos dados hoje existentes no mundo foram criados nos últimos dois anos. Esses dados vêm de muitas fontes: sensores de todo tipo, fotos e vídeos de internet e de todas as câmeras de vigilância, registros de transações financeiras e de compras, registros médicos, sinais de GPS, gravação de vozes, posts de mídias sociais, e-mails, impostos e processos judiciais entre inúmeras outras, enfim tudo que possa interessar aos espiões do Obama.

Para se ter ideia da importância do tema, um recente relatório da empresa de consultoria McKinsey elege cinco oportunidades capazes de virar o jogo para o crescimento dos Estados Unidos: gás de xisto, mercado de bens intensivos em conhecimento, crescentes investimentos em infraestrutura, um efetivo sistema de desenvolvimento de talentos pela educação e o potencial do big data analytics de aumentar a produtividade.

As análises e os cruzamentos que só se conseguia fazer por amostragem agora podem ser feitos com a totalidade dos dados em consequência da evolução da velocidade e da capacidade de armazenamento dos computadores. Para essa nova atividade são necessários novos perfis profissionais, e imensas oportunidades surgem para a biologia e a medicina, previsões de desastres naturais ou atentados terroristas, exploração de petróleo, detecção de fraudes, serviços governamentais, estratégias de marketing e sobretudo, para o bem e para o mal, um amplo conhecimento sobre os hábitos, desejos e comportamento de cada pessoa.

Novamente a realidade supera a ficção quando o Big Brother não apenas verá o que você faz, mas será capaz de prever o que você fará.

Qualquer planejamento de empresas ou governos para os próximos anos deverá dar a atenção adequada a esse novo tema.

Agência de Segurança Nacional dos EUA decodificou comunicações da ONU

Sistema de videoconferências da organização foi invadido, diz revista


Assembleia Geral da ONU, em novembro do ano passado
Foto: STAN HONDA / AFP
Assembleia Geral da ONU, em novembro do ano passado STAN HONDA / AFP
BERLIM — A Agência de Segurança Nacional (NSA) dos Estados Unidos grampeou a sede da Organização das Nações Unidas, em Nova York, segundo reportagem publicada neste domingo pelo semanário alemão “Der Spiegel”, a última de uma série que demonstrou como foram interceptadas informações de dezenas de instituições e países. As revelações poderão aumentar a tensão entre Washington e seus aliados.
Em meados de 2012, especialistas da NSA conseguiram invadir o sistema de videoconferências da ONU e decodificaram seu sistema criptográfico, de acordo com um documento mencionado pela revista, em que o feito é comemorado com uma interjeição: “O tráfego de dados nos dá videoconferências internas das Nações Unidas (oba!)”.
A partir daí, afirma a reportagem, a organização americana de espionagem conseguiu “uma melhora dramática” na capacidade de angariar e decifrar dados que circulam internamente na ONU, fazendo com que a quantidade de comunicações decodificadas pulasse de 12 para 458, num intervalo de apenas três semanas. Numa ocasião, um agente secreto chinês chegou a ser detectado na rede de comunicações das Nações Unidas.
A questão se torna ainda mais delicada ao se levar em conta que os Estados Unidos haviam assinado um acordo pelo qual se comprometiam a não realizar ações secretas na sede da ONU, que fica em Nova York.
Com base naquele e em outros documentos secretos americanos obtidos através do ex-técnico da CIA e da NSA Edward Snowden, “Der Spiegel” revelou novos alvos do sistema de espionagem americano. De acordo com a publicação, a agência de Inteligência visava à União Europeia e ao braço para assuntos nucleares da ONU, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), sediada em Viena.
Os arquivos confidenciais mostram que a NSA continuou a espionar a delegação da União Europeia em Nova York após ela ter se mudado, no segundo semestre de 2012, para um novo endereço (no anterior, já houvera denúncias de escutas). Entre os documentos copiados dos computadores da NSA por Snowden, constam planos da missão da UE, sua infraestrutura de tecnologia da informação e seus servidores.
O novo edifício da UE em Nova York recebia da NSA o codinome de Apalache, e a embaixada comunitária em Washington, o de Magothy. A agência americana recorreu a vírus para se infiltrar nos equipamentos de telecomunicação de ambos os núcleos, copiou os dados em discos rígidos e aproveitou o estabelecimento de uma rede privada virtual (VPN) entre as sedes para bisbilhotá-las.
“Quando perdemos o acesso a um dos dois lados, podemos reavê-lo através da VPN do outro lado. Fizemos isso em várias ocasiões quando nos expulsaram do Magothy”, explica uma circular interna da NSA.
Os arquivos mostram, ainda, que a NSA coordena um programa de grampo em mais de 80 embaixadas e consulados no mundo inteiro, chamado Serviço Especial de Coleta. Essa operação, que na maioria dos casos era feita sem o conhecimentos dos países anfitriões, tinha sedes em Frankfurt e em Viena. “A vigilância é intensa e bem organizada e tem pouco ou nada a ver com o combate a terroristas”, concluiu “Der Spiegel”.
O interesse da NSA nas Nações Unidas não é um fato inédito, embora não se soubesse até agora que sua sede e sua rede de videoconferências haviam sido violadas. No mês passado, veio à tona que a NSA espionara países-membros do Conselho de Segurança da ONU em 2010 - incluindo o Brasil - antes da votação das sanções contra o Irã, por causa do programa nuclear do país do Oriente Médio. O objetivo era saber como votariam os integrantes do órgão. A informação foi revelada pela revista “Época”, que teve acesso a documentos da agência americana.

Internet e TV, juntas e misturadas

  • Cresce o número de pessoas que navega na rede na frente da TV
  • RENNAN SETTI (EMAIL · FACEBOOK · TWITTER)


Tela Dupla: Manoel Magalhães é assíduo no internet, mas não abre da TV
Foto: Daniela Dacorso / O Globo
Tela Dupla: Manoel Magalhães é assíduo no internet, mas não abre da TV Daniela Dacorso / O Globo
RIO - Desde que está entre nós, a internet é bode expiatório de quem diz não ter tempo para mais nada. Quem nunca ouviu que o Facebook não deixa espaço para o convívio com amigos ou que o YouTube tomou o lugar da TV entre os vícios que sugam as horas? Mas estudos recentes, feitos com base na análise detalhada do tempo gasto com toda sorte de atividades, absolvem a rede. Em suma, perdoem os internautas, eles não sabem do que reclamam.
Uma das pesquisas cruzou resultados de dois grandes levantamentos sobre o uso do tempo nos Estados Unidos: o General Social Survey (GSS), que ouviu 55 mil americanos entre 1974 e 2012; e o American Time-Use Survey, para o qual colaboraram mais de 100 mil pessoas de 2003 a 2011. A conclusão vai de encontro a dois mitos sobre a influência “maligna” da internet: de que ela prejudica a vida social e que ela é responsável pela queda de interesse em outras mídias, como a TV.
Veja o caso dos contatos sociais. Durante os anos 70, duas décadas antes da internet comercial, os americanos faziam em média 68,4 visitas a parentes por ano. Em 2012, em pleno frenesi digital, o número subiu para 84,7. Os encontros com amigos subiram de 42,2 para 52,8. No ano passado, quem não é internauta viu seus amigos 44 vezes ao ano, em média, enquanto quem navegava mais de 10 horas por semana frequentou os amigos 61,3 vezes.
Outra pesquisa, apresentada na conferência sobre uso do tempo que aconteceu no Rio há duas semanas, também descarta o encolhimento da TV na era digital. Na verdade, a televisão está florescendo. Segundo os dados — levantados na Holanda — o telespectador assistia, em média, a dez horas de TV por semana em 1975; em 2011, eram quase 15 horas, crescendo sobretudo a partir de 2006.
— O tempo gasto em frente à TV ainda é muito grande. Entre 2000 e 2005, quando vimos uma queda, pensei que estivéssemos diante do princípio do fim da TV. Foi então surpreendente constatar, entre 2006 e 2011, que o meio voltou a crescer — lembrou Jos de Haan, especialista em uso do tempo do Instituto Holandês de Pesquisa Social, que conduziu o trabalho. — Ainda não sabemos o motivo disso tudo, mas a verdade é que as ferramentas digitais dão novas oportunidades para assistir à TV, como vídeos sob demanda e possibilidade de gravar a programação.
A TV continua forte também nos EUA. Os americanos passam em frente ao aparelho o mesmo tempo que passavam nos anos 70: 2,8 horas por dia, na média, de acordo com John Robinson, da universidade de Maryland. Segundo o outro estudo esmiuçado pelo pesquisador, os internautas consomem 16,1 horas de programação televisiva por semana, contra as 16,6 horas dos não internautas, diferença estatisticamente insignificante.
Usuários se dividem
No Brasil, que se orgulha tanto de seu apreço pela internet quanto de sua tradição televisiva, a batalha entre as mídias pelo tempo do consumidor também não registra baixas para nenhum dos lados.
O brasileiro gastou em junho 33,4 horas por semana navegando na rede, atrás apenas de Reino Unido, EUA e Canadá, segundo Alex Banks, vice-presidente para América Latina da firma de pesquisas comScore. A pesquisa considerou apenas acesso em desktops e laptops em casa e no trabalho, excluindo, portanto, celulares e lan houses. É verdade que esse tempo é bem maior que o gasto com TV — pesquisa-piloto do IBGE calcula que sejam cerca de 18 horas semanais. Mas a importância dada ao veículo está crescendo: 55% dos internautas brasileiros consideravam aquela mídia “muito importante” no meio deste ano, contra 50% um ano antes, mostrou a comScore. A fatia dos internautas que assistem à TV mais de uma vez ao dia saltou de 56% para 60% em um ano.
Aos 31 anos, o músico e redator Manoel Magalhães viveu metade da vida fora da internet e outra metade imerso nela. Mas sua paixão pela TV, nutrida desde a infância, passou incólume pela transição. São mais de 30 horas semanais assistindo a debates sobre futebol, documentários sobre música e programas do universo pop.
— O tipo de entretenimento que a TV me proporciona, a internet não substitui. Eu gosto de chegar em casa do trabalho, ligar a TV e ser surpreendido por algum programa que alguém escolheu para mim. Na internet, eu tenho preguiça de procurar o que quero ver. Na TV, há uma curadoria do conteúdo, é quase como a indicação de um amigo — contou Magalhães, que também é assíduo em redes sociais e sites noticiosos.
De fato, as duas mídias têm andado cada vez mais juntas. A pesquisa da comScore afirma que 73% dos internautas acessam a rede enquanto assistem à TV, sendo que 37% fazem isso sempre. O tempo não está sendo dividido pelas mídias, é o usuário que se divide para dar conta da simultaneidade da informação. É o fenômeno da segunda tela, que torna possível usar o Twitter como indicador de audiência, como faz a firma de pesquisas Nielsen
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domingo, 25 de agosto de 2013

Subsídio para TV digital pode chegar a R$ 130

Governo estuda dar ‘vale’ para baixa renda. Sinal analógico será desligado em 2015


Destaque na sala. Na cidade satélite do Gama, em Brasília, Elaine Pereira e a família ainda tem uma tevê de tubo de 20 polegadas e não sabiam da mudança
Foto: Jorge William / Jorge William/22-8-2013
Destaque na sala. Na cidade satélite do Gama, em Brasília, Elaine Pereira e a família ainda tem uma tevê de tubo de 20 polegadas e não sabiam da mudança Jorge William / Jorge William/22-8-2013
BRASÍLIA - Em março de 2015, o sistema analógico de transmissão de TV começará a ser desligado no país. Nos municípios onde houver a mudança de tecnologia, as TVs de tubo só poderão ser usadas com conversor. Assim, o governo corre para fechar a fórmula que irá facilitar o acesso aos aparelhos digitais para a população mais pobre. Nos próximos dias, a presidente Dilma Rousseff receberá das áreas técnicas proposta de concessão de subsídio por meio de um voucher.
O valor estimado é entre R$ 80 e R$ 130, para que as famílias das classes mais baixas possam escolher qual tipo de equipamento querem comprar: um conversor a ser acoplado na TV de tubo, ou um televisor novo, com financiamento do restante do valor.
O diretor do Departamento de Setores Intensivos em Capital e Tecnologia do Ministério do Desenvolvimento, Alexandre Cabral, informou que, pelas contas do governo e do setor produtivo, a concessão do voucher terá que alcançar 12 milhões de famílias, selecionadas dentro do Cadastro Único dos Programas Sociais. Os custos do programa, dependendo do valor do voucher definido pelo governo, vão variar entre R$ 960 milhões e R$ 1,56 bilhão. O governo quer definir a política e o subsídio até o fim do ano, para que o programa saia em 2014.
— Traçamos um rol de soluções que vão desde um conversor digital até algum dispositivo mais avançado, uma TV pronta para inclusão digital, com um novo hardware — disse Cabral.
Financiamento para novos aparelhos é discutido
O plano do Ministério das Comunicações é desligar o sinal analógico em 2.309 cidades em 2015, onde vivem 71% da população, ou 137 milhões de pessoas, em 41,5 milhões de domicílios.
Outra proposta em discussão é um programa semelhante ao “Minha Casa Melhor” com financiamento a juros baixos para a compra de televisores novos pela população de baixa renda.
A opção de concessão de benefício fiscal para as indústrias produzirem um equipamento digital mais barato está praticamente descartada. É considerada inviável pelo presidente da Associação Nacional de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros), Lourival Kiçula, pois as TVs já têm uma carga tributária baixa. Segundo Kiçula, com produção em Manaus, as TVs são beneficiadas com IPI zero, redução de ICMS, e Imposto de Importação 88% menor.
O diretor geral da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e TV (Abert), Luis Roberto Antonik, disse que a principal preocupação dos radiodifusores é se a população vai contar, a partir de 2015, com receptores de TV digital a um preço mais acessível. Para ele, o governo deveria implementar um programa semelhante ao de trocas de geladeiras por outras mais econômicas.
Elaine Alves Cristina Ferreira, 37 anos, auxiliar de cozinha desempregada, tem apenas um aparelho de tubo, de 20 polegadas. Ela mora com o marido e três filhos no Gama, cidade satélite a 45 quilômetros de Brasília, e a TV ocupa um lugar de destaque na sala. Eles recebem o Bolsa Família. Ela não sabia que a partir de 2015 começa o desligamento da TV analógica, que obrigará a família a modernizar sua TV.
— Nunca vi propaganda sobre isso. O certo era o governo falar. Faz parte dos nossos planos trocar de TV. Troco antes de 2015, se Deus quiser!

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Lembram-se? Consenso de Washington

Repararam no que pediram os empresários vencedores do Prêmio Valor Econômico? Menos intervenção do governo, menos regras

ARTIGO - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

E essa agora, hein? O motor da economia mundial está de novo nos Estados Unidos. E não porque os EUA abandonaram a prática do seu capitalismo, mas, ao contrário, porque a energia do mercado funcionou amplamente.
Ora, mas isso é óbvio, poderiam dizer. A recuperação do capitalismo só poderia vir da principal economia capitalista.
Pois é, mas não era essa a história que se contava, com ampla aceitação, há poucos quatro anos.
Lembram-se? A crise financeira de 2008/09, criação dos EUA, seria o muro de Berlim do capitalismo; a Zona do Euro desabaria com suas políticas de ajuste; os Estados Unidos seriam superados pela China ; e os emergentes triunfariam com suas próprias forças, independentemente da liderança e da vontade dos ricos.
Dirigentes chineses diziam, entre irônicos e sérios: agora nós é que daremos lições ao Ocidente, inclusive na organização política. Líderes dos emergentes, Lula à frente, celebravam a política de intervenção estatal como a “nova economia”.
Analistas resumiam: sai o Consenso de Washington, entra o Consenso de Beijing.
O panorama visto hoje é o contrário disso. Começa pela recuperação dos EUA. Sim, o governo Obama gastou dinheiro público para impedir a quebradeira de bancos e grandes empresas. E o Federal Reserve, o banco central deles, evitou a grande depressão e criou bases para a retomada com a enorme injeção de dinheiro no mercado.
Mas impedir o desastre não garante a retomada. Esta veio do ajuste feito pelas empresas e famílias, reduzindo endividamento, saneando finanças, renovando investimentos e consumo. Privados, sobretudo no setor imobiliário. E com inovações, como o extraordinário evento do gás de xisto — um resultado acabado da economia de mercado.
George Mitchell, engenheiro e geólogo, acadêmico e empreendedor no negócio de petróleo, desenvolveu, durante anos de pesquisa e experimentos, uma nova tecnologia de extração do gás de xisto. Investiu dinheiro e conhecimento para simplesmente revolucionar o setor de energia. Quando o sistema finalmente funcionou, as imensas reservas no xisto tornaram-se economicamente viáveis e o preço do gás desabou nos EUA. Isso barateou investimentos em toda a indústria, especialmente na petroquímica, e reduziu gastos das famílias.
Tudo pelo mercado, não por políticas públicas. Mitchell teve espaço institucional para desenvolver sua livre iniciativa.
Isso foi um marco, mas é o conjunto da economia americana que se move. Bancos e empresas que foram salvos pelo governo estão recomprando ações e devolvendo o dinheiro público. E até o ajuste das contas públicas está sendo feito antes do esperado. Saiu atrapalhado por conflitos políticos, Obama reclamou de cortes de gastos que foi obrigado a fazer, mas, quando foram ver, o déficit público despencava e a economia continuava andando com as pernas do setor privado.
Dizem que poderia ter andado mais se mantidos os gastos do governo. Pode ser, mas também é verdade que o arranjo das contas federais melhora o ambiente para os próximos meses.
Olhem agora para o outro lado. A China desacelera e começa a mudança de modelo. Qual mudança? Mais salário, mais consumo, e uma boa reforma no amplo setor estatal, de modo a privatizar, com o perdão da palavra, e dar mais eficiência a companhias do governo. Ou seja, mais mercado.
Nos países emergentes, a desaceleração é geral. Parte dela se deve à mudança da política monetária americana, que está levando capitais de volta aos EUA. Todos sofrem com isso, mas alguns sofrem mais. Quais? Aqueles que foram apanhados com baixo crescimento, inflação alta, déficit nas contas externas e desarranjo nas contas públicas, circunstâncias que levam a uma desvalorização maior da moeda local — e que devem exigir juros maiores.
Pensaram no Brasil?
Pois é. Mas repararam bem no diagnóstico? Falharam aqueles que desrespeitaram os fundamentos clássicos: não pode ter inflação (e 6% ao ano é, sim, inflação alta); não se pode aumentar gasto público sem adequado financiamento; as contas externas precisam estar equilibradas; e é preciso criar condições institucionais que estimulem os investimentos privados, especialmente no setor de infraestrutura.
Não é o que o governo Dilma faz, embora seja o que tem prometido. Mas assim de contragosto, porque, sem querer provocar, estão ali as bases do Consenso de Washington. Repararam no que pediram os empresários vencedores do Prêmio Valor Econômico? Menos intervenção do governo, menos regras.
Em resumo, fica a lição americana. A boa ação do Estado é aquela que abre espaço para o funcionamento do mercado. E o bom gasto público, financiado sem truques, deve se concentrar em educação, saúde, segurança.
As voltas que a história dá.
Carlos Alberto Sardenberg é jornalista