Pedro Doria
O colunista escreve toda terça-feira
Microblog é bom para se manter informado. Mas o jornalismo de qualidade não pode ser fragmentado
Na última quinta-feira, pelo Twitter, a empresa Twitter anunciou que fará sua abertura de capital, o IPO, ainda este ano. A do Facebook, no ano passado, foi um fiasco. As ações, que abriram a US$ 38, se estabilizaram em US$ 20. Quase a metade. No sábado, um dos três fundadores do Twitter, Evan Williams, deu uma entrevista ao repórter Gregory Ferenstein, do site TechCrunch, reclamando da qualidade geral da imprensa, da imprensa de tecnologia em particular, e dizendo que tem uma ou duas ideias sobre como resolver a questão.
Williams, ou Ev, como é conhecido, tem um quê de mito. Poucos no Vale do Silício têm o histórico de acertar grande duas vezes. É seu caso. Foi um dos criadores do Blogger, a primeira ferramenta que permitia a qualquer um ter seu próprio blog. Fácil de usar que só. É uma ideia do tempo em que ainda era preciso explicar o que blogs eram. O Blogger foi vendido para o Google, Ev tornou-se milionário. Testou possíveis outros projetos, terminou se fixando no Twitter. É uma das redes sociais mais importantes que há, particularmente eficaz como canal de distribuição de notícias.
“O noticiário geral não é importante na maioria das vezes”, disse ao TechCrunch. “A maioria das pessoas faria bem por gastar menos tempo consumindo notícias e mais se envolvendo com ideias de grande importância.” O principal problema do fundador de Blogger e Twitter é com a notícia que vem picada, vários pedaços hoje, outros tantos amanhã, o constante fluxo de acontecimentos registrados pela imprensa. Ev é um sujeito brilhante. Talentoso. Mas não só está errado, como não parece muito capaz de autocrítica.
Um dos efeitos da internet sobre o jornalismo foi a fragmentação. Se esperávamos que o noticiário escrito chegasse diariamente à porta de casa, bem editado e organizado, a web mudou isso. É da natureza do meio. Na web, é natural que o critério do tempo se sobreponha ao da importância da notícia. A manchete do site é algo que ocorreu recentemente, não o que foi mais importante no dia. Blogs, reforçando a importância do que é mais recente, ampliaram esta percepção das notícias que vêm numa torrente sem fim. O Twitter, resumindo em cento e tantos toques o que há para ser dito, jogou a pá de cal. O modelo é sólido.
É da natureza da web um jornalismo mais ligado na notícia do que em sua compreensão. Mais ligado nos fatos do que na reflexão. Mas Ev provavelmente abandonou, ao longo da digitalização do mundo, outros lados da imprensa. Porque continua havendo imprensa reflexiva, que tanto busca fatos quanto se debruça para compreender o que dizem. Na internet, ela é mais rarefeita.
E, na imprensa tradicional, quem mais sofreu com o impacto da web foi justamente o jornalismo de nicho.
Nos anos 1970 e 80, mesmo em boa parte dos anos 90, a imprensa de tecnologia dos EUA foi grande. Não apenas extremamente rentável como muito dedicada. Repórteres faziam grandes viagens, gastavam sola de sapato, investigavam práticas da indústria. Os primeiros cinco anos da revista Wired talvez tenham marcado o ápice do jornalismo de qualidade no Vale do Silício. Reflexivo, inteligente, bem escrito.
Hoje, há muito mais repórteres trabalhando na cobertura da área do que jamais houve. A maioria fica trancada num escritório escrevendo posts a alguns centavos por unidade. Há análise pela metade, piadas bobas, muita informação que nasce de buscas pela web e press releases. Algumas entrevistas, não muitas. No centro de tudo está o custo: publicidade, nem nos EUA, nem na maioria dos cantos do mundo, sustenta jornalismo de nicho de qualidade.
O Twitter é uma empresa bem mais modesta do que o Facebook. O valor final do negócio deve ficar na casa dos US$ 15 bilhões contra os quase US$ 100 bilhões do primo grande. É, aparentemente, também um negócio mais bem gerido. E Twitter é uma delícia de usar para quem gosta de se manter informado. Tem imensas qualidades. Jornalismo bom, porém, continua caro de fazer.
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