Veja alguns dos principais tópicos abordados pelo cientista Silvio Meira na palestra em comemoração aos 20 anos do caderno Boa Chance
RIO — Estamos entrando na era da programabilidade, ao mesmo tempo em que vivemos a quinta onda de inovação, que move o mercado de trabalho — e o mundo. Ou seja, desenvolver raciocínio de programação será básico, em diferentes profissões. Assim, na onda de softwares e redes, o profissional precisará aprender sempre, e cada vez mais, para manter o seu lugar. O tempo de “vida útil” de um engenheiro, por exemplo, é de apenas cinco anos, caso ele não se mantenha aprendendo. Esses foram alguns dos assuntos debatidos pelo cientista-chefe do Centro de Estudos de Sistemas Avançados do Recife (Cesar), Silvio Meira, durante a palestra em comemoração aos 20 anos do caderno Boa Chance, realizada na semana passada. Reunimos abaixo os principais tópicos discutidos por Meira sobre os desafios que as novas tecnologias impõem ao mercado de trabalho.
PROGRAMABILIDADE
“Depois da era da mobilidade, estamos entrando na era de programabilidade. Começamos a programar, para ver apenas a parte do mundo que queremos. Já programamos nas redes sociais o que queremos discutir, para quem queremos falar. Cada vez que baixamos um app, estamos programando o celular, redefinindo o que ele faz. Programar não é muito diferente do que escrever em português. Os primeiros programas não serão complicados: ao contrário, serão extremamente simples”.
“Há um ambiente de programação, por exemplo, o ifttt.com, que é muito simples e permite gerar resultados diretos. É uma linguagem de programação que só tem um comando e permite coisas como: publicar link na minha rede social sempre que houver notícia nova, receber SMS se a previsão do tempo passar dos 30 graus. Isso serve para a gente ir se acomodando e aprendendo que programar as coisas ao redor não é tão complicado. Será menos complicado que programar um videocassete”.
LEI DE MOORE
“Todo mercado tem leis. No mercado de informática, existe a Lei de Moore, que diz uma coisa bem básica: a cada 18 meses, pelo mesmo preço, se obtém o dobro da capacidade de computação, comunicação, armazenamento etc. Ou seja: o digital, pelo mesmo preço, fica duas vezes mais capaz pelo mesmo preço. Neste mercado, se você se graduar numa das melhores universidades do mundo, e não se mantiver em estado educacional, cinco anos depois está prontinho ‘para virar suco’. Nesse caso, se sair do trabalho em que está, não arranjará outro ou arranjará em outra categoria ou menos remunerado. O tempo de vida médio de um engenheiro, se ele não se preocupar em aprender o tempo todo, é cinco anos”.
“Qual é o tempo de vida das pessoas em outros mercados? Leva o tempo que o futuro leva para chegar para você, sem que você tenha chegado no futuro. Porque a gente tem que chegar no futuro antes que ele chegue na gente”.
AS ONDAS DE INOVAÇÃO
“Foram inovações em mercados que geraram o trabalho que a gente tem hoje. No século 18, a onda de inovação foi a mecanização e o comércio. Foi de baixa intensidade: não rendeu impacto a ponto de desempregar quem estava por perto. A segunda onda é a da Revolução Industrial, com a energia e as ferrovias: surgem fábricas em larga escala e, com a automatização do processo, a vida das pessoas que trabalhavam começa a sofrer impacto radical. Mas a onda de inovação mostra que o mundo não se acaba. As pessoas vão aprender a fazer outras coisas. A terceira onda traz a eletricidade e o motor, duas coisas que nos acompanham até hoje, 120 anos depois. Após a Segunda Guerra Mundial, a onda é de eletrônica e aviação. E, ao conseguirmos manipular informação em velocidade nunca vista, chegamos a uma onda de inovação de softwares e redes, que começa no fim da década de 60 e se transforma no motor da economia com a internet, a partir de 1995. É a onda que estamos vivendo e, por causa dela, provocando uma onda de sistemas em rede, sustentabilidade e sistemas holísticos”.
COMPETÊNCIAS SOCIAIS
“Hoje, existe um conjunto de ‘És’ que não têm a ver com a formação clássica de um profissional, mas com a sua disposição para o mundo. Em uma entrevista de emprego, por exemplo, pergunta-se se você é fácil de ser encontrado, simples, ágil, flexível, confiável etc. É que algumas coisas são mais importantes do que ser o melhor físico de partículas. As empresas precisam de gente completamente diferente”.
CIDADES E TRABALHO
“Hoje, existe o conceito de trabalho tradable e non-tradable, que é o trabalho que pode ser feito remotamente, como a análise de imagens médicas, e o que não pode, como uma massagem. Hoje, as cidades são locais onde encontramos tradable jobs: as cidades são lugares de serviços. Para evitar uma catástrofe urbana hoje, quando as ferramentas de trabalho não são mais escassas, precisamos redesenhar a cidade para que se possa trabalhar de qualquer lugar. Com os working centers, por exemplo, que estariam para o trabalho como os shopping centers estão para as compras. Incentivando as pessoas a trabalharem perto de onde moram, podemos evitar o colapso das cidades”.
BOA EMPRESA É BOA ESCOLA
“No futuro, cada um de nós terá que empreender a sua presença nas redes que quiser. O conselho é: trabalhe em algo desafiante. Em um lugar onde você aprenda o tempo todo. A boa empresa tem que ser uma boa escola. Se não está aprendendo nada, peça demissão por justa causa (risos).”
“O setor de tecnologia já aprendeu que as pessoas precisam sair para trabalhar em vários lugares. Isso é bom para todo mundo. É compartilhar conhecimento. O trabalho é significado, e as pessoas e as empresas estão procurando isso”.
RELEVÂNCIA EM CURSO
“Volta e meia alguém diz que tudo que existe de relevante já aconteceu — e na nossa época. Mas nós não somos tão especiais. O planeta tem mais dois bilhões de anos de sobrevida. Ao menos no próximo milhão de anos, as ondas de inovação continuarão criando demandas para as pessoas aprenderem, porque o pico de inovação aumenta a obsolescência do conhecimento”.
EMPREGO X TRABALHO
“O que se chamava emprego agora se chama oportunidade de geração de valores. Ninguém mais vai ter emprego. Se tivermos sorte, teremos trabalho”.
O ‘FIM’ DO ON-LINE
“Uma pesquisa mostrou que o número de horas que as pessoas ficam na internet caiu: de 21,9 horas, em média, em 2011; para 19,6 em 2012. Mas por que o tempo diminuiu? Porque elas consideram o Google Maps, por exemplo, como off-line. O on-line se confundiu com o off-line e virou parte do ambiente”.
O TRABALHO DE DESAPRENDER
“Qual é a estratégia para continuar no mercado de trabalho? Saber que o que vamos fazer no futuro pode não ter nada a ver com o que a gente sabe. O futuro não será igual ao presente, embora muitas pessoas, especialmente jovens, achem que os próximos 50 anos serão iguais: mudará sim, muito mais e muito rapidamente. Nesse cenário, é preciso que o profissional saiba fazer três coisas: aprender, desaprender e reaprender. Desaprender dá até mais trabalho do que aprender. E sempre tivemos que aprender rápido. Não é de hoje essa percepção. Porque, seja qual for, o mercado está em constante transformação. E essas transformações criarão novos níveis de exigências para todos nós”.
INFORMATIZAÇÃO CRESCENTE
“Acredito que, daqui a 20 anos, não existirão mais as profissões que não desejamos para nossos filhos. Não haverá, por exemplo, motoristas de ônibus. Uma cirurgia neurológica sem intervenção de robôs será proibida. O que puder informatizar, a gente vai informatizar. O mercado de informática contamina todos os outros mercados”.
SEJA ESPERTO
“Se o profissional não olha ao redor, o mundo dele começa a cair. Em qualquer mercado dá para sobreviver se você for esperto, entender o cenário, tiver base para aprender e seguir os líderes desse mercado. Em alguns mercados, se você for muito esperto e coliderar o processo de mudança, você pode empreender sua carreira. Agora em pouquíssimos mercados, se for megaesperto, você pode tentar um negócio”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário