Dilma fez bem ao defender na ONU um marco civil multilateral para a rede planetária de computadores. Precisa, no Brasil, impulsionar a votação de projeto semelhante
EDITORIAL
Na parte inicial de seu discurso na abertura da Assembleia Geral da ONU, terça-feira, a presidente Dilma Rousseff cumpriu o que prometera ao reagir às primeiras denúncias de que o sistema eletrônico de espionagem americano escolhera o Brasil como alvo, e alinhou algumas propostas para um “marco civil multilateral” de governança da internet. O que menos importa na questão é a espionagem institucional. Claro que toda invasão de privacidade precisa e deve ser reprimida, mas não será por tratados internacionais que esta secular atividade será contida. O Brasil e qualquer outro país — independentemente das necessárias reclamações e denúncias públicas — que tratem de investir em tecnologia para proteger seus segredos da bisbilhotagem neste mundo digital sem fronteiras e cada vez menor.
Espionagem à parte, há vários aspectos a serem abordados numa regulação do uso da internet, mas sempre com a preocupação de se preservar sua característica básica, a da liberdade de expressão, também abordada por Dilma.
Em alguns pontos, a presidente relacionou vários princípios que uma governança multilateral da internet deve preservar: ser democrática, estimular a “criação coletiva e a participação da sociedade, dos governos e do setor privado”; ajudar na construção de “sociedades inclusivas e não discriminatórias” e exercitar a diversidade cultural, sem impor crenças, costumes e valores. A não ser em regimes autoritários, não há quem possa se opor a estes predicados. Dilma incluiu, ainda, na sua lista de sugestões, a “neutralidade de rede”, a fim de que não haja restrições ao tráfego na internet “por motivos políticos, comerciais, religiosos ou de qualquer outra natureza”.
O termo é meio obscuro — “neutralidade de rede” — mas designa um vespeiro, em que se engalfinham grandes companhias de telecomunicações, provedores na rede mundial de computadores, de um lado, e, de outro, o usuário — da Google à pessoa que navega na internet em casa, à noite. A briga é mundial. Em busca de mais faturamento, as telecoms querem, no Brasil, nos Estados Unidos, onde for, cobrar tarifas maiores de quem trafega mais na rede e/ou necessita de mais velocidade e espaço para os seus arquivos.
Para Google e grandes sites jornalísticos, não haveria problema pagar mais. Mas não para pequenos empreendedores, por exemplo. Assim, acabar com a “neutralidade de rede” é erguer uma barreira de entrada a novos concorrentes no mundo digital. E, com isso, pulverizam-se duas características pétreas da internet: ser livre e aberta a todos. Parece ilusório levar esta discussão à ONU, como fez Dilma. Não parece, porque é preciso colocar este tema em todos os fóruns multilaterais. Não apenas nas Nações Unidas. A própria presidente deve defender internamente a “neutralidade de rede”, como fez em Nova York, por ser a inclusão deste conceito na proposta de Marco Civil para a internet no país que trava a tramitação do projeto na Câmara.
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